Como distinguir tristeza de depressão?
«A tristeza transforma, a depressão paralisa»
Entrevista
com Neury José Botega
Médico psiquiatra, professor, pesquisador e
escritor
Vitor Necchi
A depressão não deve ser confundida
com tristeza,
que é um sentimento normal
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NEURY JOSÉ BOTEGA |
A depressão é uma doença que atinge cerca
de 300 milhões de pessoas no mundo.
Os dados são expressivos e reforçam a necessidade de ampliar as pesquisas e as
informações sobre o assunto, até porque ainda
há muito preconceito em relação a quem tem esse diagnóstico. Para
aprofundar o entendimento sobre o tema, o psiquiatra Neury José Botega escreveu
A tristeza transforma, a depressão
paralisa [Editora Benvirá, 2018] sua primeira obra voltada para um público
não acadêmico.
O livro tem o objetivo de orientar pacientes e familiares. A primeira parte é destinada
principalmente a quem está com depressão. A segunda, aos familiares. Na
terceira parte, “a abordagem é mais densa, relacionada à formulação do
diagnóstico de depressão e ao tratamento dos quadros graves da doença”.
A
depressão não deve ser confundida com tristeza, que é um sentimento normal.
Botega compara que, como uma febre, a
tristeza “indica que algo não está bem, que um significado deve ser buscado
para a angústia que nos afeta”. Esse sentimento, potencialmente, pode ser
transformador, mas muita gente não consegue lidar bem com ele porque “estamos em uma era do imediatismo e da
superficialidade feliz das imagens postadas”. Depressão, por outro lado,
consiste em uma doença paralisante. “Tem determinação biológica e pode, na
maioria das vezes, responder bem a um tratamento”, explica na entrevista a
seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line.
É
comum haver preconceito em torno de pessoas depressivas porque, conforme
Botega, “ainda há a crença errônea de que
só fica deprimido quem é fraco, quem não tem preocupações e responsabilidades
e, também, de que para sair de um estado depressivo, só depende da pessoa
adoentada”.
Neury José Botega é graduado em Medicina, com
residência em Psiquiatria, e doutor em Saúde Mental pela Universidade Estadual
de Campinas - Unicamp, onde trabalha no consultório e no Departamento de
Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas. Fez estágio
pós-doutoral no Instituto de Psiquiatria da Universidade de Londres. É autor de
diversas obras, entre elas Prática
psiquiátrica no Hospital Geral (Porto Alegre: Artmed, 2015), Crise suicida. Avaliação e manejo (Porto
Alegre: Artmed, 2015) e Telefonemas na
Crise. Percursos, desafios na prevenção do suicídio (Porto Alegre: Artmed,
2010).
Confira
a entrevista.
IHU On-Line –
O que caracteriza o sentimento de tristeza?
Neury Botega – A tristeza é um sentimento
normal do ser humano. Como uma febre, indica que algo não está bem, que um
significado deve ser buscado para a angústia que nos afeta. O sentimento de
tristeza, potencialmente, é transformador.
IHU On-Line –
Sentir tristeza é algo natural. Por que muita gente não consegue lidar com algo
prosaico e inerente à natureza humana?
Neury Botega – Porque estamos em uma era
do imediatismo e da superficialidade feliz das imagens postadas.
IHU On-Line –
E depressão, o que é?
Neury Botega – Depressão é uma doença
paralisante. Tem determinação biológica e pode, na maioria das vezes, responder
bem a um tratamento.
IHU On-Line –
Qual o impacto da depressão na vida de uma pessoa?
Neury Botega – Ela impede a pessoa de ter
prazer em atividades que antes eram prazerosas, traz muitas dúvidas, medo,
insegurança e pensamentos negativos. O bloqueio mental causado pela depressão é
estranho ao ser, assustador. A depressão pode levar ao desespero, ao
alcoolismo, ao suicídio. A doença interfere muito nas atividades cotidianas, ao
contrário da tristeza.
IHU On-Line –
Por que há confusão no reconhecimento de tristeza e de depressão?
Neury Botega – A própria expressão “ando meio deprê” passou para o linguajar
comum. As pessoas também associam muito a doença-depressão ao sentimento de
tristeza. No entanto, depressão é mais
do que tristeza, pode se polarizar para o vazio, para a angústia,
irritabilidade e desespero.
IHU On-Line –
Como identificar que uma suposta tristeza é, na verdade, sintoma de um quadro
mais grave como a depressão?
Neury Botega – O quadro a seguir oferece
algumas dicas, ainda que, em algumas situações, seja difícil, mesmo para um
profissional, fazer a diferenciação.
IHU On-Line –
Por que há preconceito em torno de pessoas depressivas?
Neury Botega – Porque ainda há a crença errônea de que só fica
deprimido quem é fraco, quem não tem
preocupações e responsabilidades e, também, de que para sair de um estado
depressivo, só depende da pessoa adoentada.
IHU On-Line –
A depressão afeta cerca de 300 milhões de pessoas no mundo. Por que atinge
patamares tão expressivos?
Neury Botega – Não há boa explicação para
o fato de a incidência da depressão estar aumentando. As pesquisas mostram que
cada vez mais pessoas são afetadas e em faixas etárias mais precoces.
IHU On-Line –
O que deve ser feito, na perspectiva individual, em relação a alguém que tem
depressão?
Neury Botega – A pessoa deve ser conduzida
– me refiro a um auxílio prático de nossa parte – a um médico. Quem se encontra
deprimido não tem, muitas vezes, motivação e energia para fazê-lo
espontaneamente.
IHU On-Line –
E do ponto de vista social, no âmbito da saúde pública, há algo que possa ser
feito de maneira preventiva?
Neury Botega – O primeiro passo é lutarmos
para haver mais reconhecimento dos quadros depressivos, com diminuição do
estigma, e com mais serviços e profissionais aptos para oferecer tratamento.
IHU On-Line –
O acesso a consultas com especialistas ainda é restrito tanto no sistema
público como nos planos privados. O quanto isso contribui para o agravamento do
problema e a manutenção do preconceito com relação à depressão?
Neury Botega – De fato, agentes de saúde e
médicos clínicos gerais devem estar capacitados a reconhecer e prover as
primeiras orientações. Afinal, o problema é tão frequente quanto outros que
afetam a população, como hipertensão arterial, por exemplo. A consulta com o
especialista deveria ser reservada para os casos de maior complexidade, ou que
não responderam a uma primeira tentativa de tratamento.
IHU On-Line –
O livro A tristeza transforma, a
depressão paralisa é sua primeira obra voltada para um público não
acadêmico. Qual a sua pretensão? E como ele é estruturado?
Neury Botega – O livro visa a orientar
pacientes e familiares. Está dividido em
três partes. A primeira é mais
voltada para quem está com depressão, com capítulos bem curtos. Relatos de
pacientes falam sobre a experiência de estar deprimido, permitem a
identificação imediata. A segunda parte
do livro destina-se, sobretudo, aos familiares. As situações clínicas
exemplificadas têm a intenção de promover a empatia, o entendimento da doença e
dos tratamentos disponíveis. Na terceira
parte, a abordagem é mais densa, relacionada à formulação do diagnóstico de
depressão e ao tratamento dos quadros graves da doença.
IHU On-Line –
Nos últimos anos, fala-se mais em suicídio, em contrariedade ao tabu da mídia
silenciar sobre este assunto. A depressão relaciona-se com que intensidade a
este ato extremo?
Neury Botega – O suicídio é um fenômeno
muito complexo, o resultado trágico da combinação de vários fatores. Entre
esses, a depressão tem papel
preponderante. É o que demonstra o conjunto de vários estudos científicos.
Por isso é tão importante diferenciar depressão de tristeza e oferecer um
tratamento específico para a doença.
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