Como evangelizar os JOVENS hoje?
Na questão juvenil está em jogo o futuro da Igreja
Entrevista
com Armando Matteo
Padre, teólogo e professor extraordinário de
Teologia Fundamental na
Pontifícia Universidade Urbaniana, em Roma
(Itália)
Iacopo Scaramuzzi
Vatican
Insider
10-03-2018
Vivemos em uma sociedade que fala
muito dos jovens
apenas para deixá-los de fora
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PE. ARMANDO MATTEO |
Desde
a primeira publicação em 2009 do livro La
prima generazione incredula [A primeira geração incrédula, em tradução
livre], um pequeno grande livro sobre a
“difícil relação entre os jovens e a fé”, o padre Armando Matteo, professor extraordinário de Teologia Fundamental na
Pontifícia Universidade Urbaniana, em Roma, dedica à questão juvenil na Igreja
uma reflexão viva e não desprovida de saudáveis provocações.
A atual pastoral juvenil
“não consegue gerar novas pessoas que creem”; os adultos,
buscando uma eterna juventude, parecem
ter renunciado à “transmissão da fé”; assiste-se a um “eclipse do cristianismo doméstico”; e, para responder a essas
mudanças, é preciso reconhecer que “o cristianismo que herdamos não é a única
possibilidade de cristianismo”; é
oportuno que a Igreja “faça dieta” e é necessário “repensar” a sua presença na
sociedade. De modo que, no fim, seja possível responder à pergunta sobre “por que continuar sendo cristãos depois
que se deixa de ser criança”.
Em
suma, este Sínodo “é mais importante do que os anteriores”, afirma o teólogo ao
Vatican Insider, porque, “sem restabelecer as relações com o mundo
juvenil, a Igreja corre o risco da implosão”.
Eis
a entrevista.
Começou
nessa quarta-feira, 3 de outubro, o
Sínodo dos bispos. Na sua opinião, o que os jovens têm a dizer à Igreja e o que
a Igreja tem a dizer às novas gerações?
Armando Matteo: Os jovens mandam uma
mensagem clara: lutamos para unir o nosso crescimento, o nosso caminho rumo à
idade adulta e a experiência religiosa. Há um forte desinteresse pela
experiência cristã. Ao mesmo tempo, emergem
também um pedido de ajuda: a nossa sociedade tende a condenar os jovens a um
destino de marginalização, e eles pedem
para ser ajudados a entender melhor como a religião cristã pode servir para a
vida adulta. A Igreja, por sua vez, sem restabelecer as relações com o
mundo juvenil, corre o risco da implosão:
* caem as vocações,
* muitas pessoas decidem não
recorrer mais ao casamento religioso,
* as nossas comunidades não
têm o espírito, o entusiasmo das forças juvenis.
Nesse
sentido, penso que, nas intenções do Papa Francisco, está a vontade de se pôr em diálogo e à escuta.
É a primeira vez que a Igreja faz isso desse modo. Eu acrescentaria que não são muitos os que entenderam na Igreja
que esse Sínodo seja fundamental, mais importante do que os celebrados no
passado. Está em jogo o interesse de
gerações inteiras, além do destino da Igreja. O tema dos jovens diz
respeito a todos.
Pode-se
dizer que, para o Papa Francisco, abordar a questão juvenil é também um modo
para propor, através do olhar dos jovens, a necessidade de uma reforma da
Igreja?
Armando Matteo: A dificuldade atual que os
jovens têm para crer nos diz que tudo o
que fazemos, a pastoral juvenil, não consegue gerar novas pessoas que creem,
põe em crise o caráter materno da Igreja. E isso está no coração do Papa
Francisco. Por isso, para gerar novas
pessoas que creem, o papa exorta a uma reforma missionária da Igreja. Se a
Igreja deve ser o lugar onde as pessoas se encontram com Jesus e vivem uma vida
plena, isso não está mais acontecendo, e o universo juvenil devolve isso de um
modo muito forte. As pesquisas a esse respeito são claras.
O
último estudo, publicado pelo Instituto
Toniolo em meados deste ano, registrava que, na Itália, existe uma faixa realmente ampla da população juvenil que
viveria tranquilamente sem religião. O documento preparatório do Sínodo
também sublinha que a maioria aprende a viver sem Deus e sem Igreja, não porque
não têm a chance de encontrá-la, mas porque atualmente o modo de apresentar Jesus e a experiência da fé não desencadeia aquele
interesse real nas novas gerações. Isso certamente requer mudanças.
Na
realidade, embora proponham um catolicismo bastante distante do Concílio
Vaticano II, os setores que poderiam ser definidos como fundamentalistas,
realidades eclesiais que apresentam uma fé fortemente identitária, têm uma
notável atração também entre os jovens...
Armando Matteo: Foi Zygmunt Bauman quem identificou esse estranho paradoxo, essa
heterogênese dos fins: uma mentalidade líquida produz “conselheiros capazes”,
pontos de referência extremamente sólidos, graníticos. Um certo fundamentalismo é uma espécie de derivado da cultura
contemporânea. A ampliação das opções, o fato de que cada sujeito deve
responder por si mesmo, porque não há mais morais compartilhadas, leva uma
parte da população a dar confiança novamente a tradições culturais, políticas,
mas também religiosas que se apresentem mais fortes, mais claras.
Certamente,
essa abordagem, as ideias superclaras e
superdistintas, tem uma certa atratividade, mas eu não acho que seja a melhor
resposta, até porque a atitude do enrijecimento é sempre uma estratégia de
fôlego curto, e a espécie humana não age assim. As reviravoltas epocais são dolorosas, mas sempre há a capacidade de se
adaptar. O cristianismo, na sua melhor tradição, vive de acordo com a
lógica da encarnação e, portanto, não teme pôr em discussão esse modelo de
fazer Igreja, de apresentar o Evangelho, de celebrar os sacramentos, na escuta
constante da palavra do Evangelho, mas também da história dos seres humanos.
Parece-me
que esse seja o apelo do Papa Francisco quando diz para estar à escuta dos pobres, que, além disso, podem ser, por exemplo, os casais de divorciados em segunda união,
mas também, como disse recentemente o cardeal Gualtiero Bassetti, o mundo
juvenil. Um ponto delicado é o esforço da comunidade eclesial para entrar em
acordo com o convite do Papa Francisco a uma saída missionária. Uma dificuldade
talvez aumentada também pela grande longevidade que existe no Ocidente, razão
pela qual as comunidades nunca estão totalmente vazias e, por assim dizer,
custamos a sentir a falta dos jovens que faltam. Estamos nos acostumando um
pouco a aguentar.
Abrindo
o pré-Sínodo, o papa usou palavras muito bonitas quando disse aos jovens: nós
estamos aqui não porque queremos a todo o custo ter jovens, mas porque sabemos que uma comunidade sem jovens é
incompleta, falta-nos uma parte de acesso ao mistério divino. Toda mudança,
toda reforma requer algum sofrimento, e não podemos pensar em levar a termo uma
Igreja verdadeiramente missionária sem passar também por um processo de morte e
ressurreição.
Para
citar Benedetto Croce, deixar morrer aquilo que está morto e
promover aquilo que está vivo. O cristianismo que herdamos, enfim, não é a
única possibilidade de cristianismo: é uma possibilidade, formada ao escutar as
exigências de outra época, mas hoje não funciona mais. Na exortação Evangelii gaudium, o Papa Francisco diz
isso claramente, a pastoral juvenil não
responde mais porque as mudanças em curso são inúmeras. Esse não é o
problema, o problema é quando falta a disponibilidade de mudar.
No
seu livro “A primeira geração incrédula”, você defende que a reforma se realiza
quando a Igreja “faz dieta” e repensa também a “geografia da salvação”: pode
nos explicar isso?
Armando Matteo: Nós viemos de uma cultura em
que o elemento religioso não estava
apenas presente, mas era até promovido nas famílias e nas dinâmicas sociais,
e isso favoreceu o fato de que a Igreja pudesse se ocupar de muitas outras
coisas. A Igreja se ocupou de escolas, hospitais, formação política, teatro:
quase não há âmbito humano com o qual a Igreja não se ocupou. E sempre pôde delegar a geração da fé às
famílias, às mães e às avós, às escolas, ao próprio contexto cultural.
Hoje,
encontramo-nos com um corpo eclesial mastodôntico, cada paróquia se ocupa de
inúmeras coisas, mas é cada vez mais difícil fazer o que se deve fazer, isto é,
gerar novas pessoas que creem em Cristo. Hoje,
assistimos àquilo que eu chamo de eclipse do
cristianismo doméstico: em casa, reza-se muito pouco, não se lê o
Evangelho, o coração dos adultos deslocou-se para muitas outras coisas, e
isso pede um maior compromisso para concentrar as próprias energias na geração
para a fé, para repensar os processos de iniciação à fé de um modo diferente,
para fazer isso mais a sério.
O
mesmo vale para a geografia: na
Itália, na Europa, quando o ser humano era naturalmente cristão, todos os
bairros, todas as pequenas localidades nas montanhas ou no campo tinham a sua
paróquia. Hoje, isso não é mais permitido, vivemos novos fenômenos de
urbanização, é preciso tomar consciência de que o número de sacerdotes diminuiu
ou envelheceu. Hoje, há uma dispersão de
energias eclesiais enormes, ligadas a um mundo que não é mais aquele em que
nasceram. Se o objetivo prioritário é o de ajudar os adultos a recuperar o
interesse pela religião, é preciso
também reescrever a nova geografia da presença cristã. Isso também é muito
difícil.
O
Papa Francisco pediu aos bispos italianos que repensem o número de dioceses e,
portanto, de pastorais diocesanas, de paróquias... Mas sabemos que esse pedido
encontrou resistências. Inevitavelmente, toda mudança envolve sofrimentos. Mas é necessário repensar a presença da Igreja
não mais dispersa a esmo, como é atualmente, mas em função desse propósito
primordial, a
geração da fé. [Isto é fundamental!
Proposta na direção certa!]
Mas
o que os bispos do Sínodo podem fazer em três semanas para resolver problemas
tão grandes, epocais? Agora, foi publicado um de seus livros, “Tutti giovani,
nessun Giovane” [Todos jovens, nenhum jovem, em tradução livre] (Ed. Piemme),
no qual você denuncia a “dificuldade de ser jovem”. Em que sentido?
Armando Matteo: O Sínodo poderia ser uma boa oportunidade para demarcar algumas
coisas, tentar fazer um diagnóstico um pouco compartilhado. Acima de tudo,
a parte jovem do mundo, tanto no Ocidente quanto em outros lugares, custa a
viver a própria idade da vida. Deveria herdar o mundo na idade de máxima
potência, de máxima energia, para melhorá-lo, e, em vez disso, defronta-se com gerações adultas que
seguram tudo nas mãos ou, melhor, que continuam dizendo aos jovens: “Nós não precisamos de vocês, nós é que
queremos ficar jovens”. Isso produz uma paralisia da confiança.
Os
adultos, que deveriam ser aqueles que arrastam os jovens para a vida, na
realidade atuam como contenção, apagamento das paixões. Há um grande
desconforto, um grito de justiça dos jovens, porque, quando os adultos não são adultos, os jovens não podem ser jovens.
O Sínodo, portanto, acima de tudo, pode servir para se concentrar no fato de
que nós, adultos, somos o problema, e os
jovens são o recurso.
Em
segundo lugar, é preciso trabalhar mais a sério com os adultos. É preciso ativar uma pastoral da segunda
idade, porque, com os adultos que
vivem uma “religião da juventude”, interrompeu-se
a transmissão da fé. Não podemos falar de jovens sem levar em conta que os
jovens têm o seu olhar nos adultos, se não nos interrogarmos sobre como os
adultos vivem e transmitem a sua fé.
E,
em terceiro lugar, seguindo a Gaudete et
exsultate do Papa Francisco, é
preciso recuperar a dimensão alegre da fé: crer para viver com mais alegria a
nossa vida humana; vai-se à missa para viver uma experiência de festa e de
alegria. Por último, no meu último livro, digo provocativamente que o Sínodo
também poderia ser o lugar de onde a Igreja sai com uma proposta um pouco
estranha, talvez: deixar de falar de
“jovens” referindo-se a pessoas com mais de 30 anos. Uma operação de
limpeza linguística que pode corresponder a uma limpeza mental que possa pôr as gerações nos eixos. As gerações
são os jovens e os adultos, e os adultos ajudam os jovens a tomar o seu lugar,
a herdar o mundo.
O
Sínodo sobre os jovens ocorre em um momento em que a Igreja é abalada pelo novo
surgimento dos abusos sexuais: um motivo de afastamento dos jovens da Igreja?
Armando Matteo: A questão da relação dos
jovens com a Igreja é a única questão real que temos. Por isso, esse Sínodo,
embora se desenvolva não sob as condições mais favoráveis por causa do
surgimento desses escândalos e de fortes divisões na Igreja, ainda é uma grande bênção.
Provavelmente é mais a ativação de um processo do que a palavra definitiva. De
todos os modos, seria uma oportunidade perdida não o fazer. Ainda é preciso
dizer que, bem antes dessa situação de escândalo, poucos haviam se entusiasmado
com esse Sínodo, os meios de comunicação também não pareciam muito atentos...
porque vivemos em uma sociedade que fala
muito dos jovens apenas para deixá-los de fora. É claro que os escândalos
não ajudam.
A principal virtude do mundo
juvenil hoje é a autenticidade, e é claro que onde quer
que surjam manchas há decepção. Os jovens sentem imediatamente, com alergia,
com repugnância, esses fatos. Também é preciso dizer, porém, que as
investigações feitas, pelo menos na Europa, registram que o ponto mais
problemático, pelo qual não desperta um real interesse dos jovens pelas coisas
da Igreja e da fé, não é o escândalo.
Eu acho que o ponto-chave continua sendo o fato de
que há uma faixa muito grande da
população adulta que pôs no coração um monte de coisas e retirou Deus, a Igreja,
a oração, Jesus Cristo, e, por isso, não testemunhou nas relações
educacionais o porquê de permanecer cristãos depois que se deixa de ser criança.
Essa
me parece ser a verdadeira questão.
Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto, com algumas correções pontuais feitas por Telmo José Amaral de Figueiredo. Acesse a versão original, clicando aqui.
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