2º Domingo do Advento – Ano C – HOMILIA
Evangelho: Lucas 3,1-6
Alberto
Maggi *
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
A novidade vem de quem contesta
Lucas 3,1-2a:** «No décimo
quinto ano do império de Tibério César, sendo Pôncio Pilatos governador da
Judeia; Herodes, tetrarca da Galileia; sei irmão Filipe, tetrarca da Itureia e
da Traconítide; e Lisânias, tetrarca de Abilene; sob o sumo sacerdócio de Anás
e Caifás...».
O capítulo 3 do Evangelho de Lucas começa de forma deliberadamente pomposa e redundante porque o evangelista deseja atrair a atenção do leitor e prepará-lo para a surpresa que se verá em seguida. Tibério César foi o segundo imperador, que sucedeu a Augusto. O evangelista nos apresenta uma sociedade piramidal, começando por aqueles que estão no topo e, de acordo com a cultura da época, aqueles mais próximos de Deus ou mesmo considerados deuses como o era o imperador romano. Então, ele vem descendo na descrição das autoridades. E o evangelista também insere um personagem semidesconhecido, um certo Lisânias, tetrarca de Abilene, no Antilíbano [Uma cordilheira situada principalmente no Líbano, mas também na Síria e Israel. Ela se estende a leste e paralelamente ao maciço do monte Líbano]. Finalmente, ele menciona o sumo sacerdote, no singular, contudo, indica Anás e Caifás. Anás era o sogro de Caifás. O evangelista, por meio desse artifício, quis chegar ao número 7 que indica a totalidade, aqui está a totalidade do poder.
Lucas 3,2b-3a: «... a palavra de Deus veio a João, filho de Zacarias, no
deserto. Ele percorreu toda a região do Jordão, proclamando um batismo...».
E aqui está a surpresa! O evangelista nos diz que palavra de
Deus veio. Mas a qual dessas autoridades Deus se dirigirá? Porque vimos a lista
daqueles que estão acima, aqueles que se acham mais próximos de Deus e, mesmo,
aqueles que se acreditavam de condição divina. Há, inclusive, o sumo
sacerdote, na verdade, dois sumos sacerdotes representando Deus. A qual
deles Deus dirigirá sua palavra? Eis aqui, a surpresa, a palavra de Deus
encontrou João, um certo João, filho de Zacarias, no deserto.
Quando Deus tem que intervir na história, ele evita cuidadosamente
lugares e pessoas sagradas e religiosas, porque ele sabe que são sempre
refratários, até mesmo, hostis a qualquer mudança.
Sua palavra é dirigida a este João, filho de Zacarias. Sendo
filho primogênito varão de Zacarias ele deveria ter sido sacerdote como seu
pai, apresentar-se aos 18 anos no templo para ver se havia algum defeito que
o impedisse de continuar o sacerdócio do pai. Em vez disso, vive no deserto,
ele rompeu com esta sociedade. Está longe de Jerusalém, está longe do templo.
Ele viajou por toda a região do Jordão pregando um batismo, o termo batismo não tem o significado litúrgico que então será dado a ele. O batismo é uma imersão, era um rito conhecido que significava morrer a uma condição anterior para iniciar uma nova. Por exemplo, um escravo teve liberdade, foi batizado, ou seja, mergulhou completamente em um riacho, o escravo morreu e o que saiu foi uma pessoa livre. Portanto, é um sinal de mudança, de morte para o que se foi.
Lucas 3,3b: «... de arrependimento, para o perdão dos pecados...»
Este batismo era um sinal de conversão, o evangelista escolhe
o termo conversão, evita o que indica conversão religiosa, o
regresso a Deus e usa o que indica uma mudança de mentalidade, a qual,
posteriormente, passa a influenciar o comportamento. De um batismo de
conversão para o perdão dos pecados, a provocação de João Batista é
grande porque o perdão dos pecados acontece no templo de Jerusalém
trazendo ofertas ao Senhor. Pois bem, João não concorda, ele é o homem do Espírito, não como o pai, que é o homem do rito, e proclama este sinal de mudança de
vida.
A conversão significa não viver mais para você, mas viver para os
outros,
e isso obtém o cancelamento dos pecados, portanto, não mais em Jerusalém.
Lucas
3,4a: «... como está
escrito no livro dos oráculos do profeta Isaías:»
E, aqui, se trata do que se chamou de «livro da
consolação», é a segunda parte do livro do profeta Isaías, de autoria de um
profeta anônimo no final do exílio, que é um convite ao êxodo, à libertação
da escravidão. O evangelista pretende apontar o que mais tarde será a
atividade de Jesus,
... uma libertação não mais de uma terra, mas de uma instituição religiosa que havia reduzido o povo à escravidão.
Lucas
3,4b-6: «Voz de quem clama
no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas. Todo vale
será aterrado; toda montanha e colina serão rebaixadas, e os caminhos
acidentados, aplanados. E todos verão a salvação que vem de Deus.»
Então, há está essa citação do profeta Isaías [40,3-5 – versão grega] que termina com esta expressão: «E todos». Então, essa profecia não é reservada a um povo, mas é para toda a humanidade. O texto de Isaías falava da «glória» de Deus, aqui, o evangelista substitui o termo glória por «salvação». A glória de Deus se expressa na salvação de todos os seres humanos, não há pessoa no mundo que possa se sentir excluída do amor deste Senhor.
*
Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Os textos bíblicos citados nesse comentário são todos extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB. 3. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2019.
Reflexão Pessoal
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
O Evangelho nos desconcerta!
O Evangelho escapa aos
nossos esquemas mentais, culturais, religiosos e sociais!
Isso fica bem claro nessa passagem de Lucas lida no 2º Domingo do Advento (Ano Litúrgico C). Primeiramente, Lucas faz questão de situar o nascimento de Jesus no tempo, ou seja, na história. Por isso, ele menciona as principais autoridades da época na qual Deus se incarnou na humanidade. Assim fazendo, Lucas quer nos dizer que o anúncio do Evangelho não pode prescindir da política e da religião de uma época e de um povo! Do contrário, torna-se mero palavrório vazio e sem eficácia!
Outro dado desconcertante desse Evangelho: Deus não dirige a sua palavra aos poderosos, sejam eles civis ou religiosos! A palavra de Deus é dirigida a um anacoreta. Esse termo vem de “anakhṓrēsis”, situação de quem vive retirado do mundo, da sociedade, da legalidade. “Porque ao deserto iam, com frequência, os descontentes com o sistema legal e fiscal, com as autoridades” (José María Castillo). Nesse caso, João era um eremita, vivia no deserto porque não quis ser sacerdote, como seu pai, nem servir àquela instituição na qual ele não acreditava: o Templo de Jerusalém. Era, portanto, um “desajustado” social!
Quantas lições podemos
retirar desse fato!
O “novo”, a “novidade” jamais pode vir através das mãos e mentes daqueles que comandam, daqueles que detêm o poder! É fácil de entender: esses não têm interesse em mudar nada! Afinal, tudo está como eles querem, eles organizaram, eles decidiram! Tudo leva aonde eles planejaram! O Evangelho, como o próprio termo grego quer dizer, significa “Boa Nova”, “Boa Notícia”, “Boa Novidade”. Ora, nenhuma novidade virá do lado do PODER! Deus sabe disso, por isso, sua palavra é dirigida a alguém que já está descontente, se recusa a cumprir o papel que lhe estava predeterminado: João, o primogênito de Zacarias sacerdote!
O evangelista nos revela que
para que Deus se aproxime, para que Ele esteja entre nós é necessário “preparar
o caminho”. Em que consiste essa preparação?
“A preparação consiste em amenizar as
dificuldades, equalizar as desigualdades. Quando a vida se torna
mais fácil para as pessoas, quando as desigualdades são corrigidas, quando se
dignifica o insignificante, é que Deus se aproxima. E Jesus aparece em nossa
vida.” (José
María Castillo)
Oração após a meditação do Santo Evangelho
«Vem,
Senhor, rasga com a tua radiante e extraordinária imprevisibilidade, o cinza da
nossa previsibilidade ordinária, o silêncio que já não mais atende e espera com
a "voz de quem clama no deserto" do mundo. Dá-nos os olhos da mente e da
fé para ver o teu desígnio de amor e o ardor do coração para conformar os teus
pensamentos, palavras e obras num batismo de conversão. Dá-nos a capacidade de
te reconhecer e acolher, com coração obediente, no dom da tua Palavra de vida,
para não ficarmos mudos e sem palavras, sacudidos por qualquer vento de
doutrina, à maneira dos homens, queimados pelo ceticismo e pelo relativismo dissoluto
e onívoro. Concede-nos de preparar o teu caminho, de endireitar as nossas
estradas, de colocar-nos em tua mesma onda de amor para participar de teu dom
de salvação. Liberta-nos da dureza de coração que faz crescer o deserto e a
aridez, que ergue os montes e cria desfiladeiros. Teu caminho, que é verdade e
vida, alcance a nossa humanidade velha e estéril, para transformá-la em
juventude e fecundidade de vida. Possa todo ser humano ver a tua salvação.
Amém.»
(MESTERS,
Carlos. 2ª Domenica di Avvento. In: CILIA, Anthony O.Carm [Org.]. Lectio
Divina sui vangeli festivi: per l’anno liturgico C. Leumann [TO]: Elledici,
2009, p. 32)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – II Domenica di Avvento – 09 dicembre 2018 – Internet: clique aqui (Acesso em: 03/12/2021).
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