«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Entenda a explosão do custo de vida

 Sobre a inflação de alimentos no Brasil

 Fausto Augusto Júnior e Patrícia Lino Costa

Fausto é sociólogo e diretor técnico do Dieese; Patrícia é economista e supervisora da produção técnica do Dieese 

Entenda porque os alimentos estão custando tanto em um país que é um dos maiores exportadores de produtos agrícolas e pecuários do mundo

Desde 2020, o Brasil assiste estarrecido ao aumento de preços dos alimentos básicos em um contexto de pandemia de Covid-19, quando mais de 9 milhões perderam o emprego e a renda e o dinamismo da economia decresceu. Preços de alimentos como arroz, carne bovina, óleo de soja, açúcar e café em pó passaram a pressionar o índice médio de inflação. 

Para entender o que vem acontecendo, é interessante esclarecer alguns conceitos, a começar pela definição de inflação, que é o aumento persistente dos preços em geral, resultando em contínua perda do poder aquisitivo da moeda. As causas da inflação podem estar associadas ao aumento da demanda por bens, sem que haja alteração da oferta, o que faz que os preços subam. Também pode decorrer de problemas relativos à oferta ou aos custos de produção, especialmente no que se refere a taxas de juros, câmbio, salários ou preços das importações.[1] 

Um dos remédios mais comuns para a inflação é o aumento da taxa de juros, uma vez que juros altos inibem o investimento e a demanda, provocando a queda do nível de atividade econômica do país. Também atraem a entrada de moedas estrangeiras por meio de capital financeiro, valorizando a moeda local em relação ao dólar. 

Finalmente, vale lembrar que a taxa de câmbio desvalorizada encarece os produtos e insumos importados e estimula a exportação ao baratear os produtos nacionais no exterior e remunerar melhor o produtor local. Uma vez compreendidos esses conceitos, é possível entender melhor o que vem acontecendo com o preço dos alimentos no Brasil. 

A inflação de alimentos 

Em 2020, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado pelo IBGE, acumulou 5,45%, média superior à de 4%, estipulada pelo Banco Central. O item “alimentação no domicílio”, porém, registrou variação de 18,88%. Alguns alimentos aumentaram muito acima da inflação no ano passado:

* óleo de soja (104,08%),

* arroz (75,36%),

* tomate (55,10%),

* leite longa vida (26,34%),

* açúcar cristal (25,47%),

* feijão carioquinha (16,87%), entre outros. 

O Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos] calcula mensalmente o custo da cesta básica de alimentos em 17 capitais, composta por treze produtos básicos presentes na vida das famílias brasileiras, como carne bovina de primeira, arroz agulhinha, feijão, leite, farinha de trigo (ou mandioca, nas regiões Norte e Nordeste), batata (apenas nas capitais do centro-sul), tomate, manteiga, café em pó, açúcar, óleo de soja, banana e pão francês. 

Essa cesta, em 2020, acumulou variações entre 17,76%, em Curitiba, e 32,89%, em Salvador, diferenças que resultaram de custo de distribuição, produção regional e clima local. 

Mas por que esse aumento em plena pandemia? Apesar de o governo e alguns especialistas insistirem na ideia de que o auxílio emergencial no valor de R$ 600 fez que as famílias consumissem mais, é necessário lembrar que cerca de 8,8 milhões de brasileiros perderam suas ocupações e rendas no segundo trimestre de 2020, quando o isolamento social foi mais intenso. O auxílio emergencial foi um instrumento que assegurou à população de baixa renda, que perdeu trabalho e rendimentos, a possibilidade de se alimentar: essas pessoas não passaram a comer mais, apenas continuaram se sustentando. 

A explicação para a alta dos alimentos não está, portanto, no aumento da demanda, e sim na oferta.

O que importa é exportar alimentos: vender o máximo e não ter estoques reguladores para os brasileiros 

Com o aumento da incidência de Covid-19 e a adoção de medidas de isolamento em todo o mundo, o comércio internacional diminuiu, seja pela dificuldade de conseguir matéria-prima para a produção, seja por barreiras sanitárias e fechamento de portos, entre vários outros motivos. Entretanto, a demanda externa por alimentos cresceu, pois, para muitos países, a alimentação da nação em momentos de calamidade é assunto de segurança nacional. A manutenção de estoques de alimentos capazes de alimentar a população de diversos países fez, então, que a demanda internacional aumentasse. 

No Brasil, a exportação de alimentos cresceu.

Com o preço dos alimentos chamados de commodities em alta, os produtores de grãos viram na exportação a oportunidade de aumentar seus ganhos, o que levou o país a bater recordes de volumes de grãos e carnes exportados. A taxa de câmbio no patamar de cerca de R$ 5,50 era um estímulo adicional para a exportação. 

Para ter uma ideia do que ocorreu, pode-se analisar o caso do arroz, apresentado nos gráficos 1 e 2. Em 2020, o volume de arroz exportado pelo Brasil cresceu expressivamente em maio, junho, julho e agosto. Em maio, o país aumentou a exportação de arroz em mais de 140 milhões de toneladas, o que representa um volume 3,5 vezes superior ao registrado em abril. 

Gráfico 1

Quantidade mensal de arroz exportado no ano de 2020 / Brasil – janeiro a dezembro de 2020 e 2021 (em toneladas líquidas)

Fonte: Comex Stat, MDIC

Gráfico 2

Série histórica do grão arroz estocado na Conab / Brasil – 2000 a 2021

Fonte: Série histórica de estoques por produto, Conab

O governo federal, no entanto, atribuiu a responsabilidade pelo aumento do preço do arroz no varejo inicialmente ao isolamento social e, nos meses seguintes, ao auxílio emergencial. Em contrapartida, os estoques de arroz – e dos principais grãos que abastecem o mercado nacional – na Central Nacional de Abastecimento (Conab) estavam zerados.

Tabela 1 

Elevação dos preços dos alimentos nas 17 capitais em que o DIEESE realiza a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos (PNCBA) / Janeiro a dezembro de 2020 (em %) 

Capital              Variação

Salvador            32,89

Aracaju              28,75

Campo Grande  28,08

Belo Horizonte   27,79

João Pessoa      27,21

Brasília               24,88

São Paulo          24,67

Goiânia              23,98

Fortaleza           23,37

Porto Alegre      21,60

Belém                20,95

Florianópolis      20,30

Vitória                20,24

Rio de Janeiro   20,15

Natal                  19,55

Recife                19,20

Curitiba              17,76

Fonte: PNCBA, Dieese.

A política de estoques reguladores serve para que, em casos de falta do grão, o governo venda parte desses estoques para abastecer o mercado interno e evitar uma elevação de preços ou, no caso de excesso de oferta, compre parte dessa produção para garantir um preço mínimo ao produtor.

Porém, desde 2016, com o abandono da estratégia de estoques reguladores e com as exportações batendo recordes, o Brasil vendeu seus grãos e seus principais alimentos, desconsiderando o bem-estar da população.

No varejo, o povo brasileiro assistiu, entre abril de 2020 e outubro de 2021, à mudança de patamar dos preços do arroz, com aumentos expressivos nas principais capitais do Brasil. O quilo do produto chegou a R$ 6,53 em Recife e a R$ 5,78 no Rio de Janeiro. 

Importante analisar também a situação da carne bovina. Há uns três anos, o Brasil vem batendo recordes de exportação da carne, principalmente a de gado. A China é nosso maior comprador e, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Brasil é o maior exportador do mundo. Até se poderia comemorar essa notícia se isso não significasse que a carne bovina aqui produzida passou a ser inacessível para os brasileiros. 

No fim de 2019, os preços da carne começaram a aumentar. Ao longo da pandemia, o Brasil exportou grande quantidade de carne e, internamente, os brasileiros passaram a pagar mais pelo quilo: no município de São Paulo, em janeiro de 2016, o preço médio do quilo da carne bovina de primeira era R$ 24,78;[2] em dezembro de 2019, R$ 31,52; e, em outubro de 2021, R$ 44,02. Assim, no município de São Paulo, a carne acumulou elevação de 77,64% no período analisado. Esse movimento de alta dos preços associado à redução da renda das famílias é o que explica as cenas, em meados de 2021, das filas de pessoas para a compra de ossos de boi. 

Cabe ressaltar também que, no caso da carne, o grande volume exportado e a ausência de estoques reguladores de grãos como o milho e a soja – base da ração animal – aumentaram os custos de produção dos produtores de boi, impondo uma pressão adicional ao preço da carne e do leite. 

Gráfico 3

Índice de variação do preço da carne bovina de primeira / Cidades selecionadas – 2016 a 2021 (base 2016 = 100)

Fonte: Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, Dieese. Obs.: média dos tipos patinho, coxão mole e coxão duro.

Também o óleo de soja, o açúcar e o café sofrem os efeitos das exportações em alta e nenhum estoque regulador para minorar seus impactos. 

Em 2021, com o avanço da vacinação no mundo e sinais de retorno à normalidade, já se observa um arrefecimento na demanda externa por alimentos. Porém, o clima – excessivamente seco em alguns momentos e muito frio, com geadas no fim de julho de 2021 – impactou as plantações dos principais grãos e as pastagens do gado de corte e leiteiro. Como resultado, além das exportações em alta, houve redução da oferta por problemas na colheita e na produção, elevando novamente os preços dos principais produtos alimentícios. 

Nos dez primeiros meses de 2021, o conjunto de bens da cesta básica de alimentos acumulou taxas que variaram entre 1,78% em Salvador e 18,42% em Curitiba.

Para piorar, a crise hídrica e a má gestão da energia elétrica vêm impondo aos brasileiros um aumento quase mensal na conta de luz, que, de janeiro a outubro de 2021, acumula alta de 18,48%, segundo o INPC.

Além disso, desde a mudança da política de preços da Petrobras, que em 2018 pareou os preços do petróleo nacional ao preço internacional, os brasileiros passaram a conviver com o reajuste quase semanal do preço dos combustíveis e com a alta do preço do gás de botijão, essencial para todas as famílias. Em 2021:

* a gasolina subiu 38,09%;

* o gás de botijão, 33,23%; e

* o diesel, 38,52%. 

Vale lembrar que energia elétrica e combustível são custos de produção e distribuição para muitos alimentos, principalmente porque grande parte deles é produzida em uma localidade, processada em outra e depois distribuída para várias cidades do país. 

Evolução dos estoques públicos de arroz e milho | Fonte: Conab

Como sair desse problema? 

A inflação de alimentos ainda não está resolvida. Apesar da redução da intensidade de alta, os patamares de preço estão elevados e inacessíveis a uma parcela expressiva dos brasileiros. A exportação de grãos e carne segue em ritmo aquecido:[3]

* A quantidade de café exportado aumentou 10,4% em relação a 2021;

* a de soja, 2,5%; e

* a dos óleos brutos, 5,5% – entre estes,

* o óleo de soja e os farelos, 0,6%, que são insumos para produção da carne e do leite.

No varejo das principais cidades do país, café em pó, óleo de soja, açúcar e leite seguem em trajetória de alta de preços. 

Armazém da Conab - Hoje, estão vazios! O governo federal não tem poder de moderar os preços dos alimentos no Brasil

O que poderia ser feito para resolver a inflação?

O governo insiste no remédio tradicional da alta dos juros, com dois objetivos: reduzir a demanda e a atividade econômica e deixar o real valorizado em relação ao dólar, ou seja, baixar a taxa de câmbio. Remédio amargo e pouco eficiente para uma economia que não cresce, não gera empregos e precisa de investimentos públicos para estimular o crescimento.

É necessário mexer na OFERTA e nos CUSTOS.

Os ministros e assessores do atual governo têm ojeriza a taxar as exportações e não aceitam nenhum tipo de interferência sobre os preços, mas poderiam recompor a Conab para protagonizar as tão necessárias políticas de estoques reguladores e interferir nos altos patamares de preços dos alimentos praticados no Brasil. 

A AGRICULTURA FAMILIAR, uma das mais importantes políticas adotadas nos anos 2000 e que ajudou a tirar o Brasil do mapa da fome, foi esquecida desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, quando a política econômica brasileira passou a ter um forte cunho neoliberal. O Programa de Aquisição de Alimentos, responsável pela compra de grande parte dos produtos da agricultura familiar, repassados para entidades sociais, associações, escolas, hospitais e populações vulneráveis, veio perdendo recursos: em 2012, eram-lhe destinados R$ 1,2 bilhão; em 2018, R$ 253 milhões; em 2019, R$ 188 milhões; e, em 2020, R$ 101 milhões.[4] 

Investir em agricultura familiar seria extremamente oportuno para que, a médio e longo prazo, se conquistasse maior segurança alimentar e se garantisse abastecimento do mercado interno com alimentos de qualidade, dinheiro na mão dos pequenos produtores e diversificação das plantações. Recentemente, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) apresentou uma medida provisória visando à implantação do Programa Alimenta Brasil, que ressuscita o investimento em agricultura familiar em 2022; porém, o limite de gastos é sempre uma questão impeditiva para o atual governo. Sem contar que essa medida é aventada após parcela expressiva da população brasileira ter sido lançada à situação de fome e desesperança ao longo dos últimos anos. 

Por fim, como se pode constatar, os problemas de preço e acesso aos alimentos por parte da maioria da população estão além de uma questão sazonal ou temporária.

A inflação brasileira decorre da oferta e, para a resolução desse problema, é necessária a ação do Estado para garantir o bem-estar de sua população, e não os lucros dos acionistas e dos grandes produtores de commodities.

N O T A S

[1] Paulo Sandroni, Novíssimo dicionário de economia, Best Seller, 1999. 

[2] Média do quilo do patinho, coxão mole e coxão duro, segundo os dados da Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, realizada pelo Dieese. 

[3] A sanção da China à carne brasileira, por suspeita de doenças no gado, ainda não resultou em quedas expressivas do preço no varejo. 

[4] Lu Sudré, “População só terá acesso a alimentos de péssima qualidade durante pandemia”, Brasil de Fato, 27 abr. 2020. 

Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil – Edição 173 – Brasil/A Explosão do Custo de Vida – 1 de dezembro de 2021 – Internet: clique aqui (Acesso em: 29/12/2021).

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