«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Como ter dinheiro para os mais pobres?

 Zilda Arns, Dom Hélder e o Orçamento

 Felipe Scudeler Salto

Diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) e professor do Instituo Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) 

DOM HÉLDER CÂMARA (1909-1999): arcebispo emérito de Recife-Olinda (PE)

De Zilda Arns e de Dom Hélder Câmara vêm bons exemplos de como fazer chegar os benefícios aos necessitados

Em dezembro de 1991, Dom Hélder Câmara discursou em Pernambuco:

“Que contradição, que negação clamorosa: cristãos (...) excluindo do acesso às mais elementares condições de vida muitos daqueles a quem proclamamos admitir como irmãos. (...) Será por incompetência? Será por inconsciência? Será por alienação? Ou será por impiedade mesmo?”.

É a incompetência, Dom Hélder! Ela tem culpa maior. Muito foi feito a partir da redemocratização, mas há ainda uma situação que nos envergonha, que dói na alma de todos – cristãos ou não. 

Dez anos depois, em 2001, no programa Roda Viva, na TV Cultura, Zilda Arns contou que a Pastoral da Criança gastava menos de um real (R$ 0,86) per capita ao mês. Em valores atuais, R$ 2,86 por criança. Os resultados colhidos – e a pastoral continua em operação – foram a redução da mortalidade infantil, a melhoria das condições de nutrição e a prevenção de uma série de doenças. 

As práticas adotadas eram replicáveis e de baixo custo. As equipes visitavam as famílias para ensinar práticas de higiene, de aproveitamento de alimentos, pesagem dos recém-nascidos, enfim, uma estratégia baseada na informação de boa qualidade e na orientação cuidadosa. Zilda Arns respondeu com ações concretas à angústia de Dom Hélder. 

Nasceu em 1934 (em Forquilhinha - SC), falecida em 2010 (em Porto Príncipe - Haiti)

Mas a questão que ainda se coloca é: como ampliar as boas iniciativas da sociedade civil? Onde foi que nos perdemos? Seriam a “inconsciência” e a “impiedade” as responsáveis?

Segundo o FGV Social, havia 23,1 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza em 2019. Agora, são 4,6 milhões a mais.

Compadecer-se do sofrimento alheio é humano, essencial e necessário. O segundo passo é cobrar do Estado a elaboração e a execução de políticas públicas com alcance e financiamento suficientes. O Estado é a junção da Lei à burocracia técnica e aos políticos eleitos. A Lei reflete os anseios da sociedade, que só saem do papel pela atividade política. Daí a responsabilidade de quem tem voto. 

Ocorre que perdemos a capacidade de planejar. Uma pesquisa entre a elite dirigente revelaria, sem dúvida, a pobreza e a desigualdade como preocupações centrais. Então, por que a letargia? O que está faltando? 

Poderíamos responder a Dom Hélder: a nossa incompetência é o mal maior. Sem planejamento adequado, o processo orçamentário entrou no piloto automático. Para ter claro, 93% das despesas estão dadas; não mudam no curto prazo. A fatia restante vai para gastos constitucionais com saúde, investimentos (cada vez menores) e custeio da máquina pública (limpeza, iluminação, água, etc.). Como reduzir a pobreza, se o financiamento está bloqueado? Como, se não se discutem a sério o lado da receita e o remanejamento e o corte de gastos? 

A crise pandêmica desnudou a urgência do combate à fome. Os Três Poderes reagiram. E rápido, apesar de tudo. Um desdobramento dessas ações sociais foi o Auxílio Brasil, que tem seus méritos, mas é uma mudança apressada do Bolsa Família, programa bem avaliado. Melhor seria duplicar seu orçamento (para R$ 70 bilhões ao ano), cortando gastos não prioritários. Mas, ao que parece, a mobilização em torno do essencial não é a mesma em tempos menos atípicos. 

A lógica da Constituição de 1988, com o chamado Plano Plurianual (PPA), foi maltratada com o tempo.

A solução é modernizar o orçamento público. Concretamente, conceber um plano de médio prazo a partir de cenários econômicos que esbocem o quadro orçamentário prospectivo.

É o que defende há anos o economista Hélio Tollini, especialista no tema. 

Se o gasto obrigatório só muda em prazo superior a um ano (em razão da rigidez), não faz sentido uma política fiscal anual. É um modus operandi obsoleto. A Lei Orçamentária tem de ser o locus da discussão das prioridades de políticas públicas. O PPA não pode ser independente, ligado ao Orçamento apenas por burocratismos. 

Maílson da Nóbrega costuma explicar que o País evoluiu nessa matéria. De fato, nos anos 1980, havia dois orçamentos: o monetário e o geral. O primeiro era o “balanço consolidado” do Banco do Brasil e do Banco Central, que comandavam subsídios e uma série de gastos gestados no Conselho Monetário Nacional. Até uma parte do financiamento da Ponte Rio-Niterói estava ali. O segundo era para inglês ver. 

Entre outros avanços, a transparência aumentou, a Lei de Responsabilidade Fiscal fixou diretrizes importantes, o Tesouro Nacional passou a comandar a emissão da dívida pública e o Plano Real, ao debelar a hiperinflação, conferiu realismo ao orçamento geral. Mas, nas democracias consolidadas, os avanços são incrementais e os retrocessos, por vezes, abruptos. O caso das emendas de relator-geral do Orçamento convida à discussão técnica e ampla. É grave. 

O assunto da reforma fiscal é para 2023, por razões óbvias, mas precisa ser pensado desde já. O desafio da reconstrução e da modernização do Orçamento demandará rapidez e acurácia. As soluções deveriam ser forjadas à luz das perguntas de Dom Hélder Câmara e da sua indignação. Também pelo senso prático da doutora Zilda Arns. Mãos à obra. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço Aberto/Opinião – Terça-feira, 7 de dezembro de 2021 – Pág. A4 – Internet: clique aqui (Acesso em: 14/12/2021).

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