O Brasil na contramão do mundo

 Amazônia registra recorde de desmate para o mês de outubro

 André Borges e Emílio Sant’Anna

Jornalistas 

Perda vegetal na Amazônia paraense: especialistas defendem desmatamento zero.  Foto: REUTERS/Amanda Perobelli

Dado de órgão federal é divulgado durante a conferência ambiental em Glasgow, onde a gestão Bolsonaro tenta reverter a imagem de governo pouco alinhado com a agenda contra as mudanças climáticas

Na contramão do discurso pró-ambiente adotado na Cúpula do Clima (COP-26), em Glasgow, o Brasil continua a registrar recordes em seus índices de desmatamento na Amazônia. Foi o que ocorreu no mês passado [outubro/2021]. Dados divulgados nesta sexta-feira, 12 novembro, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério de Ciência e Tecnologia, apontam que a área de alertas de desmatamento de outubro foi a maior para o mês nos últimos sete anos. A conservação do bioma foi destaque na abertura da conferência na Escócia e é considerada chave para evitar uma catástrofe climática. 

Ao todo, foram 877 quilômetros quadrados de devastação da floresta na Amazônia, um aumento de 5% em relação a outubro de 2020 e o maior índice no mês em toda a série histórica do Deter”, sistema de alertas do Inpe, iniciado em 2016. O governo Jair Bolsonaro ainda não divulgou os dados consolidados do desmatamento neste ano – o sistema Prodes –, que também é medido pelo Inpe, de agosto de um ano a julho do ano seguinte. Tradicionalmente, essa informação é tornada pública no começo de novembro. 

Acordos 

Na COP, o Brasil assinou acordos multilaterais contra a devastação da floresta, prometeu zerar o desmate ilegal até 2028 e reduzir as emissões de metano. Na prática, porém, os dados mostram uma realidade diferente.

“As emissões acontecem no chão da floresta, não nas plenárias de Glasgow. E o chão da floresta está nos dizendo que este governo não tem a menor intenção de cumprir os compromissos que assinou na COP-26”,

diz Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima. 

Relatório divulgado por um grupo de cerca de 200 cientistas mostra que...

... a Amazônia está perto de um ponto irreversível e perde, em ritmo acelerado, sua capacidade de regeneração.

Os pesquisadores, que lançaram o documento na Cúpula do Clima, alertam que o bioma pode se tornar deserto se não foram tomadas medidas efetivas. 

Devastação em área de transição entre a Amazônia e o Cerrado, em Mato Grosso. Foto: Amanda Perobelli/Reuters - 28/07/21

“O dado do Deter é um lembrete de que o Brasil que circula pelos corredores e pelas salas da COP, em Glasgow, é o mesmo onde grileiros, madeireiros ilegais e garimpeiros têm licença do governo para destruir a floresta”, afirma ele. Os alertas de desmatamento em outubro se concentraram nos Estados do Pará 501 km² (57% do total), Amazonas 116 km² (13% do total) e Mato Grosso 105 km² (12% do total). 

A diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar, chama a atenção para o fato de que o País seguiu com o mesmo patamar alto de desmatamento na Amazônia em outubro, apesar de haver mais chuvas do que era esperado na região, por causa do fenômeno La Niña. “Nas últimas duas semanas, vimos o governo brasileiro dizer na COP-26 que tem o desmatamento sob controle. Mas o Brasil real é o que os satélites mostram. Para cumprir as promessas feitas na Conferência do Clima, o governo precisa fazer mais do que fala. É possível mudar o quadro, mas é preciso agir imediatamente.” 

Gráfico mostra desmatamento nos meses de outubro / Reprodução/Imazon

Estimativas do Observatório do Clima apontam que...

... a maior parte (46%) dos gases estufa emitidos pelo Brasil são provenientes do desmatamento.

Os dados de 2020 mostram que o Brasil continua, desde 2010, a ampliar suas emissões. No ano passado, em plena pandemia, o aumento das emissões de gases de efeito estufa no Brasil foi de 9,5%; no restante do mundo, houve redução de cerca de 7%. 

“Enquanto o governo federal tenta vender o Brasil como potência verde na COP, a verdade é que o desmatamento em outubro bateu mais um recorde e vem sendo impulsionado pela política antiambiental do presidente, do Ministério do Meio Ambiente, com apoio de parte do Congresso”, diz Rômulo Batista, porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace.

“Assinar ou endossar os diferentes planos e acordos não muda a realidade do chão da floresta, o desmatamento e queimadas continuam fora de controle e a violência contra os povos indígenas e população tradicional só aumenta.”

Procurado, o governo Jair Bolsonaro não se manifestou sobre os dados.

[...] 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Cúpula do Clima / Ameaça ao verde – Sábado, 13 de novembro de 2021 – Pág. A26 – Internet: clique aqui (Acesso em: 06/12/2021). 

Amazônia está perto de ponto irreversível e pode virar deserto, dizem cientistas

 Roberta Jansen

Jornalista – Rio de Janeiro 

No ano passado (2020), em plena pandemia, o aumento das emissões de gases de efeito estufa no Brasil foi de 9,5%; no restante do mundo, houve redução de cerca de 7%

Reunidos na COP-26, especialistas alertam que desmatamento, queimadas e mudanças climáticas tornarão inviável a regeneração da mata

O desmatamento, as queimadas e as mudanças climáticas deixam a Amazônia cada vez mais perto de um ponto irreversível, a partir do qual a regeneração da floresta se tornará inviável, e a área tenderá a se transformar num grande deserto. A desertificação da floresta terá impactos “catastróficos” para o clima do planeta. O alerta foi feito nesta sexta-feira, 12, na COP-26, em Glasgow, na Escócia, pelo Painel Científico para a Amazônia. 

As análises fazem parte do primeiro relatório do painel, que reúne 200 cientistas - a maioria deles de países amazônicos Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. O documento ressalta a importância da ciência para a tomada de decisões na região. Também encoraja a inovação tecnológica e as soluções baseadas na natureza, juntamente com as soluções sustentadas pelo conhecimento tradicional de indígenas e populações ribeirinhas. Para evitar a catástrofe iminente, ...

... o relatório recomenda a suspensão imediata do desmatamento nas áreas mais degradadas.

Seria um plano escalonado para atingir o desmatamento zero até o fim desta década e um novo modelo econômico para a região. 

“O atual modelo de desenvolvimento está alimentando o desmatamento e a perda de biodiversidade, levando à devastação e mudanças irreversíveis”, afirmou o climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, e um dos coordenadores do painel.

“Para que a Amazônia sobreviva, precisamos mostrar como ela pode ser transformada de forma a gerar benefícios econômicos e ambientais como resultado de uma colaboração entre cientistas, povos indígenas, comunidades locais, setor privado e governos.”

 Pelo menos 17% da floresta já foram totalmente destruídos e outros 17% são compostos de áreas já degradadas.

Especialistas estimam que 366,3 mil quilômetros quadrados de mata foram desmatados entre 1995 e 2017. A cada ano, apontam, centenas de milhares de hectares são queimados para abrir espaço para a agricultura, a pecuária e o garimpo.

[...]

A floresta amazônica é um dos elementos mais importantes do sistema climático da Terra. A mata exerce um papel crucial nos ciclos globais da água e na regulação da variabilidade climática.  Um volume significativo de água evaporada pela floresta vai para sul por meio dos chamados “rios voadores”. É uma das principais fontes de água a alimentar outros ecossistemas e cultivos agrícolas do Centro-Oeste e do Sudeste do País.

Além disso, a Bacia Amazônica é fonte de 16% a 22% de toda a água lançada anualmente nos oceanos.

Cerca de 47 milhões de pessoas vivem na região amazônica. Entre elas, estão 2,2 milhões de indígenas distribuídos em mais de 400 grupos, falantes de 300 línguas diferentes. Segundo o relatório, os indígenas são cruciais para a conservação e para o desenvolvimento sustentável da floresta e sua biodiversidade. No entanto, alerta, estão sob ameaça. O documento diz que parte das populações perderam direitos nos últimos anos.

[...] 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Sustentabilidade – Sábado, 13 de novembro de 2021 – Pág. A26 – Internet: clique aqui (Acesso em: 06/12/2021).

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