Que futuro tem um país assim?

 Uma tragédia anunciada na Educação

 Editorial

Jornal «O Estado de S. Paulo» 

Número de crianças fora da escola sobe 171,1% em dois anos e revela consequências da forma desastrosa como o governo lidou com a pandemia

A pandemia de covid-19 está longe de ser uma tragédia superada, mas é inegável que o avanço da vacinação no Brasil tem diminuído as infecções e o número de mortes. Nada trará de volta as mais de 615 mil vítimas do novo coronavírus. O luto das famílias deve ser respeitado e o surgimento de novas variantes deve manter todos em alerta. Ao mesmo tempo, o País precisa voltar os olhos para o futuro antes que o retrocesso promovido pelo desgoverno nos últimos três anos seja irreversível. É urgente, portanto, conter o avanço da evasão escolar. 

A partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, o movimento Todos pela Educação conseguiu traduzir em números uma catástrofe mais do que anunciada.

Cerca de 244 mil crianças e adolescentes com idade entre 6 e 14 anos estavam fora da escola no segundo trimestre deste ano, um crescimento de 171,1% em relação ao mesmo período de 2019.

Isso significa que 1% deles não estava matriculado em nenhuma instituição, ante 0,3% em 2019. É a maior taxa dos últimos seis anos. No Ensino Fundamental ou Médio, a taxa de atendimento dos estudantes recuou de 98% em 2019 para 96,2% neste ano, a pior desde 2012.

Mesmo com o retorno presencial das aulas em todo o País, a expectativa para os últimos meses deste ano não é de melhora. O líder de Políticas Educacionais do Todos pela Educação, Gabriel Corrêa, explicou ao Estado que...

... o fechamento prolongado das escolas criou um preocupante desengajamento, principalmente entre os alunos mais pobres.

O resultado dessa mazela social é evidente. Basta frequentar as ruas para perceber onde estão essas crianças: trabalhando para tentar ajudar suas famílias a trazer comida para dentro de suas casas. Na Bahia, por exemplo, a quantidade de pedidos para estudar à noite disparou, já que os interessados assumiram outras atividades econômicas durante o dia. 

A evolução do porcentual de jovens fora da escola escancara a marca de irresponsabilidade do governo Jair Bolsonaro.

A evasão, que caiu ano a ano entre 2012 e 2019, subiu de forma consistente nos últimos três anos.

Há também muitas crianças atrasadas na trajetória de ensino. Mais de 700 mil daquelas com idade entre 6 e 14 anos estão matriculadas na pré-escola, etapa voltada para aquelas entre 4 e 5 anos. 

A deseducação cobra seu preço! 

O Banco Mundial já havia alertado, em março deste ano, para o grave quadro educacional que se desenhava na América Latina e no Caribe. A instituição financeira estimava que o abandono escolar poderia aumentar 15% na pandemia e que a região teria a segunda maior alta mundial absoluta de pobreza de aprendizagem – na época, um em cada dois alunos já era incapaz de ler e compreender um texto simples ao fim do Ensino Fundamental.

O custo econômico agregado das perdas em capital humano e produtividade somaria US$ 1,7 trilhão, conforme o banco.

No Brasil, porém, o governo fez ouvidos moucos às previsões e continua a ignorar indicadores que apenas confirmam essa calamidade. A única preocupação do presidente Jair Bolsonaro na área de Educação era excluir do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) questões não alinhadas à pauta conservadora e promover um revisionismo histórico por meio do qual o golpe militar de 1964 seria tratado como revolução. Enquanto isso, o exame, que completou 23 anos e é a principal porta de entrada de universidades públicas, teve o menor número de inscritos desde 2005. 

Depois de:

* três péssimos ministros,

* cortes em verbas para bolsas e

* demissões coletivas em órgãos vinculados à pasta, a dúvida que remanesce é quando a crise na Educação brasileira encontrará o fundo do poço, de forma que o estrago possa finalmente começar a ser revertido. 

É mais do que necessária uma articulação entre União, Estados e municípios para promover a busca ativa dos estudantes e trazê-los de volta para a sala de aula, tarefa que hoje tem sido desempenhada apenas por professores e diretores. É algo desafiador e que, no caso das crianças carentes, passa pelo básico: oferecer refeições àquelas que têm fome. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Notas & Informações – Domingo, 12 de dezembro de 2021 – Pág. A3 – Internet: clique aqui (Acesso em: 15/12/2021).

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