É para ontem!
COP-26: o planeta pede socorro
Dom Odilo Pedro Scherer
Cardeal-Arcebispo de São Paulo – SP
Para Papa Francisco é hora de mostrar se há
vontade política para destinar mais recursos para mitigar os efeitos das
mudanças climáticas e ajudar os mais pobres
É muito sério o problema das mudanças climáticas, posto em debate na Conferência de Glasgow. O que está em jogo é o futuro da vida em nosso planeta azul. Órgãos de governo, empresas, cientistas, pesquisadores e especialistas no tema debateram e compartilharam preocupações e ideias para estabelecer metas e determinar medidas concretas para frear a degradação das condições de vida na Terra.
Também a Igreja Católica compartilha essa preocupação e
participa do esforço para cuidar do ambiente da vida. Não é de hoje que ela ensina o
respeito à NATUREZA, que não é vista apenas como algo a ser desfrutado para o
desenvolvimento humano: ela é obra de Deus Criador e manifestação de sua
providência para com o ser humano e todas as criaturas.
Cabe ao homem cuidar e administrar este “jardim”, em benefício de
todos.
Embora isso já estivesse presente no ensinamento cristão
tradicional, a palavra mais explícita da Igreja sobre as questões ambientais é
mais recente, como também acontece no âmbito geral da cultura. Contudo,
lembro-me bem de uma chamada do padre de minha comunidade de origem, no Paraná,
nos anos 1950, advertindo contra o desmatamento indiscriminado e a erosão das
terras: “A terra está ferida e a água vermelha dos córregos e rios é seu
sangue que escorre”, dizia ele. Papa Bento XVI lançando a
encíclica Caritas in veritate
O papa Bento XVI, na encíclica Caritas in veritate (2009), ao tratar do desenvolvimento humano integral, recordou que a natureza nos precede, tendo-nos sido dada por Deus como precioso ambiente da vida. Ela nos fala do Criador e do seu amor pela humanidade. A natureza está à disposição do homem, mas não para qualquer intervenção e uso. Nela, o Criador imprimiu ordenamentos intrínsecos, que o homem deve conhecer e respeitar (cf. n.º 48). O homem pode servir-se responsavelmente da natureza para viver, mas precisa respeitar os equilíbrios intrínsecos da mesma natureza.
No mesmo documento, o papa Ratzinger tratou das implicações
éticas e morais da conduta humana em relação à natureza. A questão não pode
ser abordada apenas do ponto de vista técnico e econômico, pois também está
associada aos deveres que nascem da relação do homem com o ambiente e com as
demais pessoas.
Essa relação envolve a nossa responsabilidade para com a humanidade
inteira, sem esquecer os pobres e as gerações futuras.
Sem esse discernimento, a natureza acaba sendo um tabu intocável ou, ao contrário, uma reserva da qual o homem vai se apossando até o exaurimento. Nem uma nem outra dessas atitudes corresponde à visão cristã sobre a natureza.
Em 2015, o papa Francisco publicou
a encíclica Laudato sì – sobre o cuidado da casa comum, dedicada
inteiramente à ecologia integral, com alguns conceitos novos e
incisivos.
Nas questões ambientais, tudo está interligado: o ambiente da vida,
a pessoa humana e os demais seres, as questões econômicas, a justiça social e a
paz.
Não se pode tratar de uma delas sem levar em conta as demais
dimensões deste conjunto de relações de uma ecologia integral. Também é bem
ilustrativa a imagem da casa comum, usada pelo papa na encíclica: nosso
planeta é a casa comum da inteira família humana. Descuidar ou pôr em risco
a segurança desta casa é uma ameaça para a existência da própria humanidade. E
o cuidado desta casa é uma responsabilidade de todos os seus habitantes.
Ninguém está dispensado de fazer a sua parte. PAPA FRANCISCO lança a famosa encíclica Lautato sì - sobre o cuidado da casa comum
Francisco propõe uma verdadeira “conversão ecológica”, que leve
a...
... mudanças de atitudes, padrões de vida, de modelos de
desenvolvimento econômico e cultural e de formas de fazer política.
Os padrões insustentáveis de produção e consumo, fora de controle, da sociedade global, levam à degradação das relações humanas e do planeta. Somente uma nova consciência ambiental e solidária será capaz de evitar o pior e de cuidar bem da Terra, preservar os recursos naturais e garantir o desenvolvimento humano sustentável, com justiça social, paz e esperança na nossa casa comum.
No dia 31 de outubro passado, Francisco conclamou os líderes mundiais a ouvirem “o grito da Terra e dos pobres”, pedindo que a Conferência de Glasgow forneça respostas eficazes para as graves questões climáticas globais e esperança concreta para as gerações futuras. Na mensagem enviada ao presidente da COP-26, Alok Sharma, o papa escreveu que é hora de mostrar se realmente existe vontade política para destinar, com honestidade, responsabilidade e coragem, mais recursos para mitigar os efeitos negativos das mudanças climáticas e para ajudar as populações mais pobres e vulneráveis, que são as que mais sofrem com os efeitos dessas mudanças.
Na sua intervenção na Conferência de Glasgow, o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado da Santa
Sé, insistiu: os Acordos de Paris podem parecer ambiciosos, mas são
inadiáveis. E desafiou os países mais capazes e ricos a liderarem uma
finança e uma economia descarbonizadas.
Trata-se de uma mudança de época e de um desafio civilizatório, que
requer o esforço de todos. Também dos cidadãos comuns.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço Aberto – Sábado, 13 de novembro de 2021 – Pág. A8 – Internet: clique aqui (Acesso em: 06/12/2021).
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