«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Missa da Noite de Natal – HOMILIA

 Evangelho: Lucas 2,1-14

 Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

Deus se humaniza para salvar a todos

Enquanto o poder diviniza a si mesmo para dominar melhor os seres humanos, Deus se humaniza para salvá-los. Esta é a mensagem da véspera de Natal que a Igreja escolheu com o Evangelho de Lucas, capítulo 2, o nascimento de Jesus. 

Lucas 2,1-3:** «Naqueles dias foi publicado um decreto do imperador Augusto ordenando o recenseamento do mundo inteiro. Esse primeiro recenseamento aconteceu quando Quirino era governador da Síria. Todos iam registrar-se, cada um em sua própria cidade.»

“César Augusto” é Otaviano, o primeiro que assumir como subtítulo “Augusto”, isto é, “digno de veneração”.

É o poder que se diviniza.

Por “terra” entendemos toda a terra habitada, ou seja, o império. Portanto, é o poder que se diviniza para melhor dominar as pessoas e, acima de tudo, para subjugá-las e arrecadar impostos. Porque o censo, na época, servia para isso, para o pagamento de todos os impostos.

E o evangelista também nos dá algumas indicações a respeito desse censo, mas o que o evangelista quer transmitir não é tanto um relato histórico, quanto teológico. O censo, na Bíblia, sempre foi visto como um ataque a Deus, pois Deus era o Senhor da terra e dos homens. Então aqui há uma usurpação e o movimento dos zelotes nasceu como uma resistência, como um protesto contra essas formas de censo. 

Lucas 2,4-5: «Também José – que era da casa e da linhagem de Davi – subiu da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de Davi, chamada Belém, para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida.»

Aqui, está uma surpresa, pois o evangelista escreve: “à cidade de Davi, chamada Belém”. Contudo, na Bíblia, a cidade de Davi sempre foi Jerusalém, a capital onde este rei começou sua monarquia, seu reino. Bem, o evangelista não concorda, a cidade de Davi é Belém.

Em Belém Davi era pastor, em Jerusalém ele era rei;

... o evangelista quer deixar claro que aquele que está para nascer não terá as características de um rei, mas as de um pastor.

Lucas escreve: “para registrar-se com Maria, sua noiva” [literalmente em grego: tē emnēsteumenē = aquela que lhe era prometida], e aqui é surpreendente encontrar esta expressão. O matrimônio judeu era realizado em duas etapas: a primeira, o noivado, e a segunda, as núpcias.

Bem, aqui está um casal que permaneceu na primeira fase do casamento: o noivado. Este termo “noiva” suscitou grande escândalo na comunidade cristã primitiva, por isso, no século IV, foi substituído pelo mais adequado “esposa”, porque, de outra forma, parecia um casal irregular, que não tinha progredido para a segunda etapa do matrimônio. 

Lucas 2,6: «Quando estavam ali, completaram-se os dias de ela dar à luz.»

Existem algumas tradições, lindas, românticas, sentimentais sobre o Natal, que, porém, correm o risco de distorcer a mensagem do evangelista. Não é que quando chegaram a Belém se completaram os dias do parto, mas, escreve o evangelista “enquanto estavam naquele lugar”. A viagem de Nazaré a Belém era feita a pé, enfim, uma mulher nos últimos meses de gravidez, certamente, não poderia fazer aquele caminho. 

Lucas 2,7: «Ela deu à luz o seu filho, o primogênito, envolveu-o em faixas e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.»

Então, eles chegaram quando Maria ainda tinha condições de realizar toda aquela viagem. Por que o evangelista escreveu que este filho é o “primogênito”? Isso significa que, depois, há outros filhos? Não. É que “primogênito” é o filho do sexo masculino nascido primeiro, o qual deve ser consagrado – de acordo com o que o livro de Êxodo no capítulo 13, versículo 2 prescreve – ao Senhor. Portanto, Jesus será sagrado para o Senhor.

Envolveu-o em faixas: os detalhes dos panos são uma referência ao livro da Sabedoria para indicar que Jesus nasceu como todos os outros. De fato, no livro da Sabedoria lemos que: “Envolto em faixas, fui criado entre cuidados; nenhum rei começou a existência de outra maneira. Para todos é uma só a entrada na vida, e uma só a saída” (7,4-6). Então Jesus nasceu como todas as outras crianças.

E deitou-o numa manjedoura, mesmo a manjedoura é uma lembrança do profeta Isaías, onde ele diz que: “O boi conhece o seu dono, e o burro, o cocho (= manjedoura) de seu senhor; mas Israel não conhece, o meu povo não entende!” (1,3). Por meio dessas referências, o evangelista quer deixar claro que Jesus, como escreve João em seu prólogo, veio entre os seus, mas os seus não o aceitaram, não o reconheceram.

Porque não havia lugar para eles...”. No passado, a tradução incorreta da palavra grega por “hospedaria” deu origem à história desse casal que não conseguia encontrar um lugar. Não havia espaço no alojamento. A habitação palestina normalmente é feita assim: há uma parte esculpida na rocha, que é a parte mais saudável, segura e limpa, onde os alimentos são armazenados – e onde fica a manjedoura – em seguida, uma parte em alvenaria, uma única sala, onde toda a vida da família acontece.

Portanto, nessa sala única, se cozinha, se dorme e se come. Quando uma mulher dá à luz, de acordo com o livro de Levítico [12,1-8], ela é impura, então tudo que ela toca, ou as pessoas de quem ela se aproxima, tornam-se impuras e não podem estar ali. É por isso que não há lugar para ela lá no alojamento [= na sala única da casa] e ela tem que ir para o interior da residência, onde está a manjedoura. 

Lucas 2,8: «Na região, havia pastores que passavam a noite no campo, tomando conta do rebanho.»

Quando o evangelista nos apresenta aos pastores, ele não tem a intenção de retratar os belos personagens de nosso presépio. Naquela época, o Talmud prescrevia que nenhuma condição no mundo era mais desprezada como a do pastor. Os pastores, longe da sociedade civil, não eram pagos, viviam de furtos, não tinham direitos civis. Não podendo ir à sinagoga ou ao Templo para se purificarem, eram o emblema, a imagem do pecador impuro. Para eles não havia salvação. 

Lucas 2,9a: «Um anjo do Senhor apresentou-se a eles e a glória do Senhor os envolveu de luz.»

Desse modo, quando o Messias viesse, esses pastores, junto com os cobradores de impostos, seriam os primeiros da lista a serem eliminados. O evangelista escreve: Um anjo do Senhor. Pois bem, é a terceira vez que esse personagem aparece. Por “anjo do Senhor” nunca queremos dizer um anjo enviado pelo Senhor, mas é o próprio Deus quando se comunica com os homens. Portanto, a fórmula “anjo do Senhor”, tanto no Antigo como no Novo Testamento, sempre indica o Senhor quando ele se relaciona com os seres humanos.

É a terceira vez que o “anjo do Senhor” aparece, e sempre em relação à VIDA. A primeira vez, para anunciar a vida de João a seu pai, a Zacarias; a segunda, para anunciar a vida de Jesus a Maria e, agora, o Salvador aos pastores.

Apresentou-se a eles.” Este anjo do Senhor era representado, no Antigo Testamento, com uma espada desembainhada, pronta para punir os pecadores. Bem, quando Deus se apresenta diante dos pecadores, não os ameaça, não os castiga, não os abate, mas – e aqui estão as notícias, as Boas Novas de Jesus – “A glória do Senhor os envolveu de luz”. 

Lucas 2,9b-10: «Eles ficaram tomados de grande temor. O anjo então lhes disse: “Não temais! Eu vos anuncio uma grande alegria, que será também a de todo o povo...”»

Lucas desmente toda a teologia pré-existente de um Deus que julga, ameaça ou pune. Quando Deus encontra os pecadores, ele não faz nada além de envolvê-los com sua luz, a luz de seu amor. Mas os pastores não sabem disso e, de fato, o evangelista escreve que “ficaram tomados de grande temor”, porque sabiam o que os esperava. Porém, o anjo os tranquiliza mencionando-lhes a grande alegria da Boa Nova que afasta o grande medo. 

Lucas 2,11-14: «... hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós o Salvador, que é o Cristo Senhor! E isto vos servirá de sinal: encontrareis um recém-nascido envolto em faixas e deitado numa manjedoura”. De repente juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste louvando a Deus e dizendo: “Glória a Deus no mais alto dos céus, e na terra, paz a todos por ele amados!”»

E qual é a grande alegria? Quem nasceu? O carrasco, o messias castigador? Não, “o Salvador”. Jesus não será um juiz, mas será um Salvador. No final desse diálogo se dá a manifestação visível de Deus que está longe nos céus, e que na terra haja paz, ou seja, felicidade. Mas para quem?

A tradução errada, no passado, dizia: “para homens de boa vontade”. Era, portanto, uma tradução que se baseava no mérito: quem merecesse receberia, quem não merecesse não receberia. Não, o amor de Deus, que se manifesta no desejo de que os homens sejam plenamente felizes, diz respeito a toda a humanidade, porque todo ser humano é amado pelo Senhor.

Não há ser humano – esta é a mensagem - qualquer que seja a sua condição, o seu comportamento, que possa se sentir excluído do amor de Deus.

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 3. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2019.

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

“A glória de Deus é a vida do homem e a vida do homem é a visão de Deus” (Santo Irineu, Adv. Haer. IV, 20, 7).

Tanto o nascimento quanto a morte de Jesus de Nazaré são desconcertantes para o sistema de poder e para o sistema religioso da época de Cristo! Ele é morto como um subversivo, um agitador que deseja lançar o povo contra César, contra o império, desaconselhando o pagamento de impostos e desejando ser rei, por exemplo (cf. Lc 23,2). Ele nasce Senhor (grego: Kyrios) e Salvador (grego: Sōtēr), contrapondo-se ao imperador romano (Lc 2,11), a Augusto César, a quem cabiam esses títulos! 

Como frei Maggi destacou, logo no início de seu comentário, enquanto o poder humano quer se fazer passar por divino, a fim de melhor dominar e oprimir os seres humanos; Deus se faz ser humano, se humaniza, justamente para salvar esse ser humano dominado! Jesus nasce, segundo a teologia de Lucas, envolvido no plano de espoliação tributária do Império Romano. Por isso, ele nasce na periferia, entre os mais periféricos dos periféricos (os pastores), desapercebido, desacolhido por aqueles que, de direito e por saber, deveriam ser os primeiros a saudá-lo: as lideranças religiosas dos judeus. 

Não por acaso, Jesus ficará contente em perceber que são os pequenos, os fracos, os humildes, aqueles que ninguém dá valor, os primeiros a dar ouvidos, de verdade, à sua mensagem:

“Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos” (Mt 11,25).

Jesus nasce como toda e qualquer criança (= envolvido em faixas), justamente, para valorizar, tornar digna a vida de todo ser humano na face desta Terra! Não há quem esteja fora do alcance da vontade humanizadora, portanto, salvadora de Jesus Cristo! Em João 6,39, Jesus deixa claro isso:

“E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum daqueles que ele me deu, mas o ressuscite no último dia.”

Concluo com estas sábias e perspicazes palavras do teólogo espanhol José María Castillo:

«Não é a história dos vencedores que começa em Belém. Foi em uma aldeia da Galileia, em Nazaré, da qual “nada de bom poderia sair” (Jo 1,46), daí veio a solução que nossos desejos de poder e de dominação imperial precisam. Não seguimos Augusto, mas Jesus.»

 Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«É NATAL...

TEMPO PARA...

Esperançar!

“É preciso ter esperança,

mas ter esperança do verbo esperançar;

porque tem gente que tem esperança do verbo esperar.

E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera.

Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás,

esperançar é construir, esperançar é não desistir!

Esperançar é levar adiante,

esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo…

Esperançar é a capacidade de olhar e reagir àquilo que parece

não ter saída.”

(Paulo Freire, Pedagogia da Esperança, 1992)

Jesus vem esperançar a humanidade!

Jesus é a esperança da humanidade abatida pela:

pandemia,

pela pobreza,

pela miséria,

pela fome,

pela desigualdade,

pela falta de oportunidades e trabalho!

Não espere! Esperance o mundo!

Só, assim, será Natal!»

(Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo – Diocese de Jales – SP)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – Notte di Natale – 24 dicembre 2009 – Internet: clique aqui (acesso em: 17/12/2021).

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