Solenidade da Santa Mãe de Deus – 01/01/2022 – HOMILIA

 Evangelho: Lucas 2,16-21

 Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

Acolher a novidade, eis o desafio!

O primeiro dia do novo ano se abre com um desejo, com uma BOA NOTÍCIA. E que notícia é essa, aquela que o evangelista Lucas nos traz? Que aqueles que a religião tratava e considerava como os mais distantes de Deus, na verdade, para Jesus, são os mais próximos do Senhor. Vamos ouvir o que o evangelista nos escreve no capítulo 2 de seu Evangelho, nos versículos 16 a 21. 

Para entender o que o evangelista está nos dizendo, precisamos dar um passo atrás e falarmos dos pastores. Os pastores eram considerados pessoas impuras por sua atividade, eram considerados marginalizados, eram excluídos como pecadores da religião, porque viviam de um modo fora da lei, eles certamente não poderiam participar das funções do templo ou da sinagoga. Acreditava-se que, quando o messias chegasse, ele os castigaria, ele os puniria. Pois bem, quando o Anjo do Senhor, que é o próprio Deus, entra em contato com os pastores, não os incinera na sua ira, mas os envolve com a sua luz, isto é, com o seu amor.

O evangelista refuta a doutrina tradicional de um Deus que recompensa os bons e pune os maus.

Quando Deus se encontra com os pecadores, não os repreende, não os castiga, não os pune, mas os envolve com o seu amor, este é o fato que precede esta cena. 

Lucas 2,16:** «Naquele tempo: Os pastores foram às pressas a Belém e encontraram Maria e José, e o recém-nascido, deitado na manjedoura.»

O filho de Deus, que lhes foi anunciado, não nasceu em palácio, nem mesmo em um templo, mas na condição que eles conhecem. Na realidade deles! 

Lucas 2,17-18: « Tendo-o visto, contaram o que lhes fora dito sobre o menino. E todos os que ouviram os pastores ficaram maravilhados com aquilo que contavam.»

O que o Anjo do Senhor lhes disse? O anjo do Senhor comunicou-lhes uma grande alegria pelo nascimento do salvador, portanto não a chegada do carrasco, daquele que recompensava os bons e punia os maus, mas do SALVADOR, e esta boa notícia seria para todas as pessoas. É estranho que, por parte de quem escuta, não haja reação de alegria a esta notícia, apenas perplexidade. Lucas escreve: «Todos os que ouviram ficaram maravilhados», isto é, ficam desconcertados, há algo errado, porque, na doutrina tradicional, Deus castiga os pecadores. Como essas pessoas (os pastores), que são pecadoras, impuras, dizem que Deus as rodeou, envolveu-as em seu amor? Então, eles ficam chocados com as coisas que os pastores lhes dizem. O que a religião lhes ensinava sobre Deus desaba:

... é a novidade, é o escândalo da MISERICÓRDIA, que será o fio condutor de todo o Evangelho de Lucas.

Lucas 2,19: «Quanto a Maria, guardava todos estes fatos e meditava sobre eles em seu coração.»

Até Maria ficou maravilhada, ficou desconcertada com essa novidade. Por isso, o evangelista diz que ela «examinava tudo em seu coração», interpretando-as, esse verbo usado pelo evangelista indica procurar o verdadeiro sentido de algo. Maria também fica perplexa com essa novidade, porque não corresponde ao que a religião sempre ensinou, mas ela não a rejeita, começa a pensar sobre isso, começa a refletir sobre isso. E o evangelista inicia a destacar o grande crescimento de Maria, que a levará até a cruz de seu filho.

Maria é grande não tanto por ter dado à luz Jesus, por ser sua mãe, mas por ter tido a coragem de segui-lo e tornar-se sua discípula.

Lucas 2,20: «Os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo que tinham visto e ouvido, conforme lhes tinha sido dito.»

Para entender o que o evangelista, agora, está nos dizendo, que é clamoroso, extraordinário, sensacional, precisamos nos referir à cultura da época. Onde, em um livro, o primeiro livro de Enoque, Deus é apresentado no alto dos céus, separado dos homens, ao redor do qual encontram-se sete anjos, chamados de anjos do serviço. O que esses sete anjos privilegiados, que estão mais próximos de Deus, estão fazendo? Eles têm o privilégio de, continuamente, glorificar e louvar a Deus. Bem, o evangelista nos diz que os pastores «voltaram, glorificando e louvando a Deus». Aqueles que a religião e a sociedade consideravam os mais distantes, os mais excluídos de Deus, uma vez que experimentaram o amor de Deus, são os mais próximos de Deus, assim como os sete anjos do serviço, «por tudo que tinham visto e ouvido, conforme lhes tinha sido dito». 

Lucas 2,21: «Quando se completaram os oito dias para a circuncisão do menino, deram-lhe o nome de Jesus, como fora chamado pelo anjo antes de ser concebido.»

Mas este projeto divino encontra a resistência dos seres humanos: a novidade trazida por Jesus dificilmente será aceita. A seguir, o evangelista escreve-nos que Maria e José vão circuncidar Jesus. Pretendem fazer daquele que foi anunciado como filho do Altíssimo, um filho de Abraão! Portanto, ainda há o apego à lei, à tradição e o Espírito vai lutar para entrar, para fazer florescer uma nova mentalidade, mas certamente o conseguirá. Posteriormente, veremos como Jesus colocará esse casal de pais em crise, porque eles esperam que Jesus siga os passos dos genitores, ao invés disso, Jesus seguirá o Pai. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 2. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2016.

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

“Uma piedade mariana bem entendida não encerra ninguém no infantilismo, mas assegura em nossa vida de fé a presença enriquecedora do feminino. O próprio Deus quis encarnar-se no seio de uma mulher.” (José Antonio Pagola – biblista espanhol).

Maria, com o suceder dos acontecimentos, acabou se dando conta de uma verdade fundamental sobre Deus: Ele dá preferência aos frágeis, aos excluídos, aos rejeitados, aos abandonados, aos pobres deste mundo! Começou pelos pastores, em seu nascimento, como vimos hoje no Evangelho de Lucas, e prosseguiu até a cruz, com o perdão e promessa de salvação ao bandido crucificado ao seu lado (cf. Lc 23,42-43). 

A mãe de Jesus, logo, percebeu a presença da imensa MISERICÓRDIA divina, que nos desconcerta, que questiona a nossa teologia da retribuição: cada um receberá pelos seus méritos ou deméritos! Deus não é um gerente, um manager em busca de produtividade e de lucros por parte de seus subalternos, seus empregados! Ele não nos enxerga como réus em um tribunal, ele não nos trata segundo nossos pecados, mas é um Deus amoroso e terno, que deseja a salvação, a libertação e felicidade de todos, nesta Terra. 

Em Maria, nos damos conta de outra verdade fundamental: “o feminino é caminho para Deus e de Deus” (Leonardo Boff, teólogo e filósofo brasileiro). Como nos recorda, muito bem, José Antonio Pagola:

“A humanidade necessita, sempre, dessa riqueza que associamos ao feminino porque, ainda que também ocorra no varão, se condensa de modo especial na mulher: intimidade, acolhida, solicitude, carinho, ternura, entrega ao mistério, gestação, doação de vida”.

Mais do que nunca, a humanidade e nós brasileiros de modo especial, necessitamos recuperar essas qualidades em nossa vida pessoal! Fomos, nesses últimos anos:

* embrutecidos;

* insensibilizados, incapacitados de sermos empáticos;

* contaminados pelo ódio;

* dominados pelo preconceito, pelo egoísmo, pela aversão ao pobre;

* seduzidos pelo desprezo à mulher, ao indígena, àqueles de vida sexual diferente da nossa etc. 

A Igreja, neste início de Ano Novo, vem nos convidar a ver em Maria a Mãe de nossa fé e de nossa esperança, devido à:

* sua fidelidade e entrega à Palavra de Deus,

* sua identificação com os pequenos,

* sua adesão às opções de seu Filho Jesus,

* sua presença servidora na Igreja nascente e, acima de tudo,

* seu serviço de Mãe do Salvador. 

Com Maria e como Maria, teremos um autêntico NOVO ano!

Felicidades a todos e todas! 

Nossa missão para 2022: 

«Eu resisto,

Tu resistes,

Ela/Ele resiste,

Nós resistimos,

Vós resistis,

Elas/Eles resistem ! ! !

A QUÊ ? ? ?

A sermos como o mundo quer!

A sermos como os dominadores querem!

A sermos como os anticristos querem!

A sermos egoístas!

A sermos misóginos!

A sermos misândricas!

A sermos xenófobos!

A sermos nacionalistas!

A sermos violentos!

A sermos indiferentes!

A sermos incrementes!

A sermos negacionistas!

A sermos anticiência!

A sermos antivacinas!

A sermos anti-humanos!

A sermos antivida!

Eu esperanço,

Tu esperanças,

Ela/Ele esperança,

Nós esperançamos,

Vós esperançais,

Elas/Eles esperançam ! ! !

PARA QUÊ ? ? ?

Para que o mundo seja melhor!

Para que nosso país seja melhor!

Para que nós sejamos melhores!

Para que nossos filhos e filhas sejam melhores que nós!

Para que haja esperança para TUDO e para TODOS

em nosso PLANETA ! ! !»

(Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo – Diocese de Jales – SP)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – Maria Santissima Madre di Dio – 1 Gennaio 2017 – Internet: clique https://www.studibiblici.it/videoomelie15.html (acesso em: 30/12/2021).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A necessidade de dessacerdotalizar a Igreja Católica

Vocações na Igreja hoje

Eleva-se uma voz profética