O milagre do sal

As lições de um estudo sobre os
Pergaminhos do Mar Morto

Kátia Mello

Pesquisadores do MIT examinam o tesouro histórico e concluem que os antigos têm muito a ensinar sobre preservação de documentos
MANUSCRITOS DO MAR MORTO - QUMRAN
Museu do Livro - Israel

Quando um grupo de beduínos que vagava nas cercanias do Mar Morto [Israel] topou com rolos de papiro dentro de vasos de cerâmica guardados em cavernas, em 1947, deu-se um belo salto histórico: encontrara-se o mais antigo registro de que se tem notícia de textos bíblicos, escritos entre 150 a.C e 68 d.C. Ali se anunciava uma das mais relevantes descobertas arqueológicas do século XX, cujo conjunto se completaria seis anos mais tarde, formando uma coleção de 930 fragmentos que percorrem quase todo o Antigo Testamento. Pois a riqueza proporcionada pelos Pergaminhos do Mar Morto, como são conhecidos, não parou por aí. Na sexta-feira 6, a prestigiada revista Science Advances divulgou o resultado de uma pesquisa que mergulhou fundo no material exposto no Museu de Israel, em Jerusalém, para entender como sobreviveu ao tempo. É um trabalho vital. “Conhecer sua técnica de conservação pode ser determinante para preservar muitos documentos”, diz o professor André Chevitarese, do Instituto de História da UFRJ.

A empreitada de cavoucar os papiros atrás de sua composição foi liderada pelo professor de engenharia Admir Masic, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT. À base de raios X e infravermelhos, foi possível dissecar o Pergaminho do Templo, de um marfim brilhante que se destacava em meio aos outros e que, por isso, interessou tanto aos cientistas. “Este é provavelmente o mais bonito e bem preservado de todos”, observou Masic. Ele e os colegas desvendaram uma a uma as três camadas do manuscrito de 0,1 milímetro de espessura e 8 metros de comprimento:
a) À primeira, feita de pele de animais depois de extraídos pelos e gordura, em um processo semelhante ao da produção do couro,
b) segue-se uma cobertura de colágeno.
c) O segredo mesmo, constataram os especialistas, reside na derradeira camada. Uma mescla de sal em elevadas concentrações (curiosamente, não o do Mar Morto) com minerais como cálcio e enxofre ajudou a proteger o papiro, durante esses milhares de anos, da ação corrosiva de microrganismos que poderiam ter desintegrado o tecido.

Também ficou claro que a baixa umidade da região onde os pergaminhos repousavam contribuiu para sua sobrevivência.
Fragmento de um dos pergaminhos do Mar Morto:
uma eficaz mistura de minerais protegeu os documentos contra ações corrosivas

Sob constante ameaça de terem seu território invadido, os essênios, membros de uma seita judaica à qual é atribuída a autoria da coleção, miravam justamente a preservação de sua herança religiosa e cultural — no que foram muito bem-sucedidos. Eles seriam dizimados pelos romanos, mas antes distribuíram os manuscritos por onze cavernas em Qumran, na Cisjordânia. É interessante notar que a Bíblia hebraica, escrita 1000 anos depois (e até hoje usada), pouco difere de sua versão mais ancestral, achada naquelas grutas e que traz agora à humanidade conhecimento de suma importância para a civilização judaico-cristã.

Fonte: VEJA – Arqueologia – Edição 2652 – Ano 52 – nº 38 – 18 de setembro de 2019 – Pág. 91 – Internet: clique aqui.

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