Entrevista bombástica de Papa Francisco
Um Papa seduzido pela África!
Pelas crianças, pelos jovens,
pela vida
Vatican News
10-09-2019
A coletiva de
imprensa no voo de volta da África a Roma:
Francisco recorda a
alegria das crianças que encontrou e afirma que
o Estado tem o dever
de cuidar da família.
Ele diz que a
xenofobia é “uma doença” e pede para
preservar a
identidade dos povos das colonizações ideológicas.
Fala das críticas que
recebe e a uma pergunta sobre as
tentações cismáticas
responde:
“Rezo para que não
ocorram, mas não tenho medo”.
PAPA FRANCISCO Durante entrevista coletiva concedida a bordo do avião que o trazia de Madagascar a Roma Terça-feira, 10 de setembro de 2019 |
O Papa Francisco, duas horas e meia
depois da decolagem do voo Air Madagascar de Antananarivo a Roma,
encontrou-se com os jornalistas a bordo do voo papal e falou com eles durante
cerca de uma hora e meia respondendo às suas perguntas.
Eis a entrevista.
Julio Mateus Manjate (Notícias,
Moçambique)
Durante
a sua visita a Moçambique o senhor se encontrou com o Presidente da República e
com os dois presidentes dos dois partidos presentes no Parlamento. Gostaria de
saber quais são as suas expectativas para o processo de paz e que mensagem
gostaria de deixar a Moçambique. E dois breves comentários sobre dois
fenômenos: a xenofobia que existe em África e o impacto das redes sociais na
educação dos jovens.
Papa Francisco: O primeiro
ponto sobre o processo de paz. Hoje, se identifica Moçambique com um longo
processo de paz que teve os seus altos e baixos, mas no final conseguiram
concluí-lo com um abraço histórico. Espero que isto continue e rezo por isso.
Convido todos para que façam um esforço para assegurar que este processo de paz
prossiga. Porque tudo se perde com a guerra, tudo se ganha com a paz,
disse um Papa antes de mim (Pio XII, ndr). Isto é claro, não devemos
esquecê-lo. É um longo processo de paz porque teve uma primeira etapa, depois
parou, depois outra. E o esforço dos líderes das partes contrárias para não
dizer inimigos é o de ir ao encontro um do outro. É também um esforço perigoso,
algumas pessoas arriscavam as suas vidas, mas no final chegou-se à conclusão.
Gostaria de agradecer neste processo de paz todas as pessoas, todas as pessoas que
deram uma contribuição. Começando pelo primeiro encontro, que começou com um
café... Havia gente ali, havia um sacerdote da Comunidade de Sant'Egidio, que
será criado cardeal no próximo dia 5 de outubro (Dom Matteo Zuppi, arcebispo de
Bolonha ndr). E então, com a ajuda de tantas pessoas, também da
Comunidade de Sant'Egidio, chegou-se a este resultado. Nós não devemos ser
triunfalistas nestas coisas. O triunfo é a paz. Não temos o direito de ser
triunfalistas, porque a paz ainda é frágil no seu país, tal como é frágil
no mundo. A paz deve ser tratada da mesma forma como se tratam as coisas
recém-nascidas, como as crianças, com muita, muita ternura, com muita
delicadeza, com muito perdão, com muita paciência, para fazê-la crescer e ser
robusta. É o triunfo do país: a paz é a vitória do país, é preciso entender
isso... E isso vale para todos os países, que se destroem com a guerra. As
guerras destroem, fazem perder tudo.
Vou me delongar um pouco sobre este
tema da paz, porque está no meu coração. Quando, há alguns meses, houve a
celebração do desembarque na Normandia, é verdade que havia chefes de governos
a recordar o que foi o início do fim de uma guerra cruel, também de uma ditadura
anti-humana e cruel como o nazismo e o fascismo, mas
naquela praia morreram 46 mil soldados, é o preço da guerra. Confesso que
quando fui a Redipuglia para a comemoração da Primeira Guerra Mundial, eu
chorei: «Por favor, nunca mais a guerra!» Quando fui a Anzio para celebrar o
dia de finados, no meu coração sentia que devemos criar esta consciência: as
guerras não resolvem nada, pelo contrário, fazem ganhar as pessoas que não
querem (a paz) da humanidade.
Desculpem-me por este apêndice, mas
tinha que dizer diante de um processo de paz, pelo qual rezo e farei tudo o que
é possível para que avance e espero que cresça com força.
Segundo ponto, o problema da
juventude. A África é um continente jovem, tem uma vida jovem, se a
compararmos com a Europa, e vou repetir o que disse em Estrasburgo: a mãe
Europa quase se tornou «avó Europa». Envelheceu, estamos vivendo um inverno
demográfico muito grave na Europa. Li - não me recordo de que país, mas
trata-se de uma estatística oficial do governo - que em 2050 naquele país
haverá mais aposentados do que pessoas que trabalham, e isso é trágico. Qual
é a origem deste envelhecimento da Europa? Eu, é uma opinião pessoal, penso que
o bem-estar está na raiz. Agarrar-se ao
bem-estar - «Mas, nós estamos bem, eu não tenho filhos porque tenho de
comprar uma casa, tenho que fazer turismo, estou bem assim, um filho é um
risco, nunca se sabe...». Bem-estar e tranquilidade, mas é um estar bem que
o leva a envelhecer.
Em vez disso, a África está cheia
de vida. Encontrei na África um gesto que tinha encontrado nas
Filipinas e em Cartagena, Colômbia. As pessoas que levantavam as crianças
como se dissessem «este é o meu tesouro, esta é a minha vitória, o meu orgulho».
É o tesouro dos pobres, a criança. Mas é também
o tesouro de uma pátria, de um país. Eu vi o mesmo gesto na Europa Oriental, em
Iasci, especialmente aquela avó que mostrava a criança: este é o meu triunfo...
Vocês têm o desafio de educar esses
jovens e fazer leis para esses jovens, a educação neste momento é uma
prioridade no seu país. É uma prioridade que se cresça tendo leis sobre a
educação. O primeiro-ministro de Maurício falou comigo a este respeito. Ele
disse que tinha em mente o desafio de fazer crescer o sistema de educação
gratuito para todos. A gratuidade do sistema educativo é importante, porque
existem centros educativos de alto nível, mas a pagamento. Existem centros
educativos em todos os países, mas é preciso multiplicá-los para que a educação
chegue a todos. As leis sobre a instrução e a saúde neste momento são a
prioridade ali.
Terceiro ponto: a xenofobia.
Li nos jornais sobre esta xenofobia, mas não é apenas um problema da África. É
uma doença humana, como o sarampo... É uma doença que entra num país, entra num
continente, e colocamos muros. Mas os muros deixam sozinhos aqueles que os
constroem. Sim, deixam de fora muitas pessoas, mas aqueles que permanecerem
dentro dos muros ficarão sozinhos e no final da história derrotados por causa
de grandes invasões. A xenofobia é uma doença. Uma doença
"justificável", por exemplo, para manter a pureza da raça, apenas
para falar de uma xenofobia do século passado. E muitas vezes as xenofobias
cavalgam a onda dos populismos políticos.
Disse na semana passada, ou na semana retrasada, que às vezes ouço, em alguns
locais, discursos que se assemelham aos de Hitler de 1934. É como se na
Europa houvesse um pensamento de retorno.
Mas também vocês na África têm
um problema cultural que tem de ser resolvido. Recordo-me de ter falado
disso no Quênia, o tribalismo. Ali é necessário um trabalho de educação,
de aproximação entre as diferentes tribos para criar uma nação. Comemoramos há
pouco o 25º aniversário da tragédia de Ruanda: é um efeito do tribalismo.
Lembro-me no Quênia, no estádio, quando pedi a todos que se levantassem e
apertassem as mãos e dissessem «não ao tribalismo, não ao tribalismo...».
Devemos dizer não. Trata-se de um fechamento. E há também a xenofobia
doméstica, mas em todo caso uma xenofobia. Temos de lutar contra isso: seja
a xenofobia de um país em relação a outro, seja a xenofobia interna, que,
no caso de alguns lugares na África e com o tribalismo, conduz a uma tragédia
como a de Ruanda.
PAPA FRANCISCO Durante a sua entrevista coletiva no voo de Madagascar até Roma |
Marie Fredeline Ratovoarivelo
(Rádio Dom Bosco, Madagascar)
O
senhor falou sobre o futuro dos jovens durante sua visita apostólica, penso que
a fundação de uma família é muito importante para o futuro. Os jovens de
Madagascar vivem em situações familiares muito complexas por causa da pobreza.
Como pode a Igreja acompanhar os jovens diante do fato que os seus ensinamentos
são considerados ultrapassados e diante da revolução sexual de hoje?
Papa Francisco: A família
certamente tem a responsabilidade da educação dos filhos. Foi emocionante como
os jovens de Madagascar se expressaram, vimos isso também em Maurício e também
com os jovens de Moçambique do encontro inter-religioso pela paz. Dar
valores aos jovens, fazê-los crescer. Em Madagascar, o problema da
família está ligado ao problema da pobreza, à falta de trabalho e muitas
vezes também à exploração do trabalho. Por exemplo, na pedreira de granito
os trabalhadores ganham um dólar e meio por dia... São
fundamentais as leis que protegem o trabalho e a família. E também os
valores familiares, que existem, mas são muitas vezes destruídos pela pobreza:
não os valores, mas a capacidade de transmiti-los e de continuar a educação dos
jovens. Vimos em Madagascar a obra de Akamasoa, o trabalho que se faz com os
pequenos para que possam crescer em uma família que não é a natural, sim, mas é
a única possibilidade.
Ontem em Maurício, depois da Missa,
encontrei monsenhor Rueda com um policial, alto, grande, segurando uma criança
pela mão, tinha mais ou menos dois anos. Ela se perdeu e chorava porque não se
conseguia encontrar os pais. Tinham sido dado o anúncio e enquanto isso o
policial a acariciava e ali eu vi (entendi) o drama de tantas crianças e jovens
que por acaso perdem seus laços familiares apesar de viverem em uma família -
neste caso foi apenas um acidente. É também o papel do Estado protegê-las e
levá-las adiante. O Estado deve cuidar da família, dos jovens. E é
dever do Estado de levá-los adiante.
Então, repito, para uma família ter
um filho é um tesouro. E vocês têm essa consciência, têm a consciência do
tesouro. Mas agora é necessário que toda a sociedade tenha consciência de
fazer crescer este tesouro, de fazer crescer o país, de fazer crescer a pátria,
de fazer crescer os valores que darão soberania à pátria. Uma coisa sobre as
crianças que me impressionou nos três países é que as pessoas me saudavam.
Havia também crianças pequenas que também saudavam, estavam muito alegres. Mas
sobre a alegria eu gostaria de falar mais tarde.
Jean Luc Mootoosamy (Radio One,
Mauritius)
O
primeiro-ministro de Maurício lhe agradeceu por sua preocupação com o
sofrimento dos nossos concidadãos que foram obrigados a abandonar o próprio
arquipélago do Reino Unido depois da ilícita separação desta parte do nosso
território antes da independência. Hoje, na ilha de Diego Garcia, há uma base
militar estadunidense. Santo Padre, os chagossianos em exílio forçado há 50
anos querem regressar às suas terras e as respectivas administrações dos
Estados Unidos e do Reino Unido não permitem que isso aconteça não obstante
exista uma resolução das Nações Unidas de maio passado. Como o senhor poder
apoiar a vontade dos chagossianos e ajudar o povo de Chagos a voltar para casa?
Papa Francisco: Eu gostaria
de repetir aquilo o que diz a Doutrina da Igreja a respeito. As organizações
internacionais, quando nós as reconhecemos e atribuímos a elas a capacidade de
julgar em escala mundial – pensemos no tribunal internacional de Haia ou nas
Nações Unidas – no momento em que fazem afirmações se somos uma humanidade (um
consenso civil), temos o dever de obedecer. É verdade que nem sempre as
coisas que parecem justas para toda a humanidade o são para o bolso, mas se
deve obedecer às instituições internacionais, para isso foram criadas as
Nações Unidas, foram criados os tribunais internacionais.
Depois há outro fenômeno que,
porém, o digo claramente, não sei se tem pertinência a este caso. Quando chega
a libertação de um povo (um povo obtém a independência) e o Estado dominante
deve ir embora – na África verificaram-se muitos processos de independência da
França, da Grã-Bretanha, da Bélgica, da Itália, todos tiveram que deixar,
alguns amadureceram bem –, mas em todos há a tentação de ir embora com algo
no bolso: sim eu dou a liberdade a este povo, mas algumas migalhas eu levo
embora. Dou a liberdade ao país, mas do solo para cima, o subsolo permanece
meu. É um exemplo, não sei se é verdade, mas para dizer: sempre há aquela
tentação. Eu creio que as organizações internacionais têm que fazer um
processo de acompanhamento, reconhecendo às potências dominantes aquilo que
fizeram àquele país e reconhecendo a boa vontade de ir embora e ajudando-os a
deixar totalmente, com liberdade, em espírito de fraternidade. É um
trabalho cultural lento da humanidade e, nisto, as instituições internacionais
nos ajudam tanto, sempre, e devemos ir avante fortalecendo as instituições
internacionais: as Nações Unidas que retomem bem o seu papel, que a União
Europeia seja mais forte, não no sentido do domínio, mas no sentido da
justiça, da fraternidade, da unidade para todos. Isto, creio, seja uma das
coisas importantes.
E há outra coisa que eu gostaria de
aproveitar para dizer depois de sua intervenção. Hoje não existem
colonizações geográficas – pelo menos não tantas, mas existem colonizações ideológicas, que querem entrar na
cultura dos povos e transformar aquela cultura e homogeneizar a humanidade. É a
imagem da globalização como uma esfera, todos os pontos equidistantes do
centro. Ao invés, a verdadeira globalização não é uma esfera, é um poliedro
onde cada povo preserva a própria identidade, mas se une a toda a humanidade.
Ao invés, a colonização ideológica busca cancelar a identidade dos outros para
torná-los iguais e chegam com propostas ideológicas que vão contra a natureza
daquele povo, a história daquele povo, contra os valores daquele povo. E devemos
respeitar a identidade dos povos, esta é uma premissa a ser defendida sempre.
Deve ser respeitada a identidade dos povos e assim expulsamos todas as
colonizações.
Antes de dar a palavra para a EFE –
que é privilegiada, é “idosa”, tem 80 anos – eu gostaria de dizer algo a mais
sobre a viagem que me impressionou muito. Do seu país me impressionou muito
a capacidade de unidade inter-religiosa, de diálogo inter-religioso. Não se
cancela a diferença das religiões, mas se destaca que todos somos irmãos, que
todos devemos falar. Este é um sinal de maturidade do seu país. Falando com o
primeiro-ministro ontem, fiquei surpreso de como eles, vocês, tenham elaborado
esta realidade e a vivam como necessidade de convivência. Há uma comissão
intercultural que se reúne.
A primeira coisa que encontrei
ontem entrando no episcopado – uma anedota – foi um maço de flores belíssimo.
Quem o enviou? O grande Imã. Somos irmãos, a fraternidade humana que está na base
e respeita todas as crenças. O respeito religioso é importante, por isso aos
missionários digo que não façam proselitismo. O proselitismo que o façam no
mundo da política, do esporte – torça pelo meu time, pelo seu, mas não na fé.
Mas
o que significa para o senhor, Santo Padre, evangelizar?
Papa Francisco: Há uma
frase de São Francisco que me iluminou muito. Francisco de Assis dizia aos seus
frades: «Levem o Evangelho, se for necessário, também com as palavras».
Isto é, evangelizar é aquilo que lemos no livro dos Atos dos Apóstolos:
testemunho. E aquele testemunho provoca a pergunta: «Mas você por que
vive assim, por que faz isso?». E ali explico: «É pelo Evangelho». O
anúncio vem antes do testemunho. Antes viva como cristão e, se perguntarem,
fale. O testemunho é o primeiro passo e o protagonista da evangelização não
é o missionário, mas o Espírito Santo que leva os cristãos e os missionários a
dar testemunho. Depois virão as perguntas ou não virão, mas conta o
testemunho de vida. Este é o primeiro passo. É importante para evitar o
proselitismo. Quando virem propostas religiosas que seguem o caminho do
proselitismo, não são cristãs. Buscam prosélitos, não adoradores de Deus em
verdade.
Eu aproveito para destacar esta
experiência religiosa de vocês, que é tão bonita. Também o primeiro-ministro me
disse que quando alguém pede uma ajuda, damos a mesma ajuda a todos, e ninguém
se ofende, porque se sentem irmãos. E isso faz a unidade do país. É muito,
muito importante. Também nos encontros não havia somente católicos, havia
cristãos de outras confissões, e havia muçulmanos, hinduístas e todos eram
irmãos. Isso vi também em Madagascar e ainda no Encontro inter-religioso
pela paz dos jovens, com os jovens de diferentes religiões que quiseram
expressar como vivem seu desejo pela paz. Paz, fraternidade, convivência
inter-religiosa, nada de proselitismo, são coisas que devemos aprender pela
paz. Esta é uma coisa que devo dizer. Depois outra coisa que me impressionou –
e a vi em três países, mas me refiro a Madagascar, partimos dali – o povo; pelas
ruas havia o povo, autoconvocado. Na missa no estádio debaixo de chuva
estava o povo, que dançava debaixo da chuva, feliz. E também na vigília
noturna, a missa – que dizem que tinha mais de um milhão, eu não sei, é o que
dizem as estatísticas oficiais, eu vou um pouco abaixo, digamos 800 mil. Mas o
número não interessa, interessa o povo, as pessoas que foram à pé na tarde
precedente, ficaram na vigília, dormiram ali – eu pensei no Rio de
Janeiro em 2013 (a Jornada Mundial da Juventude, ndr), que dormiam na
praia – era o povo que queria estar com o Papa. Eu me senti humilde,
pequeníssimo diante da grandeza da soberania popular. E qual é o sinal de
que um grupo de pessoas é povo? A alegria.
Havia pobres, tinha gente que não tinha comido naquela tarde para estar ali,
estavam alegres. Ao invés, quando as pessoas ou os grupos se separam daquele
sentido popular da alegria, a perdem. É um dos primeiros sinais, a tristeza dos
solitários, a tristeza daqueles que esqueceram as suas raízes culturais. Ter
consciência de ser um povo é ter consciência de ter uma identidade, de ter uma
consciência, de ter modo de entender a realidade e isso congrega as pessoas.
Mas o sinal de que você está no povo e não numa elite, é a alegria, a
alegria comum. Isso quis destacar. E por isso as crianças saudavam
assim, porque os pais as contagiavam com a alegria.
PAPA FRANCISCO Concedendo entrevista durante o voo de retorno de sua recente viagem à África |
Cristina Cabrejas (da agência
espanhola EFE que celebra os 80 anos de fundação)
Antes
de tudo, vamos dar como consolidado que um de seus futuros planos é ir à
Espanha, e esperemos que seja possível. A primeira pergunta que quero
fazer-lhe: nesses oitenta anos da EFE, perguntamos a diversas pessoas, a
líderes mundiais: como acredita que será a informação do futuro?
Papa Francisco: Precisaria
de uma bola de cristal. Irei à Espanha, se viverei, mas a prioridade das
viagens na Europa é para os países pequenos, depois os maiores. Não sei como
será a comunicação do futuro. Penso como era, por exemplo, a comunicação quando
eu era jovem, ainda sem TV, com o rádio ou o jornal, inclusive com o jornal
clandestino que era perseguido pelo governo de turno, era vendido à noite pelos
voluntários e também oral. Se fizermos uma comparação com esta, era uma
informação precária e esta de hoje será talvez precária em relação àquela do
futuro. Aquilo que permanece como constante da comunicação é a capacidade de
transmitir um fato, e de distingui-lo da narrativa, do que é transmitido.
Uma das coisas que prejudica a comunicação, do passado, do presente e do
futuro, é aquilo que é transmitido.
Há um estudo muito belo, que saiu
três anos atrás, de Simone Paganeni, uma estudiosa de linguística da
Universidade de Aachen, e fala do movimento da comunicação entre o escritor,
o escrito e o leitor. A comunicação sempre corre o risco de passar do fato
àquilo que é transmitido e isso arruína a comunicação. É importante que seja
o fato e sempre aproximar-se do fato. Vejo
isso também na Cúria: há um fato e depois cada um o decora acrescentando sua
visão, sem má intenção, esta é a dinâmica. Portanto, a ascese do comunicador
é sempre regressar ao fato, referir o fato, e depois dizer a minha
interpretação, disseram-me isso, distinguindo o fato daquilo que é referido.
Tempos atrás me contaram a história
de Chapeuzinho Vermelho, mas com base naquilo que era referido, e terminava com
Chapeuzinho Vermelho e a avó que colocavam o lobo na panela e comiam o lobo. A
narração mudava as coisas. Qualquer que seja o meio de comunicação, a
garantia é a fidelidade: «dizer que» se pode usar? Sim, pode-se usar na
comunicação, mas estando sempre alerta para constatar a objetividade do «se diz
que…». É um dos valores que é preciso perseguir na comunicação.
Em segundo lugar, a comunicação
deve ser humana, e no dizer humana entendo construtiva, isto é, deve fazer
crescer o outro. Uma comunicação não pode ser usada como um instrumento de
guerra, porque é anti-humana, destrói. Pouco tempo atrás passei um artigo para
o padre Rueda que encontrei numa revista, que se intitulava: as gotas de
arsênico da língua. A comunicação deve estar a serviço da construção, não da
destruição. Quando a comunicação está a serviço da destruição? Quando
defende projetos não humanos. Pensemos na propaganda das ditaduras do
século passado, eram ditaduras que sabiam comunicar-se bem, mas fomentavam a
guerra, as divisões e a destruição. Não sei o que dizer tecnicamente porque não
sou formado na matéria. Quis destacar valores aos quais a comunicação, de
qualquer meio, sempre deve buscar manter-se coerente.
Cristina Cabrejas (segunda
pergunta)
Passemos
à viagem. Um dos temas desta viagem foi a proteção do meio ambiente, das
árvores, ameaçadas pelo desflorestamento e pelos incêndios. Neste momento,
estão acontecendo na Amazônia. O senhor acredita que os governos dessas áreas
estão fazendo todo o possível para proteger este pulmão do mundo?
Papa Francisco: Volto à
África. Eu já disse em outra viagem, há no inconsciente coletivo um lema: a
África deve ser explorada. Nós jamais pensamos: a Europa deve ser explorada.
Devemos libertar a humanidade deste inconsciente coletivo. O ponto mais forte
da exploração está no meio ambiente, com o desflorestamento, a destruição da
biodiversidade. Dois meses atrás, recebi os capelães marítimos e, na audiência,
havia sete jovens pescadores que pescavam com uma embarcação que não era mais
longa do que este avião. Pescavam com meios mecânicos como se faz agora, um
pouco aventureiros. Eles me disseram: em alguns meses, pegamos seis toneladas
deste plástico…
No Vaticano, proibimos o plástico,
estamos neste trabalho. Esta é uma realidade somente dos mares. A intenção
de oração deste mês é justamente a proteção dos oceanos, que nos dão
também o oxigênio que respiramos.
Depois, há os grandes pulmões, na República
Centro-Africana, em toda a região Pan-amazônica, e depois outros
menores. É preciso defender a ecologia, a biodiversidade, que é a nossa vida,
defender o oxigênio, que é a nossa vida. O que me conforta é que são os
jovens que levam avante esta luta, que têm uma grande consciência e dizem:
o futuro é nosso, com o seu faça o que quiser, mas não com o nosso! Creio que
ter se chegado ao acordo de Paris foi um bom passo avante, e depois também os
outros. São encontros que ajudam a se conscientizar. Mas no verão do ano
passado, quando vi a foto do navio que navegava no Polo Norte como se nada
fosse, me senti angustiado, e pouco tempo atrás todos vimos a fotografia do ato
fúnebre simbólico por aquela geleira que desapareceu na Groenlândia. Tudo
isso acontece rapidamente, devemos nos conscientizar começando pelas pequenas
coisas. Os governantes estão fazendo tudo? Alguns mais, outros menos.
É verdade que há uma palavra que
devo dizer e que está na base da exploração ambiental. Eu fiquei comovido com o
artigo no Messaggero de Franca (Giansoldati, ndr), que não poupou
palavras e falou de manobras destrutivas e isso não somente na África,
mas também nas nossas cidades, nas nossas civilizações. E a palavra feia, feia
é a corrupção: eu preciso fazer isso e para fazê-lo devo desmatar e preciso da
permissão do governo ou do governo provincial. Vou até o responsável – e aqui
repito literalmente aquilo que me disse um empresário espanhol – e a
pergunta que nós ouvimos quando querem aprovar um projeto é «Quanto para mim?»,
descaradamente. Isso acontece na África, na América Latina e também na Europa. Em
todos os lugares, quando se assume a responsabilidade sociopolítica como um
ganho pessoal, ali exploramos valores, a natureza, as pessoas. A África
deve ser explorada. Mas pensemos em tantos operários que são explorados nas
nossas sociedades; temos o caporalato na Europa [trabalho em propriedades
agrícolas, onde a mão de obra é muito mal paga e explorada], não inventaram os
africanos. A empregada que recebe um terço daquilo que deveria não inventaram
os africanos, as mulheres enganadas e exploradas pela prostituição no centro
das nossas cidades, não inventaram os africanos. Também aqui há esta
exploração, não somente ambiental, mas também humana. E isso é devido à
corrupção. E quando a corrupção está dentro do coração, devemos nos
preparar, porque chega de tudo.
PAPA FRANCISCO Durante sua entrevista coletiva concedida no interior do avião que o trazia da África a Roma |
Jason Drew Horowitz (The New York
Times, Stati Uniti)
No
voo para Maputo, o senhor reconheceu estar sob ataque de um setor da Igreja nos
Estados Unidos, obviamente existem fortes críticas de alguns bispos e cardeais,
há TVs católicas e sites americanos muito críticos, e até mesmo alguns de seus
aliados mais próximos falaram de um complô contra o senhor. Há algo que esses
críticos não entendam sobre seu Pontificado? Há algo que o senhor aprendeu com
as críticas? O senhor tem medo de um cisma na Igreja americana? E se sim, há
algo que o senhor poderia fazer - um diálogo - para evitá-lo?
Papa Francisco: Antes de
tudo, as críticas sempre ajudam, sempre. Quando alguém recebe uma crítica,
imediatamente deve fazer uma autocrítica e dizer: isso é verdade ou não?
Até que ponto? E eu sempre tiro benefícios das críticas. Às vezes elas te
deixam com raiva, mas as vantagens existem. Na viagem para Maputo, um de vocês
me deu este livro em francês sobre como os americanos querem mudar o Papa. Eu
sabia sobre a existência desse livro, mas não o havia lido. As críticas não
são somente dos americanos, existem um pouco por toda parte, mesmo na Cúria.
Pelo menos aqueles que as dizem têm a vantagem da honestidade em dizê-las. Não
gosto quando as críticas estão debaixo da mesa: te dão um sorriso mostrando os
dentes e depois te apunhalam pelas costas. Isso não é leal, não é humano. A
crítica é um elemento da construção e, se a tua crítica não estiver correta, tu
estás preparado para receber a resposta, dialogar e chegar ao ponto acertado.
Essa é a dinâmica da verdadeira crítica. Em vez disso, a crítica das pílulas de
arsênico, da qual falávamos a respeito deste artigo que dei ao padre Rueda, é
um pouco de jogar a pedra e esconder a mão.
Isso não serve, não ajuda. Ajuda os
grupinhos fechados, que não querem ouvir a resposta à crítica. Em vez disso, uma
crítica leal – eu penso isso, isso e isso – está aberta à resposta, isso
constrói, ajuda. Diante do caso do Papa: não gosto deste Papa, o crítico,
falo, escrevo um artigo e peço que ele responda, isso é justo. Fazer uma crítica sem querer ouvir a resposta e sem fazer o
diálogo é não amar a Igreja, é seguir atrás de uma ideia fixa, mudar o
Papa ou criar um cisma. Isso é claro: sempre uma crítica justa é bem
recebida, ao menos para mim.
Segundo, o problema do cisma: na
Igreja houve tantos cismas. Após o Vaticano I, por exemplo, a última votação,
aquela da infalibilidade, um bom grupo saiu e fundou os Vétero-Católicos para
serem realmente "honestos" em relação à tradição da Igreja. Mais
tarde eles encontraram uma evolução diferente e agora ordenam mulheres. Mas
naquele momento eram rígidos, iam atrás de uma ortodoxia e pensavam que o
Concílio havia errado. Outro grupo saiu calado, calado, mas não quiseram votar.
O Vaticano II, entre suas
consequências, teve essas coisas. Talvez a separação pós-conciliar mais
conhecida seja a de Lefebvre. Sempre existe a opção cismática na Igreja,
sempre. Mas é uma das opções que o Senhor deixa à liberdade humana. Eu não
tenho medo de cismas, rezo para que não existam, porque está em jogo a saúde
espiritual de tantas pessoas. Que exista o diálogo, que exista a correção se
houver algum erro, mas o caminho do cisma não é
cristão. Pensemos no início da Igreja, como começou com tantos
cismas, um após o outro: arianos, gnósticos, monofisitas ...
E me vem de contar uma história:
foi o povo de Deus que nos salvou dos cismas. Os cismáticos sempre têm uma
coisa em comum: se separam do povo, da fé do povo de Deus. E quando no
Concílio de Éfeso houve a discussão sobre a divina maternidade de Maria, o povo
- isso é histórico - estava na entrada de catedral quando os bispos entravam
para o Concílio. Estavam ali com paus. Eles os mostraram aos bispos e gritavam «Mãe
de Deus! Mãe de Deus!», como que por dizer: se vocês não fizerem isso, esperamos
vocês aqui.
O povo de Deus sempre conserta e
ajuda. Um cisma é sempre é uma separação elitista provocada por uma
ideologia separada da doutrina. É uma ideologia, talvez justa, mas que entra
na doutrina e a separa. Por isso rezo para que não ocorram cismas, mas não
tenho medo. Isso é um resultado do [Concílio] Vaticano II, não deste
ou daquele outro Papa. Por exemplo, as coisas sociais que digo, são as
mesmas que disse João Paulo II, as mesmas! Eu o copio. Mas eles dizem: o Papa é
comunista. Entram as ideologias na doutrina e quando a doutrina escorrega nas
ideologias, ali há a possibilidade de um cisma. Há a ideologia da primazia
de uma moral asséptica sobre a moral do povo de Deus. Os pastores devem
conduzir o rebanho entre a graça e o pecado, porque a moral evangélica é essa.
Em vez disso, a moral de uma ideologia assim pelagiana te leva à rigidez, e hoje
temos tantas escolas de rigidez dentro da Igreja, que não são cismas, mas
caminhos cristãos pseudo-cismáticas, que terminarão mal. Quando vocês veem
cristãos, bispos, sacerdotes rígidos, por trás há problemas, não há a santidade
do Evangelho. Por isso devemos ser mansos com as pessoas que são tentadas
por esses ataques, estão passando por um problema, devemos acompanhá-las com
mansidão.
Aura Vistas Miguel (Rádio
Renascença, Portugal)
Sabemos
que não lhe agrada visitar países durante a campanha eleitoral, mas o fez em
Moçambique, um mês antes das eleições, sendo que o presidente que o convidou um
dos candidatos. Por quê?
Papa Francisco: Sim. Não
foi um erro, foi uma opção decidida livremente, porque a campanha eleitoral
começa nestes dias e ficava em segundo plano em relação ao processo de paz. O
importante era ajudar a consolidar esse processo. E fazendo o equilíbrio entre as duas coisas, [avaliamos]: sim, é importante consolidar. E então eu pude cumprimentar os adversários políticos, isso para dar a ideia e sublinhar que o importante era isso, e não "torcer" por esse presidente que eu não sei, não sei como ele pensa, e nem mesmo como os outros pensam . Para mim, era mais importante enfatizar a unidade do país. Mas o que você diz é verdade: devemos ficar longe das campanhas eleitorais, isso é verdade.
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