23º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Homilia
Evangelho:
Lucas 14,25-33
Ouça
a proclamação deste evangelho, clicando aqui.
José María Castillo
Teólogo católico espanhol
O
verdadeiro discípulo(a) de Jesus
O texto que utiliza, aqui, o
evangelho de Lucas é mais forte e duro do que imaginamos. Porque, em sua língua
original, os evangelhos [sinóticos – Mateus, Marcos e Lucas] utilizam o verbo
grego miseô, que nos requer que «odiemos» até nossa própria família
e a nós mesmos por causa de Jesus (Lc 14,26). Isso é possível? É recomendável?
Pode-se exigir semelhante conduta de alguém?
Esta dificuldade se agrava se
levamos em conta que o Evangelho não fala de «adiar» os parentes, isto é, deixá-los
em segundo plano ou para depois, mas de «odiá-los». De fato, em Lucas 14,26
o verbo miseô significa literalmente «odiar» ou «desprezar». É o mesmo
verbo que se utiliza quando o Evangelho fala de «ser odioso» por causa de
Jesus (Mc 13,13 e paralelos; Mt 24,9-10; 10,22; Lc 21,17; 6,2). Isto posto,
insistimos na pergunta: podemos imaginar que Jesus nos coloca no dilema de escolher
entre o amor ou o ódio a nossos pais ou aos nossos filhos?
Se o dilema é escolher entre o amor
a Deus e o ódio a nossos seres mais queridos e a nós mesmos, não resta mais
saída que esta: cremos em um Deus (Jesus) que, para amá-lo não temos outra
solução que odiar o mais humano, ou seja, Deus e o humano são incompatíveis. Em
qual cabeça cabe semelhante conclusão?
Qual
é a interpretação possível e correta?
Não há outra solução senão aceitar
essas duas convicções: 1) Deus, em Jesus,
encarnou-se no humano, isto é, humanizou-se plenamente. 2) Nós somos humanos. Porém, também levamos inscrita em nossa
humanidade a desumanização. Por isso, nossas relações com os demais,
incluídas as relações de parentesco, são muitas vezes tão desumanas. Daí, que o
dilema, que Jesus coloca, não consiste em escolher entre o amor a Deus e o ódio
ao humano, mas em optar entre nossa «humanidade desumanizada» ou a «humanidade
plena», que sempre encontramos em Jesus.
Nesse ponto, estamos tocando a
própria raiz do seguimento de Jesus:
Somente pode ser seguidor de
Jesus
quem é plenamente humano
e, por isso,
supera e vence toda possível
desumanização.
Enzo Bianchi
Monge, biblista e escritor
Fundador da Comunidade de Bose – Itália
Exigências
para o seguimento de Jesus
[...] Esse regime dos afetos é duro,
custa esforço, mas é «carregar a própria cruz», isto é, carregar o
instrumento de execução do próprio «eu» philautico, egoísta. Cada um
tem uma cruz própria para carregar, ninguém está isento disso, mas não se deve
fazer comparações. Jesus, de fato, sabe que aqueles que o seguem fielmente
também estarão envolvidos na sua paixão e morte, quando ele carregar a cruz. É
uma questão de aprender com Jesus, quando ele fala, age, mas também quando for
condenado, torturado e morto na ignomínia da cruz. Ser discípulo de Jesus
não é a experiência de um momento (cf. Mc 4,12-13; Mt 13,20-21), não é um
provar para verificar, mas é a decisão de responder a um chamado, é um «amém»,
que deve ser dito com ponderação, com discernimento, sem obedecer às emoções do
momento.
Por isso, Jesus anuncia duas
parábolas que soam como uma advertência, um aviso: ele não faz propaganda
para as vocações, mas, ao contrário, dissuade... Teríamos muito a aprender
com essa atitude de Jesus, sobretudo quando a escassez de vocações nos
angustia e nos dá medo: este último é um mau conselheiro, que nos exorta a
acolher a todos com muita superficialidade e a não reconhecer e comunicar as
dificuldades objetivas do seguimento de Jesus.
Com a primeira
parábola [Lc 14,28-30], Jesus adverte: «Qual de vós, querendo
construir uma torre, não se senta primeiro e calcula os gastos, para ver se tem
o suficiente para terminar». Seguir Jesus – e preste-se atenção a
uma leitura pouco inteligente dos relatos vocacionais do Evangelho! – requer
não o fogo de um momento, nem o entusiasmo, nem só o «enamoramento», mas também
um tempo de calma, de silêncio, de exame de si mesmo. É a ação do
discernimento, difícil, mas absolutamente necessária para perceber a voz do
Senhor não fora de nós, não apenas nas eventuais palavras de um outro, mas
também no nosso coração mais profundo, lá onde Deus nos fala pessoalmente.
Escutando o profundo, a própria
intimidade, discernindo a palavra de Deus das outras palavras que nos habitam, olhando
com realismo para aquilo que somos e para as nossas possibilidades, nós podemos
chegar a uma escolha; talvez nos deixando ajudar por aqueles que estão na nossa
frente na vida segundo o Espírito, mas sempre conscientes de que o amém
só pode ser nosso, muito pessoal, e um amém para sempre, não
temporário ou com prazo de validade!
Da mesma forma, a segunda parábola [Lc 14,31-32] adverte que é
preciso medir bem as próprias forças, para vencer aquele que é um combate
espiritual sem trégua, até o final. Porque o seguimento de Jesus exige a capacidade
de fazer guerra contra o inimigo, o diabo que nos tenta e gostaria de nos
fazer cair, levando-nos a abandonar o próprio seguimento.
Portanto, a pessoa chamada sabe:
tendo escutado a palavra de convite, deve, acima de tudo, «ficar firme»,
permanecer em solidão e em silêncio (cf. Lamentações 3,28) para discernir
bem aquilo que escutou e o que o coração lhe diz; depois, deve se aconselhar
(como diz literalmente o verbo bouleúomai); por fim, deve chegar
à decisão muito pessoal, confiando apenas na graça do Senhor. Em suma, deve
saber que a vida cristã é uma luta, uma batalha dura e cansativa contra as
tentações do demônio: uma luta que deverá ser perseverança, coragem e
invocação da fortaleza, essa virtude que é dom do Espírito Santo. À pessoa
chamada, não cabe apenas iniciar, mas também levar a termo, com a ajuda da
graça, que nunca é negada àqueles que a invocam e a buscam com coração sincero.
Jesus, depois, acrescenta uma
palavra não presente no trecho litúrgico, mas conectada com o que o precede.
Ele diz que, para uma história de vocação, ocorre aquilo que acontece com o
sal: «O sal é bom, mas se perde a capacidade de salgar, de que serve? É
jogado fora!» (cf. Lc 14,34-35). Do mesmo modo, uma vocação pode ser
boa, mas na vida pode ser contradita, abandonada, e, então, aquela vida
permanece como uma vida desperdiçada.
Dizia o meu pai espiritual: «Quando
alguém pensa em aumentar o número de vocações na Igreja e impõe a vocação aos
outros, não cria santos, mas apenas pessoas miseráveis!».
Tradutores: o texto de CASTILLO foi
traduzido por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo; o texto de BIANCHI
por Moisés Sbardelotto.
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