Esclarecendo as coisas: não haverá cisma!
Por que o Papa Francisco não tem medo
de um cisma?
Robert Mickens
La
Croix International
13-09-2019
Uma polêmica sem
sentido e um Papa
que sabe, muito bem,
aonde deve
conduzir a Igreja de
Cristo
PAPA FRANCISCO Concedendo entrevista a bordo do avião que o levava de Madagascar a Roma Dia 10 de setembro de 2019 |
A maior notícia do Vaticano da
última semana é – infelizmente – a coletiva de imprensa que o Papa Francisco
concedeu no dia 10 de setembro, enquanto ele viajava de volta a Roma depois de
uma visita de seis dias à África oriental.
Para ler esta excelente entrevista do Papa, clique aqui.
Na realidade, a única coisa
infeliz sobre a entrevista foi uma única pergunta sobre um tema não relacionado,
de fato, que ofuscou quase tudo o que o papa disse e fez em sua viagem
entre os dias 4 e 10 de setembro a Moçambique, Madagascar e Ilhas Maurício.
Se você é uma das poucas pessoas
que ainda não ouviu a respeito, um repórter perguntou a Francisco se ele
temia que os católicos que se opõem a ele, especialmente certos “conservadores”
nos Estados Unidos, possam criar um cisma.
A questão, então, é se um cisma
está realmente no horizonte. É mesmo provável? E como isso realmente
aconteceria em termos concretos?
Por um lado, seria necessário pelo
menos um bispo para liderar um grupo para romper a comunhão com Roma. Mas a
probabilidade de que isso ocorra é tão pequena quanto a de que haja uma bola de
neve no inferno. E o papa sabe disso.
Aqui está o porquê:
Agora
não é a hora
Em primeiro lugar, o momento não
é propício. Francisco tem quase 83 anos, e os bispos que particularmente
não gostam dele ou da sua visão reformista da Igreja sabem que seus dias estão
contados.
Eles não vão romper com o bispo de
Roma, o ponto focal da unidade na Igreja Católica, quando sabem que um sucessor
pode não estar muito longe.
Eles continuarão esperando por ele,
exatamente como fazem desde o início do seu pontificado. Eles continuarão
“sorrindo e mostrando os dentes”, às vezes até o lisonjeando, enquanto o
“apunhalam pelas costas”.
Há 99% de chance de que todos os
bispos que são críticos ao atual papa sorriam e o apoiem. Eles aguardarão a
sua hora na esperança de que seu sucessor encontre a aprovação deles.
MARCEL LEFEBVRE (1905-1991) Bispo católico francês que desligou-se da Igreja por não aceitar as inovações promovidas pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) |
Um
verdadeiro dilema: papistas que não gostam do papa
A segunda razão pela qual é
improvável que um bispo ou um grupo de bispos romperá com Roma é que esses
prelados não são corajosos ou audaciosos o suficiente – embora alguém possa
ser estúpido o suficiente – para romper.
O fato é que os oponentes de
Francisco são “romanità” pura. Eles recorrem à autoridade romana para
definir e dar sentido e garantia a qualquer coisa que eles chamem de fé
religiosa. A burocracia centralizada,
conhecida como Cúria Romana, é fundamental para que eles sejam católicos. O
papado é o principal fundamento.
Como papistas resolutos – alguns de
uma maneira pueril e extremamente pouco reflexiva –, eles estão em um
verdadeiro dilema. E devemos ser “misericordiosos” com eles, como
Francisco nos implora, porque não deve haver nada mais doloroso e conflitivo
para um papista do que ter que ser submisso a um papa que ele ou ela não gosta.
Errantes
sem lar
Uma terceira razão pela qual um
cisma é improvável é porque as pessoas que o criariam tendem a ser
fortemente apegadas às instituições e às propriedades católicas como parte da
sua identidade.
Seria difícil, senão impossível,
romper com Roma e manter suas igrejas, oratórios, escolas e outras estruturas
físicas que eles também consideram essenciais para serem católicos.
Certamente, é sempre possível que
bispos, padres ou leigos que estejam realmente fartos do Papa Francisco e
acreditem que ele esteja mudando a Igreja de maneira perigosa e irreversível
possam se juntar a comunidades já existentes que romperam com Roma há muito
tempo.
Pensamos especificamente na Fraternidade
São Pio X (lefebvrianos), com sede em Écône, Suíça. De fato, aqueles que
demonstraram a maior hostilidade em relação ao Papa Francisco são algumas das
mesmas pessoas que mostraram claros sinais de estima e respeito pelos
lefebvrianos.
Muitos deles preferem a liturgia
tridentina que precedeu o Concílio Vaticano II (1962-1965) à liturgia
reformada, que a substituiu.
MISSA TRIDENTINA O padre de costas para os fiéis, voltado somente ao altar. A língua é o latim e a postura é de leigos submissos, não participantes! |
Em
todas as coisas, caridade
Outra razão pela qual um cisma –
certamente um cisma formal – é improvável é porque, em termos muito práticos,
ele é desnecessário.
A Igreja Católica é uma tenda
comunitária muito grande – especialmente com Francisco. Há muita variedade,
e muitas coisas são toleradas.
O papa jesuíta não apenas tolera a
diversidade. Ele a encoraja entusiasticamente.
Certamente nenhum papa nos últimos
40 anos adotou e promoveu a “norma comum que, expressa com palavras diversas,
se atribui a diferentes autores”, e que João XXIII recordou com aprovação em
sua primeira encíclica (Ad Petri cathedram):
“Nas coisas necessárias, unidade;
nas duvidosas, liberdade;
em todas, caridade.”
Existem comunidades neotridentinas
que mantiveram (ou restabeleceram) a comunhão com Roma, que são
quase idênticas aos lefebvrianos em suas práticas litúrgicas, eclesiologia e
ethos.
Graças ao motu proprio Ecclesia
Dei adflicta, de João Paulo II, esses grupos, cuja adesão a alguns
dos principais ensinamentos do Vaticano II é questionável, estão em comunhão
com a Igreja Romana.
Eles cresceram em número durante o
pontificado de Bento XVI, que permitiu o amplo uso (e a promoção) da missa
pré-Vaticano II. Francisco, embora pareça não concordar com a decisão do seu
antecessor, não tomou nenhuma medida em contrário.
No outro extremo do espectro,
existem grupos mais “progressistas” dentro da Igreja Católica que são muito
menos doutrinários. Alguns deles seguem práticas litúrgicas consideradas
como uma clara violação de normas proibidas ou sustentam posições morais ou
éticas que não estão de acordo com as defendidas pelo Vaticano.
O Papa Francisco também não fez
nada para chamá-los à ordem.
Questionamento
da ortodoxia do papa ou do Vaticano II?
Portanto, aqueles católicos que
são extremamente críticos ao papa jesuíta e até sugeriram que ele está
repassando ensinamentos errôneos não têm nenhum motivo real para sair. Mas,
como Francisco disse, eles tendem a ser rígidos, e o real objetivo deles é
“mudar o papa”.
E isso nos leva à razão mais
importante pela qual o Papa Francisco não está preocupado com um cisma. Ele
não fez nada teológica ou doutrinalmente que justifique que os seus oponentes
criem outra divisão na Igreja.
Que doutrinas centrais ou
declarações do Credo da fé cristã ele questionou? Nem uma só.
“Eu rezo para que não haja cismas,
mas eu não tenho medo deles”, disse Francisco no avião.
E ele pode ter apontado para a
verdadeira razão pela qual seus críticos estão tão incomodados, mas também pela
qual ele não está preocupado.
“Este é um dos
resultados do Vaticano II, não deste ou daquele papa”, disse
ele.
Os mais contrários a Francisco –
bispos, padres e leigos – são realmente contrários aos desenvolvimentos
decorrentes do Concílio Vaticano II.
Ou, pelo menos, eles estão
chateados que o papa está envolvendo novamente a comunidade católica mundial
com o espírito do Vaticano II e com o projeto do Concílio para uma Igreja
mais radicalmente evangélica.
Mas não há necessidade de criar um
cisma por causa disso. Já existe uma estrada que leva a Écône.
Traduzido
do inglês por Moisés Sbardelotto.
Comentários
Postar um comentário