Não caia nessa !
Cultura do ódio
Ricardo Viveiros
Jornalista e escritor; autor, dentre outros livros, de
“Um olhar sobre São Paulo”, “Educação S.A.” e
“A vila que descobriu o Brasil – A incrível história de
Santana de Parnaíba”
Momento exige
coragem; nem tudo está perdido
RICARDO VIVEIROS |
A pedagoga colombiana Yolanda
Reyes, em coluna no jornal El Tiempo, do seu país, tratou com
brilho, lucidez e preocupação tema que nos diz respeito. Segundo ela, há
países que necessitam tratamento psicológico, têm saúde mental em estado de
emergência, requerendo terapia intensiva. De fato, não
pode ser considerado “normal” o clima de irritabilidade, revolta e ódio
explicitado em público no Brasil.
As pessoas, desde a campanha
eleitoral de 2018, em segundos vão da ofensa pessoal à agressão, sem
limite de bom senso. Do nada, por nada, para nada. Simples descontrole e
violência.
O Brasil, visto como pacífico, no
qual buscam felicidade imigrantes de diversas origens, tornou-se campo minado. Lugar
perigoso para quem ousa exercer o direito à liberdade de opinião. Há
feridos e mortos por pensar diferente, não concordar com radicalismos
políticos. E não fica só nisso, a barbárie já alcança diferenças religiosas,
de gênero, de cor e por aí vai a inconsciência quanto ao direito do próximo.
Fomos divididos em dois grupos:
contra e a favor. E se perguntarmos de que ou quem, os militantes nem saberão
dizer. A tecnologia, criada para aproximar pessoas pelos telefones celulares, é
utilizada para acirrar ânimos, promover discórdia, gerar conflitos. Jogar uns
contra outros. Todos os dias recebemos vídeos de pessoas sendo ofendidas,
agredidas, acuadas por suas posições ideológicas.
Que síndrome é essa que
faz humanos perderem a calma, atacarem semelhantes?
Manifestantes pró e contra Lula se envolvem em tumulto durante protesto na avenida Paulista neste domingo (07/04/2019) Foto: Jardiel Carvalho/Folhapress |
São centenas de falsas notícias,
imagens montadas, cenas antigas repaginadas, versões de fatos causando reações
imprevisíveis. Erros do passado lembrados no presente para destruir o
futuro. Violência gera violência, que gera violência... E não acaba
mais. Acaba sim, em tragédia, como registra a história.
Estamos nos tornando incapazes de
sentir esperança, acreditar em transformações positivas. O que poderia motivar
avanços tem gerado insegurança e sombras.
A filósofa norte-americana Martha
Nussbaum, em “A Monarquia do Medo”, ensaio sobre política nos Estados
Unidos, mostra que raiva traz impotência e medo, é veneno rápido que mata a
democracia. Porque ações irracionais tiram o foco dos verdadeiros
problemas, que assim não têm solução. Entusiasmam o surgimento de
“salvadores da pátria”, permitindo golpes políticos.
Quando o prefeito de uma cidade com
graves problemas de segurança, saúde, educação, emprego, moradia e mobilidade
se ocupa com censurar e apreender livros ignorando leis, duvidando da educação
dada pelas famílias e impedindo o livre debate de ideias, acende a luz de
alerta. Da discussão civilizada e da divergência de pensamento surgem as
saídas, porque tais práticas permitem a chance de pensar e exercer
responsabilidade cidadã.
É hora de unir, não
dividir. Acabar com essa insana delinquência emocional e física. Precisamos
acreditar em nós mesmos, manter vigilância e cobrar resultados dos três Poderes.
O momento exige coragem não para agredir, e sim para permitir a certeza de que
nem tudo está perdido.
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