«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 12 de novembro de 2011

A nova moral do funk [Reflita!]

Marcia Tiburi *

Gênero modificou a natureza clandestina da pornografia

A afirmação adorniana de que após Auschwitz toda cultura é lixo não perde sua atualidade. Se, de um lado, a frase implica que a cultura não vale mais nada, de outro quer dizer que “lixo” é a melhor categoria explicativa da cultura como “aquilo que se rejeita”.


Mas vem significar também que cultura é a experiência do que sobra para os indivíduos levando em conta as condições socioeconômicas e políticas marcadas pela divisão de classes, de trabalho, de sexos, da própria educação dirigida de maneira diferente a pobres e ricos.


A partir da elevação do lixo à categoria de análise, podemos com tranquilidade ecológica (aquela que faz a separação dos descartáveis por categorias) partir para uma brevíssima investigação daquilo que se há de nomear como “moralina funk”, a performance corporal-sonora que se apresenta como o ópio do povo de nosso tempo.


Muito já se escreveu sobre o fenômeno que merece atenção filosófica urgente desde que se tornou a “cultura” que resta para uma grande camada da população de classes menos favorecidas econômica e politicamente.


Muitos afirmam que “o funk carioca também é cultura”, mas pouco comentam sobre seu sentido como capital cultural justamente porque seu único capital implica uma contradição: pobreza material e espiritual. Ou seja, capital nenhum.


Na ausência desse capital sobressai o que resta aos marginalizados. Eles descobriram o valor daquilo mesmo que lhes resta. Eis o capital sexual.
A performance da moralina funk depende desse capital sexual. Explorado, ele é a única mercadoria da consciência e do corpo coisificado. Seu paradoxo é parecer libertário quando, na verdade, é a nova moral.


Pornografia moralizante
Produto dos mais interessantes da sempre moralizante indústria cultural da pornografia, a esperteza do funk carioca é transformar em regra aquilo que foi, de modo irretocável, chamado por seus adeptos pela categoria do “proibidão”. A versão da coisa que não é para todo mundo.
A fórmula do funk é tão imbatível quanto a lei do estupro das histórias do Marquês de Sade. É o barulho como poder, ou melhor, violência. Nenhum ouvido escapa da moralina funk na forma de disfarçadas ladainhas em que as mesmas velhas “verdades” sexistas se expoem, como não poderia deixar de ser, pornograficamente.


A economia do proibidão
Mandamento sagrado da performance é que ninguém ouse imputar marasmo ao tão cultuado quanto profanado Deus Sexo.


Não existe uso da pornografia autorizado, pois a regra de sua moral é a clandestinidade. Daí a função do proibidão na economia política do funk. A história da pornografia oscila entre ser o outro lado da lei e ser apenas outra lei.


Foi isso que fez seu sucesso político em sociedades autoritárias contra o princípio publicitário que lhe deu origem. É o que está dado em sua letra: porno (prostituta) e grafia (escrita) definem, na origem, a mulher que pode ser vendida. E que, para ser vendida, precisa ser exposta.


A pornografia é, assim, uma espécie de exposição gráfica da mercadoria humana. Não é errado dizer que a lógica que transforma tudo em mercadoria tem seu cerne na “prostitutabilidade” de todas as coisas. Nada mais simples de entender em um mundo de pessoas confundidas com coisas.


Que a pornografia esteja ao alcance dos olhos, dos ouvidos, de todos os sentidos, exposta em todos os lugares, significa apenas que a regra do ocultamento foi transgredida. Mas implica também sua efetivação como publicidade universal. Isso explica por que ela não choca mais.


Na performance do funk carioca ela é altamente aceita em escala social. Seja pela pulsão, seja pela acomodação, se o imoral torna-se suportável é porque ele tomou o lugar da moral. É a nova moral.


A pornografia de nossos dias é tão bárbara quanto a romana pornocracia, com a diferença de que não temos mais nada que se possa chamar de política em um mundo comandado por regras meramente econômicas.
Daí que todo funkeiro ou seu empresário saibam que seu negócio é bom pra todo mundo.



* Marcia Tiburi [foto acima] é graduada em filosofia e artes e mestre e doutora em filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Publicou as antologias As Mulheres e a Filosofia (Editora Unisinos, 2002),  O Corpo Torturado (Ed. Escritos, 2004), e Mulheres, Filosofia ou Coisas do Gênero (Edunisc). Publicou os ensaios Uma outra história da razão (Ed. Unisinos, 2003), Diálogo sobre o Corpo (Escritos, 2004), Filosofia Cinza - a melancolia e o corpo nas dobras da escrita (Escritos, 2004), Metamorfoses do Conceito (ed. UFRGS, 2005).  Publicou os romances Magnólia (2005) e a Mulher de Costas (2006), da série Trilogia Íntima (Ed. Bertrand Brasil). Em 2008 publicou Filosofia em Comum - para ler junto (Record).
É professora do programa de pós-graduação em Arte, Educação e História da Cultura da Universidade Mackenzie, colunista da Revista Cult e participante do programa Saia Justa, do canal GNT.


Fonte: Revista CULT - 04/11/2011 - 11h00 - Internet: http://revistacult.uol.com.br/home/2011/11/moral-funk/

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