«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Festival "Promessas" - Uma análise corajosa!

Ricardo Lengruber Lobosco *

Não tomar o nome de Deus em vão
Se eu ainda alimentava alguma dúvida sobre a relação entre fé e consumo, a tarde de 10 de dezembro de 2011 dirimiu por completo minhas questões sobre o assunto. Fé tornou-se objeto de consumo ou, pior, incentivo ao consumo!


A Rede Globo de Televisão (talvez movida pela concorrência com a Record do Bispo Macedo) e alguns artistas do “mercado gospel” se uniram no festival Promessas [foto acima], evento de música religiosa evangélica para um grande público no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro.


A música gospel fatura bilhões e tem, cada dia mais, chamado à atenção das mídias, gravadoras, políticos e investidores dispostos a mergulhar nesse mar cheio de oportunidades. Pesquisas recentes revelam que esse mercado é um dos mais rentáveis no país (movimenta R$ 1,5 bilhão por ano e é o único segmento fonográfico que cresce em venda de discos no País). Segundo dados da Associação Brasileira de Produtores de Disco (ABPD), o estilo está presente entre os 20 CDs mais vendidos no Brasil.


A música saiu dos templos e invadiu os mercados. Com ela, surgiram artistas, empresários, contratos e tudo que demanda um empreendimento artístico e cultural dessa envergadura.


Está claro para mim que a fé tem um papel social importante e, acima de tudo, relevante (impactante). O discurso da fé não é um entre os demais. É um modo de ver a realidade que molda os demais discursos e, como tal, forma opinião e determina decisões e comportamentos.


Meu conflito está no fato de que a multidão de “fãs” da música gospel não se diferencia do restante da população e, por uma questão de coerência com os princípios que as próprias letras alardeiam, não “fazem diferença” na sociedade.


Continuamos um país com péssima distribuição de renda, de altos índices de analfabetismo, subemprego e corrupção. A representação evangélica nas esferas de governo e legislatura não são em nada melhor ou diferente da política pequena e corrupta que domina no país.


É fato que as igrejas cresceram muito e há hoje uma população consideravelmente grande daqueles que se identificam como “evangélicos”. Mas é fato também que isso não mudou em nada a face da nação, como requeria o Evangelho de Jesus ao nos exortar a sermos “sal da terra e luz no mundo”.


Por outro lado, fico sempre a me perguntar sobre questões teológicas. Primeiro, e mais óbvia, é a observação sobre o conteúdo das letras e a qualidade das músicas. Nada que se aproxime da boa música popular e da poesia brasileira. 


Há muito dinheiro envolvido e muita riqueza dispensada em tecnologia, marketing e contratos, mas muito pouca qualidade musical de fato. 
A fé cristã dispõe de um depósito generosamente grande de tradição e reflexão, mas as músicas das rádios e televisões são impressionantemente pálidas, iguais e de baixa qualidade.


Além disso, banalizam o nome de Deus. Como já afirmei em outras oportunidades, não há mandamento contra o qual as religiões mais tropeçam do que o segundo deles – “não usarás o nome do Senhor teu Deus em vão”; destaque especial deve ser feito para as rádios e artistas evangélicos. Usam e abusam do nome de Deus como se esse não fizesse a menor diferença. Virou entretenimento e música de recepção. Saíram dos templos, onde funcionavam como instrumento de louvor, e assumiram as hits parades, onde o que vale é a efemeridade da mudança e do ineditismo.


Com cachês milionários – e, diga-se, imorais – os artistas gospels sustentam e reforçam cada dia mais as máximas da teologia da properidade; visão de mundo baseada na ideia de que os abençoados são, necessariamente, bem sucedidos e prósperos. A fé, vista dessa forma, não passa de uma senha para acesso ao mundo do consumo e da felicidade.


Quem antes buscava na igreja um conforto especial para seus dramas e tristezas e, além disso, comprometia-se, pela fé, numa ação convertedora da maldade desse nosso mundo, agora vai ao shopping (com roupa de missa) e, lá, compra um CD do último artista gospel, namora um celular novo na vitrine e, por fim, participa de uma eucaristia à prosperidade no McDonald`s.


Triste que a Igreja tenha saído da marginalidade assim, se assimilando a esse mundo e dele fazendo parte. O Apóstolo Paulo fora esquecido porque suas palavras eram duras demais: “não vos conformeis com este mundo, antes transformai-o pela renovação da vossa mente” (Rm 12,1).


* Ricardo Lengruber Lobosco é docente de Teologia no Instituto Metodista Bennett no Rio de Janeiro e docente de Filosofia na Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia em Nova Friburgo (RJ). 


Fonte: e-mail enviado pelo próprio autor - ricardo@lengruber.com.
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Não usar o nome de Deus em vão (II) 


Ricardo Lengruber Lobosco

Dias atrás, escrevi um pequeno artigo sobre a relação entre fé e consumo. Refletia um pouco sobre a maneira como a Rede Globo estava se aproximando do público evangélico e como esse, por sua vez, especialmente por meio de seus “artistas”, deixava-se levar pela sedução dos meios de comunicação de massa e tudo que eles incorporam: consumo, ideologia e lucro.

Recebi dezenas de respostas. Muitas delas repletas de defesa e, até, agressão. Muitos outras, entretanto, dispostas a discutir e trazer à tona outros aspectos não discutidos naquele primeiro texto. Foi uma experiência interessante!

Escrevo o presente comentário para esclarecer algumas questões, com base no que li nas mensagens que me remeteram.

Primeiramente, uma nota autobiográfica. Sou cristão, de orientação protestante. Sou formado em Teologia e sou pastor na Igreja Metodista da Primeira Região Eclesiástica (Rio de Janeiro). 

O fato de ser evangélico não me permite, todavia, fechar os olhos para o óbvio e, pior, ignorar que o atual estado das coisas é sério. Repito: lamento que a música gospel tenha se assimilado ao mercado de bens culturais de consumo e dele faça parte com todos os seus vícios e transgressões.

Não vejo nada de mal em denunciar o que considero equivocado. Mas respeito, profundamente, quem pensa diferente e tem iniciativa em dizê-lo de forma educada.

Mas, para além de evangélico, sou ecumênico. E, como tal, creio na experiência cristã que passa, necessariamente, pelo diálogo, pela tolerância e pelo encontro com o diferente. Por isso, insisto tanto em me aproximar dos que me são distintos e com eles prezo pela comunhão.

Essa mesma disposição me dá, também, a liberdade de refletir sobre a realidade que é maior que meu quintal confessional.

A sociedade brasileira é, desde suas origens, marcada visceralmente pela Igreja Católica. Não dá para pensar a cultura nacional sem passar pelo aspecto religioso e ideológico marcado pelo clericalismo autoritário e pela liberdade da fé popular. Essa mescla paradoxal de magistério e sincretismo forjou o que somos e alcançou, inclusive, facetas de outras confissões religiosas. O que dizer, por exemplo, quando se vê na televisão os programas neo-pentecostais que tão bem dialogam com as religiões afro-brasileiras (mesmo que sob o código do combate e do proselitismo)? Ou pensar na lavagem das escadarias da igreja do Senhor do Bonfim? Isso é fruto de uma matriz cultural plural e profundamente relacional.

Recorro às palavras de um colega para concordar: “as novelas e os enlatados da Globo projetam um universo de difícil decifração para esse contingente, que, vindo dos extratos baixos das classes E e D, não dominam os códigos necessários à operação do relativismo cultural que impera no espírito de nossa época.” E acrescenta: “aliás, ao usar o termo Godspel, parece que a ‘Venus Platinada’ deixa uma porta aberta também aos Carismáticos (católicos). […]  Ambos, evangélicos pentecostais e carismáticos, adaptaram a religião cristã à estética do programa de auditório. A nova trindade agora é Silvio Santos, Faustão e Gugu!” (L. F. Tourinho)

O mesmo sentimento que tenho ao ver a Globo vendendo CDs evangélicos tenho em ver os padres da moda, com batas brilhantes, dançando em palcos iluminados e conclamando o povo a bater palma para Jesus.

Trata-se de uma infantilização banalizadora da fé e, mais do que nunca, um reforço sem igual do conservadorismo mais velhista que as instituições religiosas cultivaram ao longo dos séculos.

Se, por um lado, a aparência de “modernidade” encanta, por outro, esconde o rosto real de uma fé clerical, institucional e pouco evangélica de fato.

Como evangélico, não posso nunca deixar de protestar contra os desacertos da prática religiosa; como ecumênico, preciso dialogar, inclusive, sobre as mazelas da fé; mas, acima de tudo, por força de uma experiência teologal, não posso ignorar que a música gospel (evangélica ou católica) da atualidade é, sim, lamentavelmente, o uso indevido do nome de Deus!


Fonte: e-mail enviado pelo próprio autor - ricardo@lengruber.com.
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Televisão responde à ascensão de comunidades religiosas

NELSON DE SÁ
ARTICULISTA DA FOLHA


As redes parecem concordar em abrir as câmeras para padres e pastores, sem perder de vista os ganhos financeiros

Até os anos 80, não havia conflito: o catolicismo se confundia com a própria sociedade brasileira, e sua presença na programação das televisões, privadas e estatais, não era questionada.

No caso da Globo, o país assistia ao que a Arquidiocese do Rio programava por conta de suas relações com o presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho, não necessariamente com a empresa.

A Globo era aberta "a todas as religiões, era liberal", diz José Bonifácio de Oliveira Sobrinho [foto ao lado], o Boni, executivo que comandou as primeiras décadas da rede.
O privilégio à arquidiocese se devia "à ligação pessoal do doutor Roberto com dom Eugênio Salles", então cardeal-arcebispo.

Também na TV Cultura era assim. "Transmitíamos a Missa de Aparecida todo domingo, e nunca ninguém pôs em questão", afirma Roberto Muylaert [foto abaixo], ex-presidente da Fundação Padre Anchieta. "Era a coisa mais normal do mundo."

Com a ascensão das igrejas evangélicas e da ala carismática da Igreja Católica, ao longo das últimas décadas, o quadro mudou.

Num primeiro momento, a Globo se aproximou de Marcelo Rossi e de outros padres de São Paulo, que hoje produzem discos e livros de grande vendagem por meio da gravadora Som Livre e da editora Globo, empresas do grupo.

E mais recentemente se aproximou da música gospel, evangélica, também mantendo sob contrato parte dos artistas que participaram do festival Promessas no último fim de semana, organizado pela Globo no Rio e programado como especial de fim de ano, hoje.

Boni não vê problema na ampliação do espaço evangélico na programação da emissora. "A religião é do povo, é uma mudança de comportamento natural, e a Globo tem que acompanhar."

Mas os vínculos comerciais, tanto com carismáticos quanto com evangélicos, acabam por obscurecer a distinção que se fazia entre a Globo, por exemplo, e a Record, que dedica parte de sua programação à Igreja Universal.

Outras redes não fazem coisa muito diferente, vendendo programação para diferentes grupos evangélicos, carismáticos e outros.

ÁGUAS PASSADAS

Antes de chegar ao quadro atual, houve episódios de conflito aberto, como o "chute na santa" dado por um pastor, na Record, e a demonização de pastores pela teledramaturgia, na Globo - o mais recente em julho, antes da programação do Promessas.

Agora, todas as redes parecem concordar em abrir as câmeras para padres e pastores, sem perder de vista os ganhos financeiros. A cobertura do último sábado, no "Jornal Nacional", mostrou pastores que falavam no intervalo das músicas.

Os problemas surgem, agora, quando se resiste às igrejas, como na estatal TV Brasil, que tentou tirar os programas religiosos da programação e voltou atrás, sob pressão conjunta da Arquidiocese do Rio e do senador Marcelo Crivella, bispo licenciado da Universal.

Muylaert comenta que, por parte das igrejas, a estratégia já não difere mais daquela do mercado publicitário. 
"Quem tem mídia tem fé", ironiza.

Quanto mais propaganda, mais rebanho.

Fonte: Folha de S. Paulo - Ilustrada - Domingo, 18 de dezembro de 2011 - Pg. E4 - Internet: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/15579-televisao-responde-a-ascensao-de-comunidades-religiosas.shtml

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