«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

E a Igreja se fez show...

Cesar Kuzma *

Este artigo foi divulgado no ano passado, mas continua atual e merece ser refletido

Dia 19 de junho [de 2011], assisti a apresentação do Pe. Reginaldo Manzotti no "Domingão do Faustão". Com certeza, o Pe. Manzotti alcançou a fama que procurava há muito tempo e hoje se tornou tão conhecido como o Marcelo Rossi (a quem imitou e seguiu) e outros "midiáticos" da Igreja Católica no Brasil e, também, do mundo da música e do entretenimento. No entanto, tal apresentação me faz parar e refletir alguns pontos: 1) O que representa para a Igreja Católica atual uma personalidade assim? 2) O que ele traz de novo, ou se realmente ele traz algo novo? 3) Que imagem de Igreja estamos passando para a sociedade com uma pessoa assim e, obviamente, para a própria Igreja, hoje tão carente de formação? Cada um destes pontos merece uma análise profunda, que não faremos, a ideia é apenas uma breve reflexão sobre o assunto, crítica, mas respeitosa. 


O Documento  Lumen gentium do Concílio Vaticano II (1962-1965), que apresenta uma reflexão dogmática sobre a Igreja, destacando sua natureza e missão, começa assim: "Lumen gentium cum sit Christus", ou seja, a Igreja é luz para os povos assim como Cristo. Ser luz, no entanto, é transmitir a mensagem do Evangelho, na qual Cristo é a luz. A Igreja, que somos nós, não tem uma luz própria e não prega a si mesma e, consequentemente, não conduz as pessoas a si, pois ela não é o fim, o destino de todos. A Igreja é iluminada pela luz de Cristo, cujo Espírito a conduz. A Igreja, como "luz do mundo" anuncia Cristo e o seu Reino e conduz as pessoas a este fim, a este éschaton (destino último); assim ela é sinal e sacramento. Este mesmo documento apresenta-nos o papel dos batizados, que compõem a Igreja de Cristo, discernindo a sua vocação e missão. Isso fica claro quando ela nos remete a questão do serviço, um serviço ao Reino, a exemplo de Jesus, que na sua humildade e pequenez conduziu as pessoas à esperança num reino de amor, justiça e paz; um Jesus que declarou bem-aventurados os pobres e, a partir deles, iniciou o seu testemunho, fazendo-se pobre para de tudo nos libertar, sendo ponto de justiça, caminho e verdade. 


Preocupa-me saber o que representa o Pe. Manzotti [foto ao lado] para a Igreja e para a sociedade brasileira atual. Será que ele representa o seguimento de um Jesus pobre da Galileia, tão profundamente descrito nos Evangelhos, ou será que ele representa a si mesmo, diante do orgulho e da vaidade, pecado tão sutil aos membros da mídia, ou daqueles que são feitos ou produzidos por ela? Quem fez o Pe. Manzotti e a sua fama e o que ele representa? Será que ele representa a Igreja Católica ou representa as gravadoras e emissoras de rádio e TV em que atua? O Pe. Manzotti anuncia a "boa nova" do Evangelho ou anuncia a "sua boa nova", tão frágil e carente de conteúdo. Com certeza, o Pe. Manzotti não representa a Igreja que eu sigo e acredito, pois sua pregação, atuação e postura estão muito longe (mas longe mesmo!) do que entendo como proposta de seguimento, discipulado e missionariedade. Não falo apenas das letras de suas músicas (muitas delas, por sinal, com graves erros teológicos que educam o povo erroneamente); não falo das suas fotos sensuais nos álbuns dos CDs; não falo dessas situações, pois é pequeno demais e nem vale a pena; mas falo da postura, atuação e pregação que deve ter um cristão, quer ele seja um leigo, um religioso ou um padre, mas uma atuação de seguimento e de exemplo... Lumen gentium! É uma pena, pois um projeto de inculturação da fé deveria ser um serviço de integração com a sociedade e não uma maneira de ser refém desta, juntando seu capital, glamour e aparência. 


Uma Igreja que propõe discipulado e missionariedade com o Documento de Aparecida (2007) fica a mercê diante desta forma de "evangelizar". 


O que representa o Pe. Manzotti? Bem, certamente, representa a si mesmo e a sua imagem... É evidente que sua pregação não traz nada de novo, pois dentro de músicas modernas se esconde uma postura de Igreja fechada e clerical, que coloca o padre (o sacerdote, maneira como ele sempre se apresenta) em destaque diante dos fiéis. Antes tínhamos o padre que apenas rezava a sua missa, deixando o povo na expectativa, como alguém que sempre recebe. Agora temos o mesmo padre com suas vestes carregadas e pomposas (como de antigamente) tornando-se um cantor e animador de auditório em programas de televisão e em praças públicas pelo Brasil. Não negamos que a Igreja deva adotar uma nova postura diante da sociedade moderna e pós-moderna, de maneira a integrar mais as pessoas e seus novos problemas e questionamentos, acontece que posturas assim envolvem o povo em luzes e sons, transformando o altar num palco e a Eucaristia num show, totalmente oposto aos ensinamentos da Igreja e totalmente contraditório com a proposta de Jesus, que se tornou igual e semelhante ao seu povo e só assim pôde conduzi-los no caminho do Reino (Fl 2,6-9).


 O padre diz que não faz show, fico em dúvida, então, para saber o que ele faz... Um dos seus programas de televisão chama-se "evangeliza show", algo próximo ao "show da fé" de R. R. Soares. Há que se entender que Igreja não é show business. 


Quando a Igreja passa a ser show ela deixa de ser comunidade, ela deixa de ser o local onde as pessoas se reúnem para partilhar do mesmo pão, ao redor de uma mesma mesa, tornando-se um só, em Cristo. 
Quando a Igreja se torna show ela deixa de ter eclesialidade, pois tira dos seus membros a participação ativa diante de sua missão, pois ninguém se conhece, todos são "turistas religiosos" atrás de um cantor, que neste caso, também é padre. 

Quando a Igreja se torna show ela se distancia drasticamente da proposta do Evangelho de Jesus, que nasceu pobre numa estrebaria, que viveu pobre na Galiléia e que morreu pobre e sozinho numa cruz em Jerusalém. 


Mas alguém poderá dizer: mas ele fala tão bem, ele atrai tanta gente... Não nego que tenha méritos, e deve haver, mas questiono a forma e o modelo com que faz tais coisas. Até que ponto as pessoas seguem a Cristo e não o Padre? Até que ponto as pessoas vão à missa pelo Padre? Até que ponto as pessoas estão usando isso para um alimento pastoral e engajamento, e sim, para um aumento do individualismo e do culto ao "Eu-com-Deus", distanciando-se de uma proposta de Igreja de comunhão? Até que ponto a mensagem do Evangelho é atrair mais pessoas para a Igreja Católica (ou para outra Igreja)? Esta nunca foi a proposta de Jesus Cristo. 


Quando questionado pelo rico faturamento que seu projeto traz, ele rapidamente diz que o dinheiro é para o projeto "Evangelizar é preciso" e não para ele. Mas o que é este projeto, que não fazer a divulgação dos trabalhos, CDs, livros, shows e produtos do padre? Evangelizar é preciso, é claro, mas o que é mesmo evangelizar? Se evangelizar for montar um projeto milionário, se for ser amigo do governador do Estado, aliado de pessoas da elite social e fazer shows, gravar CDs e ter programas de televisão e rádio, acho que não sei mesmo o que é evangelizar. Se fosse assim, Jesus deveria ter começado a sua missão no palácio de Herodes, na casa de Caifás e Anás e ter um grande acordo com Pôncio Pilatos, ao invés de começar em uma aldeia de pescadores da Galiléia. Acho que tudo isso é importante e deve e pode ser feito, desde que o horizonte último seja Cristo e o seu Reino, desde que isso possa ser multiplicado nas pequenas coisas e exemplos do cotidiano. Num momento em que Igreja reflete a sua eclesiologia (sobre a Igreja) em tentativa de resgate a pequenas comunidades, menores e mais concentradas, mas com mais vigor e postura evangélica, tal postura do Pe. Manzotti vai contra este pleito. 


Preocupa-me saber que imagem nós estamos passando de Igreja, preocupa-me saber que Igreja nós estamos formando para nossos filhos e membros e que mensagem de Reino nós estamos passando à sociedade. Foi-se o tempo em que cantávamos na missa ou nos grupos sem nos preocupar de quem era a música ou o CD (disco ou cassete na época), foi-se o tempo de que as músicas religiosas tinham mais teor evangélico e mais coerências sociais (ainda encontramos isso no Pe. Zezinho e Zé Vicente e em alguns outros), foi-se o tempo em que pertencer a determinada comunidade trouxesse ao cristão uma identidade viva e coerente, capaz de ligar a comunidade à sua vida, e assim por diante. 


Há um crescimento do turismo religioso motivado por fenômenos como o Manzotti, mas um declínio de conteúdo e discernimento da fé. 
Parece que damos razão a nossos interlocutores críticos da religião como Marx que disse: "A religião é o ópio do povo". 
Quando a Igreja se faz show, vemos que Marx tinha razão, pois ao invés de libertar ela aliena, pois o aprisionamento religioso faz parte de sua postura ideológica. Lamentável! 


É lamentável entender que a Igreja Católica no Brasil hoje passa a ser representada por padres midiáticos como este, onde sua proposta de missão obedece mais aos interesses das gravadoras como "Som Livre" e outras do que a proposta do Evangelho. Esta representação deixa um Jesus de Nazaré pequeno, quase esquecido, diante das luzes que compõem o grande espetáculo. É triste entender e lembrar que no passado estávamos representados (e muito bem!) por pessoas como Dom Helder Câmara [foto ao lado] e tantos outros que deram a sua vida de fé em favor da paz, do amor e da justiça, testemunhas autênticas do Evangelho, e hoje, quem diria, somos representados por pessoas assim... É uma pena que pessoas tão importantes e atuantes pelas causas da Igreja só sejam reconhecidas depois de mortas em martírio,  esquecidos por nós (Igreja) e pela sociedade. É uma pena imensa que pessoas atuantes em pastorais sociais e em diversos movimentos sejam muitas vezes esquecidos pela Igreja ou punidos por ela  por defenderem a causa da justiça contra os ricos e poderosos; ricos e poderosos que sustentam esta estrutura piramidal e patrocinam "novas lideranças" como o Pe. Manzotti, que pela postura, servem a seus interesses. 


É triste dizer que a Igreja se fez show... 


* Cesar Kuzma [foto no alto] é teólogo leigo, católico, professor de Teologia da PUC/PR. Assessor em grupos e movimentos eclesiais.


Observação: os grifos e destaques são meus, não do autor do artigo. 


Fonte: InfoSBC (Informativo Sociedade Brasileira de Canonistas) - 22/07/2011 - 11h08 - Internet: http://www.infosbc.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=2003:e-a-igreja-se-fez-show-&catid=72:povo&Itemid=90

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