Papa fala aos cardeais: não devem fazer intrigas ou fofocas; não são uma corte
Agência Estado/Associated Press
Pontífice pediu aos 19 novos dignatários que evitem se comportar
como se estivessem em uma alta corte
como se estivessem em uma alta corte
Papa Francisco na Missa com os novos cardeais - Vaticano: 23/02/2014 |
O papa Francisco anunciou a seus novos cardeais neste domingo regras que equivalem a um código de conduta: "nada de intrigas, fofocas, pactos pelo poder e favoritismo". O pontífice também pediu aos 19 homens que ele elevou a cardeais um dia antes que evitem se comportar como se estivessem numa corte real.
Durante sua homilia na Basílica de São Pedro, Francisco disse aos cardeais para se esforçarem para "ser santos". Para isso, os aconselhou a simplesmente amar aqueles que os hostilizam, abençoar os que falam mal deles e "sorrir para aqueles que talvez não mereçam isso".
Defendendo a humildade, o papa tenta reformar a hierarquia católica, que é criticada por ser arrogante, egoísta, mesquinha e desagradável. Escândalos envolvendo suposta corrupção e jogos de poder mancharam a alta burocracia do Vaticano nos anos anteriores à eleição de Francisco, que aconteceu em março.
Ao se dirigir aos fiéis na Praça de São Pedro, Francisco foi interrompido por gritos e aplausos depois de dizer que os bispos, cardeais e o papa precisam ser "bons servos e não bons patrões" do povo de Deus.
Na medida em que seu papado se aproxima do primeiro ano, Francisco vem atraindo enormes multidões para sua tradicional aparição da janela do Palácio Apostólico. Neste domingo, dia frio e com muitos ventos, a praça estava lotada com dezenas de milhares de pessoas. A quantidade de gente era duas ou três vezes maior do que a que a atraída por seu antecessor, Bento 16, em ocasiões semelhantes.
Alguns dos novos cardeais instituídos por Papa Francisco |
Eis a homilia da Santa Missa com os novos cardeais, na Basílica Vaticana, neste domingo, 23 de fevereiro de 2014:
“A vossa ajuda, Pai misericordioso, sempre nos torne atentos à voz do Espírito” (Coleta).
Esta oração, pronunciada no início da Missa, convida-nos a uma atitude fundamental: a escuta do Espírito Santo, que vivifica a Igreja e a anima. Com a sua força criativa e renovadora, o Espírito sustenta sempre a esperança do povo de Deus que caminha na história, e sempre sustenta, como Paráclito, o testemunho dos cristãos. Neste momento, todos nós, juntamente com os novos Cardeais, queremos ouvir a voz do Espírito que nos fala através das Escrituras proclamadas.
Na primeira Leitura, ressoou este apelo do Senhor ao seu povo: «Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo» (Lv 19, 2). E faz-lhe eco, Jesus, no Evangelho: «Haveis, pois, de ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito» (Mt 5, 48). Estas palavras interpelam-nos a todos nós, discípulos do Senhor; e hoje são dirigidas especialmente a mim e a vós, queridos Irmãos Cardeais, de modo particular a vós que ontem começastes a fazer parte do Colégio Cardinalício. Imitar a santidade e a perfeição de Deus pode parecer uma meta inatingível; contudo, a primeira Leitura e o Evangelho sugerem os exemplos concretos para que o comportamento de Deus se torne a regra do nosso agir. Lembremo-nos, porém, todos nós…., lembremo-nos de que o nosso esforço, sem o Espírito Santo, seria vão! A santidade cristã não é, primariamente, obra nossa, mas fruto da docilidade – deliberada e cultivada – ao Espírito do Deus três vezes Santo.
O Levítico diz: «Não odieis um irmão vosso no íntimo do coração (…). Não vos vingueis; não guardeis rancor (…). Amai o vosso próximo» (19, 17-18). Estas atitudes nascem da santidade de Deus. Nós, porém, habitualmente somos tão diferentes, tão egoístas e orgulhosos… e no entanto a bondade e a beleza de Deus atraem-nos, e o Espírito Santo pode purificar-nos, pode transformar-nos, pode moldar-nos dia após dia. Fazer este trabalho de conversão, conversão no coração, conversão que todos nós – especialmente vós, Cardeais, e eu – devemos fazer. Conversão!
No Evangelho, também Jesus nos fala da santidade e explica a nova lei – a sua. Fá-lo através de algumas antíteses entre a justiça imperfeita dos escribas e fariseus e a justiça superior do Reino de Deus. A primeira antítese do texto de hoje tem a ver com a vingança. «Ouvistes que foi dito aos antigos: “Olho por olho e dente por dente”. Pois Eu digo-vos: (…) se alguém te bater na face direita, apresenta-lhe também a outra» (Mt 5, 38-39). Não só não devemos restituir ao outro o mal que nos fez, mas havemos também de esforçar-nos por fazer o bem magnanimamente.
A segunda antítese refere-se aos inimigos: «Ouvistes que foi dito: “Hás-de amar o teu próximo e odiar o teu inimigo”. Pois Eu digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem» (5, 43-44). A quem quer segui-Lo, Jesus pede para amar a pessoa que não o merece, sem retribuição, a fim de preencher as lacunas de amor que há nos corações, nas relações humanas, nas famílias, nas comunidades e no mundo. Irmãos Cardeais, Jesus não veio para nos ensinar as boas maneiras, as cortesias; para isso, não era preciso que descesse do Céu e morresse na cruz. Cristo veio para nos salvar, para nos mostrar o caminho, o único caminho de saída das areias movediças do pecado, e este caminho de santidade é a misericórdia, aquela que Ele usou e usa cada dia con nosco. Ser santo não é um luxo, é necessário para a salvação do mundo. Isto é o que Senhor nos pede.
Queridos Irmãos Cardeais, o Senhor Jesus e a mãe Igreja pedem-nos para testemunharmos, com maior zelo e ardor, estas atitudes de santidade. É precisamente neste suplemento de oblatividade gratuita que consiste a santidade de um Cardeal. Por conseguinte, amemos aqueles que nos são hostis; abençoemos quem fala mal de nós; saudemos com um sorriso a quem talvez não o mereça; não aspiremos a fazer-nos valer, mas oponhamos a mansidão à prepotência; esqueçamos as humilhações sofridas. Deixemo-nos guiar sempre pelo Espírito de Cristo: Ele sacrificou-Se a Si próprio na cruz, para podermos ser «canais» por onde passa a s ua caridade. Este é o comportamento, esta deve ser a conduta de um Cardeal. O Cardeal – digo-o especialmente a vós – entra na Igreja de Roma, Irmãos, não entra numa corte. Evitemos todos – e ajudemo-nos mutuamente a evitar – hábitos e comportamentos de corte: intrigas, críticas, facções, favoritismos, preferências. A nossa linguagem seja a do Evangelho: «Sim, sim; não, não»; as nossas atitudes, as das bem-aventuranças; e o nosso caminho, o da santidade. Rezemos mais uma vez: “A vossa ajuda, Pai misericordioso, sempre nos torne atentos à voz do Espírito”.
O Espírito Santo fala-nos , hoje, também através das palavras de São Paulo: «Sois templo de Deus (…); o templo de Deus é santo, e esse templo sois vós» (1 Cor 3, 16-17). Neste templo que somos nós, celebra-se uma liturgia existencial: a da bondade, do perdão, do serviço; numa palavra, a liturgia do amor. Este nosso templo fica de certo modo profanado, quando descuidamos os deveres para com o próximo: quando no nosso coração encontra lugar o menor dos nossos irmãos, é o próprio Deus que aí encontra lugar; e, quando se deixa fora aquele irmão, é o próprio Deus que não é acolhido. Um coração vazio de amor é como uma igreja dessacralizada, subtraída ao serviço de Deus e destinada a outro fim.
Queridos Irmãos Cardeais, permaneçamos unidos em Cristo e entre nós! Peço-vos que me acompanheis de perto, com a oração, o conselho, a colaboração. E todos vós, bispos, presbíteros, diáconos, pessoas consagradas e leigos, uni-vos na invocação do Espírito Santo, para que o Colégio dos Cardeais seja cada vez mais inflamado de caridade pastoral, cada vez mais cheio de santidade, para servir o Evangelho e ajudar a Igreja a irradiar pelo mundo o amor de Cristo.
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