Papa Francisco: Mensagem para a Quaresma de 2014
O convite aos cristãos para
testemunharem sua fé por meio da convivência comunitária é feito pelo
papa Francisco em sua mensagem para o Quaresma 2014, que terá início no
dia 05 de março, Quarta-feira de Cinzas. O texto divulgado pelo
Vaticano, nesta terça-feira, 4, apresenta algumas reflexões chamadas
pelo de “caminho pessoal e comunitário de conversão”.
“O Evangelho é o verdadeiro antídoto
contra a miséria espiritual: o cristão é chamado a levar a todo o
ambiente o anúncio libertador de que existe o perdão do mal cometido, de
que Deus é maior que o nosso pecado e nos ama gratuitamente e sempre, e
de que estamos feitos para a comunhão e a vida eterna. O Senhor
convida-nos a sermos jubilosos anunciadores desta mensagem de
misericórdia e esperança”, disse o papa Francisco. Confira a íntegra da
mensagem:
Fez-Se pobre, para nos enriquecer com a sua pobreza (cf. 2Cor 8,9)
Queridos irmãos e irmãs!
Por ocasião da Quaresma, ofereço-vos algumas reflexões com a
esperança de que possam servir para o caminho pessoal e comunitário de
conversão. Como motivo inspirador tomei a seguinte frase de São Paulo:
«Conheceis bem a bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico,
Se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza» (2Cor 8,9). O Apóstolo escreve aos cristãos de Corinto encorajando-os a serem
generosos na ajuda aos fiéis de Jerusalém que passam necessidade. A nós,
cristãos de hoje, que nos dizem estas palavras de São Paulo? Que nos
diz, hoje, a nós, o convite à pobreza, a uma vida pobre em sentido
evangélico?
A graça de Cristo
Tais palavras dizem-nos, antes de mais nada, qual é o estilo de
Deus. Deus não Se revela através dos meios do poder e da riqueza do
mundo, mas com os da fragilidade e da pobreza: «sendo rico, Se fez pobre
por vós». Cristo, o Filho eterno de Deus, igual ao Pai em poder e
glória, fez-Se pobre; desceu ao nosso meio, aproximou-Se de cada um de
nós; despojou-Se, «esvaziou-Se», para Se tornar em tudo semelhante a nós
(cf. Flp 2,7; Hb 4,15). A encarnação de Deus é um grande mistério.
Mas, a razão de tudo isso é o amor divino: um amor que é graça,
generosidade, desejo de proximidade, não hesitando em doar-Se e
sacrificar-Se pelas suas amadas criaturas. A caridade, o amor é
partilhar, em tudo, a sorte do amado. O amor torna semelhante, cria
igualdade, abate os muros e as distâncias. Foi o que Deus fez conosco.
Na realidade, Jesus «trabalhou com mãos humanas, pensou com uma
inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração
humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-Se verdadeiramente um de nós,
semelhante a nós em tudo, excepto no pecado» (CONC. ECUM. VAT. II,
Const. past. Gaudium et spes, 22).
A finalidade de Jesus ao Se fazer pobre não foi a pobreza em si mesma,
mas – como diz São Paulo – «para vos enriquecer com a sua pobreza». Não
se trata dum jogo de palavras, duma frase sensacional. Pelo contrário, é
uma síntese da lógica de Deus: a lógica do amor, a lógica da Encarnação
e da Cruz. Deus não fez cair do alto a salvação sobre nós, como a
esmola de quem dá parte do próprio supérfluo com piedade filantrópica.
Não é assim o amor de Cristo! Quando Jesus desce às águas do Jordão e
pede a João Batista para O batizar, não o faz porque tem necessidade de
penitência, de conversão; mas fá-lo para se colocar no meio do povo
necessitado de perdão, no meio de nós pecadores, e carregar sobre Si o
peso dos nossos pecados. Este foi o caminho que Ele escolheu para nos
consolar, salvar, libertar da nossa miséria. Faz impressão ouvir o
Apóstolo dizer que fomos libertados, não por meio da riqueza de Cristo,
mas por meio da sua pobreza. E todavia São Paulo conhece bem a
«insondável riqueza de Cristo» (Ef 3,8), «herdeiro de todas as coisas»
(Hb 1,2).
Em que consiste então esta pobreza com a qual Jesus nos liberta e
torna ricos? É precisamente o seu modo de nos amar, o seu aproximar-Se
de nós como fez o Bom Samaritano com o homem abandonado meio morto na
beira da estrada (cf. Lc 10, 25-37). Aquilo que nos dá verdadeira
liberdade, verdadeira salvação e verdadeira felicidade é o seu amor de
compaixão, de ternura e de partilha. A pobreza de Cristo, que nos
enriquece, é Ele fazer-Se carne, tomar sobre Si as nossas fraquezas, os
nossos pecados, comunicando-nos a misericórdia infinita de Deus. A
pobreza de Cristo é a maior riqueza: Jesus é rico de confiança ilimitada
em Deus Pai, confiando-Se a Ele em todo o momento, procurando sempre e
apenas a sua vontade e a sua glória. É rico como o é uma criança que se
sente amada e ama os seus pais, não duvidando um momento sequer do seu
amor e da sua ternura. A riqueza de Jesus é Ele ser o Filho: a sua
relação única com o Pai é a prerrogativa soberana deste Messias pobre.
Quando Jesus nos convida a tomar sobre nós o seu «jugo suave» (cf. Mt
11,30), convida-nos a enriquecer-nos com esta sua «rica pobreza» e
«pobre riqueza», a partilhar com Ele o seu Espírito filial e fraterno, a
tornar-nos filhos no Filho, irmãos no Irmão Primogênito (cf. Rm 8,29).
Foi dito que a única verdadeira tristeza é não sermos santos (Léon
Bloy); poder-se-ia dizer também que só há uma verdadeira miséria: é não
viver como filhos de Deus e irmãos de Cristo.
O nosso testemunho
Poderíamos pensar que este «caminho» da pobreza fora o de Jesus,
mas não o nosso: nós, que viemos depois d'Ele, podemos salvar o mundo
com meios humanos adequados. Isto não é verdade. Em cada época e lugar,
Deus continua a salvar os homens e o mundo por meio da pobreza de
Cristo, que Se faz pobre nos Sacramentos, na Palavra e na sua Igreja,
que é um povo de pobres. A riqueza de Deus não pode passar através da
nossa riqueza, mas sempre e apenas através da nossa pobreza, pessoal e
comunitária, animada pelo Espírito de Cristo.
À imitação do nosso Mestre, nós, cristãos, somos chamados a ver as
misérias dos irmãos, a tocá-las, a ocupar-nos delas e a trabalhar
concretamente para as aliviar. A miséria não coincide com a pobreza; a
miséria é a pobreza sem confiança, sem solidariedade, sem esperança.
Podemos distinguir três tipos de miséria:
- a miséria material,
- a miséria moral e
- a miséria espiritual.
O nosso compromisso orienta-se também para fazer com que cessem no
mundo as violações da dignidade humana, as discriminações e os abusos,
que, em muitos casos, estão na origem da miséria. Quando o poder, o luxo
e o dinheiro se tornam ídolos, acabam por se antepor à exigência duma
distribuição equitativa das riquezas. Portanto, é necessário que as
consciências se convertam à justiça, à igualdade, à sobriedade e à
partilha.
[2] Não menos preocupante é a miséria moral, que consiste em tornar-se
escravo do vício e do pecado. Quantas famílias vivem na angústia, porque
algum dos seus membros – frequentemente jovem – se deixou subjugar pelo
álcool, pela droga, pelo jogo, pela pornografia! Quantas pessoas
perderam o sentido da vida; sem perspectivas de futuro, perderam a
esperança! E quantas pessoas se veem constrangidas a tal miséria por
condições sociais injustas, por falta de trabalho que as priva da
dignidade de poderem trazer o pão para casa, por falta de igualdade nos
direitos à educação e à saúde. Nestes casos, a miséria moral pode-se
justamente chamar um suicídio incipiente.
[3] Esta forma de miséria, que é
causa também de ruína econômica, anda sempre associada com a miséria
espiritual, que nos atinge quando nos afastamos de Deus e recusamos o
seu amor. Se julgamos não ter necessidade de Deus, que em Cristo nos dá a
mão, porque nos consideramos autossuficientes, vamos a caminho da
falência. O único que verdadeiramente salva e liberta é Deus.
O Evangelho é o verdadeiro antídoto contra a miséria espiritual: o
cristão é chamado a levar a todo o ambiente o anúncio libertador de que
existe o perdão do mal cometido, de que Deus é maior que o nosso pecado e
nos ama gratuitamente e sempre, e de que estamos feitos para a comunhão
e a vida eterna. O Senhor convida-nos a sermos jubilosos anunciadores
desta mensagem de misericórdia e esperança. É bom experimentar a alegria
de difundir esta boa nova, partilhar o tesouro que nos foi confiado
para consolar os corações dilacerados e dar esperança a tantos irmãos e
irmãs imersos na escuridão. Trata-se de seguir e imitar Jesus, que foi
ao encontro dos pobres e dos pecadores como o pastor à procura da ovelha
perdida, e fê-lo cheio de amor. Unidos a Ele, podemos corajosamente
abrir novas vias de evangelização e promoção humana.
Queridos irmãos e irmãs, possa este tempo de Quaresma encontrar a
Igreja inteira pronta e solícita para testemunhar, a quantos vivem na
miséria material, moral e espiritual, a mensagem evangélica, que se
resume no anúncio do amor do Pai misericordioso, pronto a abraçar em
Cristo toda a pessoa. E poderemos fazê-lo na medida em que estivermos
configurados com Cristo, que Se fez pobre e nos enriqueceu com a sua
pobreza.
A Quaresma é um tempo propício para o despojamento; e far-nos-á
bem questionar-nos acerca do que nos podemos privar a fim de ajudar e
enriquecer a outros com a nossa pobreza. Não esqueçamos que a verdadeira
pobreza dói: não seria válido um despojamento sem esta dimensão
penitencial. Desconfio da esmola que não custa nem dói.
Pedimos a graça do Espírito Santo que nos permita ser «tidos por
pobres, nós que enriquecemos a muitos; por nada tendo e, no entanto,
tudo possuindo» (2Cor 6,10). Que Ele sustente estes nossos propósitos e
reforce em nós a atenção e solicitude pela miséria humana, para nos
tornarmos misericordiosos e agentes de misericórdia. Com estes votos,
asseguro a minha oração para que cada crente e cada comunidade eclesial
percorra frutuosamente o itinerário quaresmal, e peço-vos que rezeis por
mim. Que o Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos guarde!
Vaticano, 26 de Dezembro de 2013
Festa de Santo Estêvão, diácono e protomártir.
Francisco
Fonte: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB - Terça-feira, 4 de fevereiro de 2014 - 16h16 - Internet: clique aqui.
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COMENTÁRIO
“Quantas pessoas perderam o sentido da vida, estão privadas de perspectivas para o futuro e perderam a esperança”. É o que escreve o Papa Francisco, em sua primeira mensagem para a Quaresma, apresentada nesta terça-feira no Vaticano. Um texto em que Bergoglio, entre outras coisas, descreve “três tipos de miséria”: material, moral (que “poderia ser chamada de suicídio incipiente”, porque muitas vezes é provocada pela falta de trabalho, saúde e educação) e espiritual. Francisco convida os fiéis para considerar este período que precede a Páscoa como um tempo “adequado para despojar-se”.
Jorge Mario Bergoglio explica, na breve mensagem, que se inspirou em uma expressão usada por São Paulo na Segunda Carta aos Coríntios. “Com efeito, conheceis a generosidade de nosso Senhor Jesus Cristo, que por causa de vós se fez pobre, embora fosse rico, para vos enriquecer com a sua pobreza” (2 Cor 8,9). A mensagem intitula-se, de fato, “Fez-se pobre para nos enriquecer com a sua pobreza”. Por isso, o Papa se pergunta: “O que dizem estas palavras de São Paulo aos cristãos de hoje? O que diz o convite à pobreza, a uma vida pobre no sentido evangélico, hoje?”
Em primeiro lugar, explica o Papa, o “amor torna semelhante, cria igualdade, derruba os muros e as distâncias. Foi o que Deus fez conosco”. Mas o Papa também indica que “Deus não fez cair do alto a salvação sobre nós, como a esmola de quem dá parte do próprio supérfluo com aparente piedade filantrópica”. Entre os argumentos enfrentados pelo Pontífice, há muitos que se relacionam com o compromisso social. No segundo parágrafo da mensagem (“Nosso testemunho”) Jorge Mario Bergoglio diz que seria errado pensar que “o caminho da pobreza” seja exclusivo de Jesus, pois nós viemos depois d’Ele e poderíamos “salvar o mundo com meios humanos adequados. Isso não é verdade. Em cada época e lugar, Deus segue salvando os homens e salvando o mundo mediante a pobreza de Cristo, que se faz pobre nos Sacramentos”. A riqueza de Deus, destaca o Papa, “não pode passar através da nossa riqueza, mas sempre e somente através da nossa pobreza, pessoal e comunitária, animada pelo Espírito de Cristo”.
E neste ponto do texto Bergoglio distingue três tipos de miséria: material, moral e espiritual. A miséria material, ou o que habitualmente chamamos de “pobreza”, “atinge todos aqueles que vivem em uma condição que não é digna da pessoa humana: privados de seus direitos fundamentais e dos bens de primeira necessidade como a alimentação, a água, as condições higiênicas, o trabalho, a possibilidade de desenvolvimento e crescimento cultural. Perante esta miséria a Igreja oferece seu serviço, sua diakonia, para responder às necessidades e curar estas feridas que deturpam o rosto da humanidade”.
Segundo o Papa, “quando o poder, o luxo e o dinheiro se convertem em ídolos, antepõem-se à exigência de uma distribuição equitativa das riquezas. Portanto, é necessário que as consciências se convertam à justiça, à igualdade, à sobriedade e à partilha”. Mas, não menos preocupante é a miséria moral, que consiste em converter-se em escravos do vício e do pecado. “Quantas pessoas perderam o sentido da vida, estão privadas de perspectivas para o futuro e perderam a esperança! E quantas pessoas veem-se constrangidas a tal miséria por condições sociais injustas, por falta de trabalho que as priva da dignidade de trazerem o pão para casa, por falta de igualdade em relação aos direitos à educação e à saúde. Nestes casos, a miséria moral bem poderia ser chamada de suicídio incipiente”. Esta forma de miséria, indica Bergoglio, “que também é causa de ruína econômica, anda sempre associada à miséria espiritual, que nos atinge quando nos afastamos de Deus e recusamos seu amor. Se consideramos que não necessitamos de Deus, que em Cristo nos estende a mão, porque pensamos que nos bastamos a nós mesmos, nos encaminhamos pelo caminho do fracasso”. E diante desta realidade, recorda o Papa Francisco, “o Evangelho é o verdadeiro antídoto contra a miséria espiritual: o cristão é chamado a levar a todo o ambiente o anúncio libertador de que existe o perdão do mal cometido, de que Deus é maior que o nosso pecado e nos ama gratuitamente e sempre, e de que somos feitos para a comunhão e a vida eterna”.
Ao final da mensagem o Papa convida para “que este tempo de Quaresma encontre toda a Igreja pronta e solícita para testemunhar, a quantos vivem na miséria material, moral e espiritual, a mensagem evangélica, que se resume no anúncio do amor do Pai misericordioso, pronto para abraçar em Cristo cada pessoa. Poderemos fazê-lo na medida em que estivermos conformados com Cristo, que se fez pobre e nos enriqueceu com sua pobreza”. Por isso, “a Quaresma é um tempo adequado para despojar-se; e far-nos-á bem perguntar-nos de que nos podemos privar a fim de ajudar e enriquecer outros com a nossa pobreza. Não esqueçamos que a verdadeira pobreza dói: não seria válido um despojamento sem esta dimensão penitencial. Desconfio da esmola que não custa nem dói”.
A mensagem do Papa foi apresentada na Sala de Imprensa vaticana pelo cardeal Robert Sarah, presidente do Pontifício Conselho Cor Unum, pelo mons. Giampietro Dal Toso e pelo mons. Segundo Tejado Muños, respectivamente secretário e subsecretário do mesmo dicastério caritativo. Além disso, estiveram presentes Davide Dotta e Anna Zumbo, missionários da Cáritas italiana que durante três anos trabalharam no Haiti, e seus filhos. “O Papa soube mostrar que o Haiti está em seu coração – disse Anna Zumbo – e representa uma grandiosa ocasião de renovação da Igreja haitiana”. O cardeal Sarah, por sua vez, explicou a mensagem do Papa Francisco da seguinte maneira: “Não pensemos em tranquilizar as nossas consciências burguesas – quer dizer o Papa – denunciando a falta de bens ou a pobreza como um sistema... A mensagem da Quaresma que hoje apresentamos faz uma distinção importante entre a pobreza e a miséria. Não é a pobreza, que é uma atitude evangélica, mas a miséria que queremos combater”.
Além disso, o Vaticano anunciou, há algumas semanas, que para esta Quaresma o Papa decidiu que o tradicional retiro espiritual não será feito no Vaticano, mas, entre os dias 09 e 14 de março, em Albano, na Casa Divino Mestre dos Paulinos. Os exercícios serão pregados e dirigidos pelo padre Angelo De Donatis, pároco de San Marco al Campidoglio.
Tradução de André Langer.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014 - Internet: clique aqui.
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COMENTÁRIO
O Papa, a Quaresma e o antídoto contra toda miséria
Iacopo Scaramuzzi
Vatican Insider
04-02-2014
Cardeal Robert Sarah - apresentou a Mensagem de Quaresma |
“Quantas pessoas perderam o sentido da vida, estão privadas de perspectivas para o futuro e perderam a esperança”. É o que escreve o Papa Francisco, em sua primeira mensagem para a Quaresma, apresentada nesta terça-feira no Vaticano. Um texto em que Bergoglio, entre outras coisas, descreve “três tipos de miséria”: material, moral (que “poderia ser chamada de suicídio incipiente”, porque muitas vezes é provocada pela falta de trabalho, saúde e educação) e espiritual. Francisco convida os fiéis para considerar este período que precede a Páscoa como um tempo “adequado para despojar-se”.
Jorge Mario Bergoglio explica, na breve mensagem, que se inspirou em uma expressão usada por São Paulo na Segunda Carta aos Coríntios. “Com efeito, conheceis a generosidade de nosso Senhor Jesus Cristo, que por causa de vós se fez pobre, embora fosse rico, para vos enriquecer com a sua pobreza” (2 Cor 8,9). A mensagem intitula-se, de fato, “Fez-se pobre para nos enriquecer com a sua pobreza”. Por isso, o Papa se pergunta: “O que dizem estas palavras de São Paulo aos cristãos de hoje? O que diz o convite à pobreza, a uma vida pobre no sentido evangélico, hoje?”
Em primeiro lugar, explica o Papa, o “amor torna semelhante, cria igualdade, derruba os muros e as distâncias. Foi o que Deus fez conosco”. Mas o Papa também indica que “Deus não fez cair do alto a salvação sobre nós, como a esmola de quem dá parte do próprio supérfluo com aparente piedade filantrópica”. Entre os argumentos enfrentados pelo Pontífice, há muitos que se relacionam com o compromisso social. No segundo parágrafo da mensagem (“Nosso testemunho”) Jorge Mario Bergoglio diz que seria errado pensar que “o caminho da pobreza” seja exclusivo de Jesus, pois nós viemos depois d’Ele e poderíamos “salvar o mundo com meios humanos adequados. Isso não é verdade. Em cada época e lugar, Deus segue salvando os homens e salvando o mundo mediante a pobreza de Cristo, que se faz pobre nos Sacramentos”. A riqueza de Deus, destaca o Papa, “não pode passar através da nossa riqueza, mas sempre e somente através da nossa pobreza, pessoal e comunitária, animada pelo Espírito de Cristo”.
E neste ponto do texto Bergoglio distingue três tipos de miséria: material, moral e espiritual. A miséria material, ou o que habitualmente chamamos de “pobreza”, “atinge todos aqueles que vivem em uma condição que não é digna da pessoa humana: privados de seus direitos fundamentais e dos bens de primeira necessidade como a alimentação, a água, as condições higiênicas, o trabalho, a possibilidade de desenvolvimento e crescimento cultural. Perante esta miséria a Igreja oferece seu serviço, sua diakonia, para responder às necessidades e curar estas feridas que deturpam o rosto da humanidade”.
Segundo o Papa, “quando o poder, o luxo e o dinheiro se convertem em ídolos, antepõem-se à exigência de uma distribuição equitativa das riquezas. Portanto, é necessário que as consciências se convertam à justiça, à igualdade, à sobriedade e à partilha”. Mas, não menos preocupante é a miséria moral, que consiste em converter-se em escravos do vício e do pecado. “Quantas pessoas perderam o sentido da vida, estão privadas de perspectivas para o futuro e perderam a esperança! E quantas pessoas veem-se constrangidas a tal miséria por condições sociais injustas, por falta de trabalho que as priva da dignidade de trazerem o pão para casa, por falta de igualdade em relação aos direitos à educação e à saúde. Nestes casos, a miséria moral bem poderia ser chamada de suicídio incipiente”. Esta forma de miséria, indica Bergoglio, “que também é causa de ruína econômica, anda sempre associada à miséria espiritual, que nos atinge quando nos afastamos de Deus e recusamos seu amor. Se consideramos que não necessitamos de Deus, que em Cristo nos estende a mão, porque pensamos que nos bastamos a nós mesmos, nos encaminhamos pelo caminho do fracasso”. E diante desta realidade, recorda o Papa Francisco, “o Evangelho é o verdadeiro antídoto contra a miséria espiritual: o cristão é chamado a levar a todo o ambiente o anúncio libertador de que existe o perdão do mal cometido, de que Deus é maior que o nosso pecado e nos ama gratuitamente e sempre, e de que somos feitos para a comunhão e a vida eterna”.
Ao final da mensagem o Papa convida para “que este tempo de Quaresma encontre toda a Igreja pronta e solícita para testemunhar, a quantos vivem na miséria material, moral e espiritual, a mensagem evangélica, que se resume no anúncio do amor do Pai misericordioso, pronto para abraçar em Cristo cada pessoa. Poderemos fazê-lo na medida em que estivermos conformados com Cristo, que se fez pobre e nos enriqueceu com sua pobreza”. Por isso, “a Quaresma é um tempo adequado para despojar-se; e far-nos-á bem perguntar-nos de que nos podemos privar a fim de ajudar e enriquecer outros com a nossa pobreza. Não esqueçamos que a verdadeira pobreza dói: não seria válido um despojamento sem esta dimensão penitencial. Desconfio da esmola que não custa nem dói”.
A mensagem do Papa foi apresentada na Sala de Imprensa vaticana pelo cardeal Robert Sarah, presidente do Pontifício Conselho Cor Unum, pelo mons. Giampietro Dal Toso e pelo mons. Segundo Tejado Muños, respectivamente secretário e subsecretário do mesmo dicastério caritativo. Além disso, estiveram presentes Davide Dotta e Anna Zumbo, missionários da Cáritas italiana que durante três anos trabalharam no Haiti, e seus filhos. “O Papa soube mostrar que o Haiti está em seu coração – disse Anna Zumbo – e representa uma grandiosa ocasião de renovação da Igreja haitiana”. O cardeal Sarah, por sua vez, explicou a mensagem do Papa Francisco da seguinte maneira: “Não pensemos em tranquilizar as nossas consciências burguesas – quer dizer o Papa – denunciando a falta de bens ou a pobreza como um sistema... A mensagem da Quaresma que hoje apresentamos faz uma distinção importante entre a pobreza e a miséria. Não é a pobreza, que é uma atitude evangélica, mas a miséria que queremos combater”.
Além disso, o Vaticano anunciou, há algumas semanas, que para esta Quaresma o Papa decidiu que o tradicional retiro espiritual não será feito no Vaticano, mas, entre os dias 09 e 14 de março, em Albano, na Casa Divino Mestre dos Paulinos. Os exercícios serão pregados e dirigidos pelo padre Angelo De Donatis, pároco de San Marco al Campidoglio.
Tradução de André Langer.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014 - Internet: clique aqui.
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