«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 2 de março de 2014

A FALSIDADE NO DIVÃ

Entrevista com José María Martínez Selva

Antonio Gonçalves Filho

No livro "A Grande Mentira", psicólogo analisa de Nixon ao Nobel Günter Grass
Dr. José María Martínez Selva - psicólogo espanhol

De Nixon ao escritor alemão Günter Grass, Nobel de Literatura, que confessou, em 2006, ter pertencido à Waffen-SS nazista, passando pelo francês Jean-Claude Roman, que enganou a família ao fingir ser por médico de uma organização internacional, matando os pais, mulher e filhos para não ter de contar a verdade, o mundo está cheio de mentirosos. Em seu livro A Grande Mentira, lançado pela editora Perspectiva, o psicólogo espanhol José María Martínez Selva explora esses e outros casos de intelectuais, políticos, esportistas e jornalistas que engaram o público para obter vantagens – ou simplesmente conquistar o afeto das pessoas.
Em entrevista ao Caderno 2, o psicólogo fala de Günter Grass, de Jean-Claude Roman e do mitômano Enric Marco, que simulou ter passado por um campo de concentração nazista, todos obrigados a confessar suas grandes mentiras em busca de redenção. Diz ainda que políticos mentem com maior facilidade por depender da simpatia alheia, alertando que existem mentirosos compulsivos mais perigosos, que afetam e causam danos à sociedade em que vivem. 
A mitomania afeta pessoas com um nível de autoestima baixo. Existem outros traços específicos de personalidade que caracterizem os mitômanos?
José María M. Selva: A mitomania é um termo genérico, que se pode definir como uma tendência incontrolável a mentir, e pode surgir sem estar associada a desvios de personalidade. Um traço específico de personalidade com frequência associado à mentira compulsiva é a psicopatia. O psicopata usa a mentira para conseguir de sua vítima aquilo que deseja: dinheiro, sexo, poder, influência social. Isso sem esquecer que há psicopatas que empregam uma sinceridade brutal para ofender ou causar danos.
O objetivo dos mitômanos é ser sempre o centro da atenção. Existem outras razões tão fortes para que a pessoa se converta em mitômana?
Selva: Uma pessoa pode começar a mentir e virar mitômana por outras razões. Por exemplo, para evitar um castigo por algo errado que fez, para não ser despedida do emprego ou para evitar a perda de afeto do outro. A necessidade de fazer parte de um grupo e ser aceito, muito forte entre adolescentes, pode levar alguém a mentir para se sentir importante ou merecedor de integrar um grupo. Outras vezes se mente para manipular o outro – ou outros. Se uma pessoa observa que sua conduta mentirosa obtém êxito, pode acontecer que ela continue levando a cabo esse costume com outras pessoas e em outras situações. Na maior parte dos casos, quem está ao lado do mentiroso se dá conta da mentira, atraindo para ele graves danos em suas relações pessoais. Seus amigos não o levam mais a sério e sua companheira o abandona, por exemplo.
Em 2005, o mitômano Enric Marco afirmou ter estado no campo de concentração de Flossenbürg sem nunca ter ao menos passado perto dele. Por que mitômanos como Enric Marco gostam de enganar as pessoas?
Selva: O caso Enric Marco é especial porque ele não é o tipo de mitômano fabulador, mas um mitômano que quis se aproveitar dos demais para conseguir uma posição melhor, mais poder ou influência. É uma fraude intencional, não uma fabulação, relacionada com psicopatologia. Ao ser descoberto, Marco reconheceu seu erro, deu justificativas ideológicas baseadas em perseguir e condenar o nazismo e, finalmente, se arrependeu. Ele fez uso instrumental da mentira em sua vida sindical e política.
Onde está a fronteira entre a mentira considerada normal e a mentira patológica?
Selva: Na mentira patológica habitual, a pessoa não controla seu comportamento, é incapaz de deixar de mentir. Mente sempre que pode. Isso lhe causa problemas, arruína sua vida social e pode provocar angústia, além de rejeição por parte dos demais. O limite mostra-se quando a pessoa não pode levar adiante seu trabalho ou a vida familiar. Às vezes o quadro é angustiante. A pessoa sofre demais por sua falta de controle. Outros casos de mentira patológica são menos frequentes e mais graves, como a “pseudologia fantástica”, transtorno histriônico de personalidade conhecido como “síndrome de Münchhausen”.
No caso do Nobel de literatura Günter Grass, a mentira que tentou forjar uma outra identidade levou o escritor a acreditar, inclusive, nessa nova vida, renegando a passada, que só recentemente ele teve coragem de revelar, a de um oficial a serviço do nazismo. Como explicar Grass?
Selva: A mentira de Grass foi mais de ocultação que a criação de uma nova identidade. É frequente entre pessoas que desejam esconder acontecimentos do passado que possam prejudicar seu status social, profissional, econômico ou mesmo seu poder. As circunstâncias que tornaram o episódio especial foi o fato de Grass ser um escritor famoso e uma referência da esquerda a nível global – e tudo isso se agrava por ele ter protelado por tanto tempo a revelação de seu passado. Em princípio, trata-se de um homem recrutado compulsoriamente a lutar como oficial da SS. Se não fosse alguém tão importante como Grass ou tivesse uma ideologia tão marcada, não teria provocado tanta revolta. Penso que ele omitiu esse fato por várias razões: vergonha, culpa e também por medo da rejeição social. Havia muito em jogo, o que explica porque ele demorou tanto para revelar a verdade.
Um caso famoso de mitomania é o do médico Jean-Claude Roman, que não perseguia um benefício financeiro, mas desfrutar de prestígio, fingindo para a família que ia trabalhar todos os dias. Como explicar esse comportamento reiterativo? Por que é difícil para um mitômano começar um tratamento?
Selva: Além de desfrutar prestígio social e econômico, esconde-se atrás desse comportamento algo ainda mais inquietante. Vistos em perspectiva, os graves crimes que cometeu e a forma com que se aproveitou das pessoas definem um caso de psicopatia. Não há tratamento para a psicopatia. Temos que evitar os psicopatas, se possível.
Por que os políticos são mais mentirosos que outras pessoas?
Selva: O político tem necessidade de conquistar pessoas, de seduzir para que o apoiem, votem nele. Tem de dizer que sua mensagem é melhor que a do adversário, fazer promessas, falar de um futuro que é imprevisível. Nesse processo, é difícil que não mintam – e muitos aprendem a mentir bem, confirmando o ditado de que a prática leva à perfeição. Por outro lado, como acontece com todas as pessoas obrigadas a manter uma imagem pública favorável, o político é levado, cedo ou tarde, a ocultar qualquer coisa que possa prejudicá-lo ou destruir sua imagem. 
QUEM É
José María M. Selva (psicólogo)

Nascido em Eiche, Espanha, em 1955, formou-se em Psicologia pela Universidade Autônoma de Madri, em 1977. Depois do doutorado, foi professor convidado da Universidade Católica de Lille, na França, e passou a colaborar com diversas associações científicas que investigam o comportamento humano. Foi um dos pioneiros no estudo da déficit de atenção na Espanha e, desde 1989, pesquisa o estresse na sociedade contemporânea. É autor de vários livros, entre eles Psicofisiologia (1995) e A Psicologia da Mentira (2005).
ANÁLISE DA OBRA
AUTOR IGNORA A RAIZ CÍNICA DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Rodrigo Petrônio*
Rodrigo Petronio - escritor e filósofo
Como continuação de sua obra Psicologia da Mentira, José María Martínez Selva traz à luz A Grande Mentira, uma análise psicológica dos mais famosos fabuladores da modernidade. Distingue dois tipos: os fabuladores, donos de uma imaginação rara, e os trapaceiros, que criam suas vidas em torno de uma mentira para angariar proveitos. Selva concentra-se mais no primeiro tipo. 
Empreende então uma análise dos principais protagonistas de uma odisseia moderna de falsificação. Começa com a análise de grande mentirosos. Em seguida, em seções específicas, analisa-os em seus habitats de atuação: política, jornalismo, ciência, economia, esporte. Até fechar seu percurso com o reino das mentiras nos novos sistemas de informação globalizados e com as teorias da conspiração. 
A caracterização de grande mentira dada por Selva segue alguns critérios: precisa tratar de assunto importante, trazer consequências, produzir danos, ser reiterada e envolver um grande número de pessoas. A estrutura psicológica que move os fabuladores é muito bem diagnosticada. 
Mitomania, síndrome de Münchhausen, duplas personalidades, camaleões e transtornos de personalidade. A sociedade moderna caracteriza-se por uma indistinção entre ser e parecer. Essa indefinição ontológica produz patologias, nas quais os sujeitos, sem acessos aos bens de valor, criam atalhos para conquistá-los a qualquer custo. 
Selva concentra-se em trapaceiros econômicos clássicos, como os autores de esquemas piramidais e a sucessão de escândalos e delitos empresariais entre 2001 e 2006. A mentira na política e na economia parece ser mais esperada. Isso a torna mais sensível e surpreendente na ciência e no jornalismo. 
Na ciência, Selva aborda as milionárias manipulações de dados do norueguês Jon Subdo, em torno da pesquisa sobre o câncer, e do coreano Hwang Woo-Suk, sobre as células-tronco. No campo do jornalismo, os conhecidos casos de Stephen Glass e de Jayson Blair. Com métodos e intenções distintas, ambos falsificaram dezenas de artigos para a The New Republic e o New York Times
O apagamento da fronteira ser-parecer produz uma “enorme ambiguidade moral” em relação à mentira. Pode-se dizer que vivemos em uma sociedade, em maior ou menor grau, enraizada na mentira. Ao mesmo tempo, essa sociedade cria mecanismos para bloquear o acesso dos falsificadores ao reino de aparências que ela mesma produz, fato descrito no filme Bling Ring: A Gangue de Hollywood, de Sofia Coppola.
Isso é correto, à medida que eles transgridem os limites legais do jogo social. Entretanto, Selva vale-se de adjetivos morais para qualificar os mentirosos: vigarista, trambiqueiro, trapaceiro, esperto, delinquente. Nesse julgamento individual, minimiza a rede complexa de motivações que concorrem para o fenômeno da falsidade. Revela a face psicológico-individual e oculta a face político-coletiva do problema. Ou seja, ignora a raiz cínica de toda sociedade contemporânea
O antropólogo Ernest Becker define a capacidade de mentir como um dos alicerces da civilização. Mentindo, o homem produz a “negação da morte”. Para além de picaretas e charlatães, isso demonstra que a origem da mentira é um problema central da consciência humana. E um dos maiores problemas éticos humanos. Torna-se ainda maior no mundo atual, onde a aparência começa a se transformar em simulacro e o simulado passa a ser vendido como real. 
A obra de Selva é de grande valor para compreendermos esse fenômeno. Porém, não devemos abordá-lo apenas pelo aspecto psicológico que compete a cada um de nós. Devemos compreendê-lo em suas motivações sociológicas e culturais, ou seja, eminentemente políticas
* RODRIGO PETRÔNIO É ESCRITOR E FILÓSOFO.
Fonte: O Estado de S. Paulo - Caderno 2 - Sábado, 1 de março de 2014 - Pg. C1 - Internet: clique aqui e aqui.

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