«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Ratzinger e a Igreja anárquica


Giancarlo Zizola
La Repubblica *
(Roma - Itália)

A história mostra que os Concílios Ecumênicos agiram, senão lentamente, pelo menos longamente e com recepções cansativas, mas também com rejeições. Os católicos que dão vida à Igreja, nas tempestades em que ela se debate, perceberam, no entanto, que o Vaticano II abriu, na metade dos anos 1960, as portas da Igreja à missão universal, em diálogo com as outras religiões e com a cultura contemporânea. E é essa assunção das diretrizes reformadoras na base da vida da Igreja que assegurou ao Concílio do século XX uma recepção fundamentalmente bem-sucedida, embora não isenta de limites.

A complicação mais obstinada é a recusa das reformas por parte dos integralistas herdeiros de Marcel Lefebvre. Para poder absorver a sua contestação, o Vaticano multiplicou as concessões. Em nome do princípio de acolhida de formas católicas diferentes e na esperança de fechar o sua cisma, Ratzinger foi o mais generoso com eles.

Mas o resultado até agora visível é de tê-los encorajado a ainda mais apetites. O Vaticano espera que esse passo para o governo da coexistência entre a missa pré-conciliar e a missa da reforma poderá aproximar o objetivo de um retorno da seita aos braços da única Igreja. Mas nos episcopados serpenteia o temor de que preço da operação seja falimentar, isto é, acabe disseminando o conflito na base, corroendo o consenso sobre a validade permanente do Vaticano II, com o resultado de legitimar a restauração lefebvriana como esquema da Igreja futura.

É um dispositivo em que não faltam aspectos paradoxais. Parece que a Igreja de Ratzinger aceita se tornar líquida, se não babélica. Em nome do princípio da acolhida, ela admite que pequenos grupos de católicos arcaicos, com padres do seu gosto, ou melhor, que padres nômades de passagem se apresentem ocasionalmente em uma paróquia para rezar missas em latim.

As normas prescrevem agora que eles devem ser contentados. E são justamente os exemplos do retorno a uma Igreja autoritária e iliberal que, em nome da defesa da Tradição, adotam procedimentos tipicamente anarquistas para desordenar a ordem hierárquica nas dioceses e nas paróquias, com a bênção de Bento XVI.

Os próprios bispos estão agora à mercê desses pupilos de São Pio V: se apenas ousassem se opor às suas exigências, seriam denunciados no Vaticano: não é possível lembrar um tal grau de contestação da autoridade dos bispos, um princípio de desagregação da unidade hierarquia da Igreja que não é instituído de baixo, mas, desta vez, do Sólio.

Tradução: Moisés Sbardelotto.

* Publicado em 14 de maio de 2011.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - On-Line - 15/05/2011 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=43284

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''Controversae Ecclesiae''
[Controvérsias na Igreja]


Mais incertezas após a infeliz instrução Universae Ecclesiae da Comissão "Ecclesia Dei" do Vaticano.

A análise é de Andrea Grillo [foto ao lado], filósofo e teólogo italiano, especialista em liturgia e pastoral, doutor em teologia pelo Instituto de Liturgia Pastoral de Pádua e professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, de Roma e do Instituto Teológico Marchigiano de Ancona. Desde 2008, leciona na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, como professor convidado.

O artigo foi publicado em seu blog Come Se Non, 14-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Profeticamente, no dia seguinte à promulgação, em julho de 2007, o cardeal Ruini havia visto bem "o risco de que um motu proprio emitido para unir mais a comunidade cristã fosse utilizado, ao contrário, para dividi-la". Depois de um motu proprio [«SUMMORUM PONTIFICUM» - para lê-lo em português, acesse: http://www.zenit.org/article-15585?l=portuguese], de uma carta aos bispos que o acompanhava e agora esta recente instrução, parece justamente que a profecia compreendeu corretamente: a divisão é uma possibilidade real dessa medida, que agora poderia se realizar com mais facilidade.

É preciso reconhecer: o monstruum era tal desde o início. Quando se quer reler uma tradição, reanimando um ritual que "saiu de vigência", como o de 1962, e obstinando-se a presumir fatos que não existem e a construir ficções jurídicas sem a averiguação real – sob o pretexto de que um equilíbrio ousado e muito arriscado conceba uma dupla vigência paralela de duas formas diferentes e em tensão entre si do mesmo rito romano –, o nó das contradições está destinado a se atar cada vez mais. E, independentemente de quantas comissões sejam instituídas, quantas consultas estejam previstas, quantos DVDs com missas pré-conciliares sejam produzidos e distribuídos, quantos "direitos dos fiéis" sejam reconhecidos, a confusão continua aumentando sempre mais, e a desorientação não diminui.

O último elo da corrente – a Instrução Universae Ecclesiae [para lê-la em português, acesse: http://www.zenit.org/article-27955?l=portuguese] – também é esmagado por um problema estruturalmente insolúvel: como se faz para "instruir" em torno a uma contradição patente? Quanto mais se instrui, menos se entende. Se, de repente – e não se sabe ainda com base em que princípio jurídico ou tradicional –, um ritual "não mais vigente", superado pela sua versão reformada, volta magicamente em vigor e pretende valer paralelamente com relação ao que o havia intencionalmente emendado, renovado e superado, tudo sofre uma espécie de deformação irreparável.

Com os apegos e as nostalgias, assumidos como princípios de ordenamento eclesial, nunca se foi muito longe. De fato, com base nessa visão altamente problemática, qualquer padre agora poderia optar por celebrar o rito da eucaristia com a forma ritual que preferir, desde que a celebre "em privado". Verdadeiramente instrutivo: duas contradições individualistas, que se sobrepõem, não realizam nada mais do que uma forma paradoxal de não celebração e de não identidade.

Por outro lado, com relação aos fiéis, qualquer grupo pode ter o direito de ver uma missa ser celebrada, à qual se pode assistir segundo o rito não mais vigente. E agora se diz – com a especificação de uma eclesiologia de supermercado ou de cinema multiplex – que "grupo válido" é também aquele formado por um fiel de Bérgamo, um de Vicenza, três de Como (mas de paróquias diferentes, obviamente) e um de Novara. Isso também é verdadeiramente muito instrutivo sobre a natureza comunitária da Igreja.

Mas não basta isso: a lógica do rito "extraordinário" é tão excepcional que, quando se confronta com a realidade, tem a força até de curvar a lei. Por isso, quando o Código de Direito Canônico vigente não é coerente com as rubricas do rito não mais vigente, não há nenhum problema: deve ser aplicada a lei que vigorava em 1962, ou seja, o Código de 1917, que, porém, hoje não vigora mais. Nada de medo: é justo, de fato, que ao rito não mais vigente corresponda a lei não mais vigente. O que há de mais instrutivo sobre essa coerência entre rito e lei na não vigência?

Mas, mais uma vez, mesmo que seja reconhecido que ordinariamente não se dá nenhuma forma de ordenação com o rito extraordinário, no entanto, em alguns casos, uma exceção é possível, e a alguns (privilegiados, sim, mas quase de se compadecer) é dada a faculdade de ordenar segundo o rito pré-conciliar. Como pode não ser instrutivo esse pontual esclarecimento das exceções à sacrossanta insuperabilidade do rito ordinário?

Depois, há o delineamento cuidadoso do "presbítero" considerado "idôneo" para a celebração, segundo o rito não mais vigente. É verdade que ele vai ter que se virar com a língua latina, mas orientar-se nas cinco declinações e ter alguma experiência com paradigmas verbais são requisitos suficientes para o soletramento básico, que satis est para que a forma mais formal seja salva e, portanto, válida. O fato de se conhecer o rito na sua estrutura deve ser presumido com base na "espontaneidade" com que o padre o exige: o efeito instrutivo beira aqui a uma sutil e complacente ironia.

Os muitos detalhes da nova instrução – dos quais citamos só algumas partes notáveis – ilustram bem a inexaurível corrente de paradoxos – observados com divertida preocupação – em que se tropeça quando se perde o sentido da realidade e se toma o caminho do sonho, da ilusão e da mistificação. O que significa dizer que agora devemos inserir, no missal de 1962, novos santos e novos prefácios? Como fazemos para pensar que se deve fazer a reforma daquele rito que já foi reformado, com todos os novos santos, novos prefácios, novas coletas, novas leituras bíblicas, novas orações eucarísticas, novas superoblata, novos postcommunio? Precisamos de uma outra reforma que adicione santos e prefácios ao rito não mais vigente de 1962? Mas já não estamos em 2011? Talvez nos despertamos de repente, depois de um sono de 49 anos? Como se faz para não entender que toda essa aflição no vazio, e vaziamente, só serve para confundir e desperdiçar energias e forças?

Considerando-se tudo isso, já nos havíamos ocupado dessas quimeras sem futuro. O rito de 1962 não é mais vigente desde que foi aprovada a nova forma do rito romano pelo Papa Paulo VI. Desse ponto de vista, o rito romano é tornado vivo e florescente pela tradição da nova forma, enquanto aquela forma e aquele uso definido provisoriamente em 1962, por explícita declaração do Papa João XXIII, estão agora superados, esgotados, sem nem mais vigência nem tradição. Toda tentativa, embora com autoridade, de negar essa evidência, só produz ilusões, contradições e desorientação.

A intenção do motu proprio [Summorum Pontificum - 2007] era de "reaproximar" as margens do cisma lefebvriano. A quase quatro anos de distância, e com tudo o que aconteceu de 2007 em diante, podemos dizer com segurança: non expedit [trad.: não é conveniente - não serve]. A instrução diz, ao invés, que o motu proprio "tornou mais acessível à Igreja universal a riqueza da Liturgia Romana". Ou seja, pretende desvincular o procedimento da justificação contingente que o havia motivado originalmente. Espera-se que uma instrução resolva os problemas – mas aqui nada é verdadeiramente resolvido –, não que faça teologia aproximativa – e aqui, infelizmente, nos atrevemos a fazê-la com muita desenvoltura.

A cereja do bolo, quanto à instrução, é o título: Universae Ecclesiae. A "universa ecclesia" [trad.: a Igreja universal - toda a Igreja] – na verdade – não se apaixona de fato pelos temas da instrução e não se reconhece neles. Ou melhor, para fazê-la participar, é preciso justamente pôr em causa pelo menos o título. As pretensões do documento geram uma "Multiversa Ecclesia", até uma "Controversa Ecclesia". A mesma comissão que elaborou o texto tem o nome de "Ecclesia Dei", mas o nome completo do documento do qual deriva seu próprio nome é "Ecclesia Dei afflicta". Que pena, justamente aflição, e não reconciliação, parece brotar dessa sua infelicíssima instrução.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - On-Line - 17/05/2011 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=43347

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