Cidades que excluem
O desmaio do menino de Brasília expôs os
equívocos da política urbana
Nabil Bonduke*
O caso de Gabriel, que desmaiou de
fome em uma escola de Brasília, revelou para o grande público, com crueldade, o
que já sabíamos: os governos, pressionados pelo setor imobiliário, repetem os
equívocos da política urbana
Em
1978, a socióloga Lícia do Prado
Valladares publicou um clássico sobre o programa de remoção de favelas da
zona sul do Rio de Janeiro, nos anos 1960, que deslocou milhares de famílias
para conjuntos habitacionais, financiados pelo BNH, localizados a 30 km do
local onde moravam.
"Passa-se Uma Casa" mostrou que famílias removidas vendiam as novas
casas e retornavam para favelas, onde tinham expedientes de sobrevivência.
Carlos Nelson, arquiteto defensor da urbanização de favelas, disse: "A favela não é um problema, é uma
solução".
Direito
a habitação, aprendeu-se, não podia se limitar a oferecer uma moradia, um teto.
Tinha que garantir acesso à cidade, aos
serviços públicos e a condições de obter trabalho e renda. Aprendeu-se?
O
caso de Gabriel, que desmaiou de fome em uma escola de Brasília, revelou para o
grande público, com crueldade, o que já sabíamos: os governos, pressionados pelo setor imobiliário, repetem os equívocos
da política urbana.
Removida
de uma ocupação situada no Noroeste (Plano Piloto), a família do menino saiu de um barraco de madeira de um cômodo, que só
tinha energia elétrica à noite, para um apartamento de 46 m², com dois quartos,
subsidiado pelo Minha Casa, Minha Vida.
Maravilha!
Para o Paranoá Parque, situado a 21
km da Esplanada dos Ministérios, foram deslocadas 6.000 famílias, muitas
provenientes de ocupações retiradas de áreas nobres.
A
falta de equipamentos sociais, inexistentes no local e insuficientes em
Paranoá, cidade satélite de Brasília, é apenas uma face do problema, que com o
tempo poderá ser superada.
A questão estrutural é a
segregação territorial, que gera bairros-dormitórios afastados da cidade.
"O governo deu apartamentos do Paranoá, mas tirou nossas
oportunidades", afirmou uma moradora.
Muitos estão desempregados
devido ao custo do vale-transporte: são necessárias quatro conduções para
chegar aonde tem emprego. A família de Gabriel, que trabalhava com reciclagem, ficou sem renda
para complementar o Bolsa Família. Novas
despesas, como condomínio e taxas, passaram a ser exigidas.
No
Noroeste, como na zona sul do Rio, jorram oportunidades. Mas foi destinado a
empreendimentos privados de alta renda, em uma urbanização sofisticada. Por
isso, os pobres foram removidos.
Podia
ser diferente. As terras do Distrito Federal foram estatizadas, nos anos 1950,
para implantar a nova capital. Pertencem à Terracap, empresa do GDF. Em vez de deslocar os moradores para longe,
o governo poderia ter destinado áreas inseridas na cidade para habitação social.
Mas
optou por reproduzir uma lógica de exclusão urbana e de política habitacional
que gera dramas como o vivido por Gabriel.
* NABIL BONDUKI é arquiteto e
urbanista, é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de São Paulo (USP). Em São Paulo, foi vereador, relator do Plano Diretor
Estratégico e secretário municipal de Cultura. É autor de 12 livros.
Comentários
Postar um comentário