Cidades que excluem

O desmaio do menino de Brasília expôs os
equívocos da política urbana

Nabil Bonduke*

O caso de Gabriel, que desmaiou de fome em uma escola de Brasília, revelou para o grande público, com crueldade, o que já sabíamos: os governos, pressionados pelo setor imobiliário, repetem os equívocos da política urbana
Após desmaiar de fome, o menino Gabriel, de 8 anos, volta com o pai à escola no Cruzeiro, em Brasília. Garoto de 8 anos foi para a escola em Brasília,
distante a 30 km de casa, sem comer. E esmoreceu.

Foto: ANDRE DUSEK/ESTADÃO

Em 1978, a socióloga Lícia do Prado Valladares publicou um clássico sobre o programa de remoção de favelas da zona sul do Rio de Janeiro, nos anos 1960, que deslocou milhares de famílias para conjuntos habitacionais, financiados pelo BNH, localizados a 30 km do local onde moravam.

"Passa-se Uma Casa" mostrou que famílias removidas vendiam as novas casas e retornavam para favelas, onde tinham expedientes de sobrevivência. Carlos Nelson, arquiteto defensor da urbanização de favelas, disse: "A favela não é um problema, é uma solução".
Direito a habitação, aprendeu-se, não podia se limitar a oferecer uma moradia, um teto. Tinha que garantir acesso à cidade, aos serviços públicos e a condições de obter trabalho e renda. Aprendeu-se?

O caso de Gabriel, que desmaiou de fome em uma escola de Brasília, revelou para o grande público, com crueldade, o que já sabíamos: os governos, pressionados pelo setor imobiliário, repetem os equívocos da política urbana.

Removida de uma ocupação situada no Noroeste (Plano Piloto), a família do menino saiu de um barraco de madeira de um cômodo, que só tinha energia elétrica à noite, para um apartamento de 46 m², com dois quartos, subsidiado pelo Minha Casa, Minha Vida.

Maravilha! Para o Paranoá Parque, situado a 21 km da Esplanada dos Ministérios, foram deslocadas 6.000 famílias, muitas provenientes de ocupações retiradas de áreas nobres.

A falta de equipamentos sociais, inexistentes no local e insuficientes em Paranoá, cidade satélite de Brasília, é apenas uma face do problema, que com o tempo poderá ser superada.
A questão estrutural é a segregação territorial, que gera bairros-dormitórios afastados da cidade.

"O governo deu apartamentos do Paranoá, mas tirou nossas oportunidades", afirmou uma moradora.

Muitos estão desempregados devido ao custo do vale-transporte: são necessárias quatro conduções para chegar aonde tem emprego. A família de Gabriel, que trabalhava com reciclagem, ficou sem renda para complementar o Bolsa Família. Novas despesas, como condomínio e taxas, passaram a ser exigidas.

No Noroeste, como na zona sul do Rio, jorram oportunidades. Mas foi destinado a empreendimentos privados de alta renda, em uma urbanização sofisticada. Por isso, os pobres foram removidos.

Podia ser diferente. As terras do Distrito Federal foram estatizadas, nos anos 1950, para implantar a nova capital. Pertencem à Terracap, empresa do GDF. Em vez de deslocar os moradores para longe, o governo poderia ter destinado áreas inseridas na cidade para habitação social.

Mas optou por reproduzir uma lógica de exclusão urbana e de política habitacional que gera dramas como o vivido por Gabriel.

* NABIL BONDUKI é arquiteto e urbanista, é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP). Em São Paulo, foi vereador, relator do Plano Diretor Estratégico e secretário municipal de Cultura. É autor de 12 livros.

Fonte: Folha de S. Paulo – Colunista – Terça-feira, 28 de novembro de 2017 – 02h00 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.

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