«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Para a Igreja, a hora é agora!

Não se conserva a verdade em naftalina

Carlo Molari
Teólogo e padre italiano – ex-professor das universidades Urbaniana e Gregoriana de Roma
Revista “Rocca” – nº 22
15-11-2017

«Conservar o depósito não significa manter as fórmulas e as doutrinas como elas
foram expressas no passado, mas requer o desenvolvimento de todas as
virtualidades contidas nos eventos aos quais as fórmulas se referem.».
PAPA FRANCISCO
discursa durante audiência concedida aos participantes do
Congresso pelo 25º Aniversário da Constituição Apostólica Fidei depositum
Sala do Sínodo - Vaticano: Quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Nesses últimos tempos, o Papa Francisco voltou várias vezes a refletir sobre o caminho da verdade e do seu desenvolvimento na história. Sem dúvida, a SUA PERSPECTIVA É EVOLUTIVA. Conservar o depósito não significa manter as fórmulas e as doutrinas como elas foram expressas no passado, mas requer o desenvolvimento de todas as virtualidades contidas nos eventos aos quais as fórmulas se referem. O processo se realiza adquirindo novos dados que envolvem ou a correção dos erros anteriores, ou a sua coordenação com uma consciência nova.

A espécie humana, também, de fato, está em evolução. Os sujeitos, através das relações e das experiências, mudam os modos de pensar e renovam perspectivas, tornando-se, assim, capazes de profundas mudanças culturais e espirituais. O Papa Francisco voltou a esse assunto em um articulado discurso ao congresso organizado no 25º aniversário da constituição Fidei depositum, de João Paulo II (11 de outubro de 1992), com a qual era publicado o Catecismo da Igreja Católica.

Ao Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, o papa recordou que:

“Não é suficiente encontrar uma linguagem nova para dizer a fé para sempre; é necessário e urgente que, diante dos novos desafios e perspectivas que se abrem para a humanidade, a Igreja possa expressar as novidades do Evangelho de Cristo que, embora contidas na Palavra de Deus, ainda não vieram à tona”.

A constituição Fidei depositum, introduzindo o Catecismo, estabelecia também o horizonte do seu dinamismo: “Deve ter em conta as explicitações da doutrina que, no decurso dos tempos, o Espírito Santo sugeriu à Igreja. É também necessário que ajude a iluminar, com a luz da fé, as novas situações e os problemas que ainda não tinham surgido no passado. O Catecismo incluirá, portanto, coisas novas e velhas (cf. Mt 13,52), porque a fé é sempre a mesma e simultaneamente é fonte de luzes sempre novas”.

Nessa perspectiva, o Papa Francisco desenvolveu uma reflexão sobre a evolução da doutrina partindo da constituição dogmática do Vaticano II Dei Verbum, que disse: “A Igreja na doutrina, na sua vida e no seu culto perpetua e transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo aquilo em que crê” (DV n. 8, Ev 1, 882).

A Palavra de Deus (comenta o papa) não pode ser conservada em naftalina, como se fosse uma velha coberta a ser protegida contra os parasitas! Não. A Palavra de Deus é uma realidade dinâmica, sempre viva, que progride e cresce porque tende a um cumprimento que os homens não podem parar. Só uma visão parcial pode pensar o ‘depósito da fé’ como algo estático. O Espírito Santo continua falando à Igreja e, para fazê-la progredir com entusiasmo, é preciso se colocar em religiosa escuta”.

“Essa lei do progresso, de acordo com a feliz fórmula de São Vicente de Lérins: ‘annis consolidetur, dilatetur tempore, sublimetur aetate’ (consolida-se ao longo dos anos, dilata-se no tempo, sublima-se com a idade, Commonitorium 23.9: Pl 50), pertence a uma peculiar condição da verdade revelada na sua transmissão pela Igreja, e não significa, de modo algum, uma mudança de doutrina”.

A doutrina relativa à pena de morte

Como exemplo concreto, o papa referiu-se à doutrina relativa à pena de morte, que requer uma mudança do próprio Catecismo, mesmo na sua última formulação. Na edição de 1992, o parágrafo 2.266 dizia: “A doutrina tradicional da Igreja reconheceu fundado o direito e o dever da legítima autoridade pública de infligir penas proporcionais à gravidade do delito, sem excluir, em casos de extrema gravidade, a pena de morte”.

A edição de 1997 especificava: “A doutrina tradicional da Igreja, desde que não haja a mínima dúvida acerca da identidade e da responsabilidade do culpado, não exclui o recurso à pena de morte, se for esta a única solução possível para defender eficazmente vidas humanas de um injusto agressor. Contudo, se processos não sangrentos bastarem para defender e proteger do agressor a segurança das pessoas, a autoridade deve servir-se somente desses processos, porquanto correspondem melhor às condições concretas do bem comum e são mais consentâneos com a dignidade da pessoa humana. Na verdade, nos nossos dias, devido às possibilidades de que dispõem os Estados para reprimir eficazmente o crime, tornando inofensivo quem o comete, sem com isso lhe retirar definitivamente a possibilidade de se redimir, os casos em que se torna absolutamente necessário suprimir o réu ‘são já muito raros, se não mesmo praticamente inexistentes’ (EV 56)” (n. 2.267).

O Compêndio do Catecismo publicado por Bento XVI em 2002, no número 469, resumia: “A pena infligida deve ser proporcional à gravidade do delito. Hoje, na sequência das possibilidades do Estado para reprimir o crime tornando inofensivo o culpado, os casos de absoluta necessidade da pena de morte ‘são agora muito raros, se não mesmo praticamente inexistentes’ (Evangelium vitae). Quando forem suficientes os meios incruentos, a autoridade deve limitar-se ao seu uso, porque correspondem melhor às condições concretas do bem comum, são mais conformes à dignidade da pessoa humana e não retiram definitivamente ao culpado a possibilidade de se redimir”.

Nesse meio tempo, João Paulo II, na mensagem de Natal de 1998, desejando o crescimento do consenso sobre as medidas em favor do homem, indicara, entre as mais significativa, a de “banir a pena de morte” (L’Osservatore Romano, 28-29 de dezembro de 1998, p. 7). Encontrando-se nos Estados Unidos um mês depois, repetiu o desejo e o pedido: “A dignidade da vida humana nunca deve ser negada, nem mesmo a quem causou um grande mal. A sociedade moderna possui os instrumentos para se proteger, sem negar aos criminosos a possibilidade de se revisarem. Portanto, renovo o apelo (...) para abolir a pena de morte, que é cruel e inútil” (L’Osservatore Romano, 29 de janeiro de 1999, p. 4).

O Papa Francisco, hoje, refere-se tanto ao “progresso da doutrina por parte dos últimos pontífices”, quanto à “mudança de consciência do povo cristão, que rejeita uma atitude anuente em relação a uma pena que lesa pesadamente a dignidade humana” e conclui com determinação: ela é “inadmissível”.

“Deve-se afirmar com força que a condenação à pena de morte é uma medida desumana que humilha, de qualquer modo que seja perseguida, a dignidade pessoal. É, em si mesma, contrária ao Evangelho, porque é decidido voluntariamente suprimir uma vida humana que é sempre sagrada aos olhos do Criador e da qual só Deus, em última análise, é o verdadeiro juiz e garante. Nunca homem algum, ‘nem sequer o homicida, perde a sua dignidade pessoal’ (Carta ao presidente da Comissão Internacional contra a Pena de Morte, 20 de março de 2015), porque Deus é um Pai que sempre espera o retorno do filho, o qual, sabendo que errou, pede perdão e inicia uma nova vida. A ninguém, portanto, pode-se tirar não só a vida, mas também a própria possibilidade de um resgate moral e existencial que redunde em favor da comunidade”.

No passado, o recurso a esse “remédio extremo e desumano” pareceu ser, na falta de maturidade social e de instrumentos de defesa, “uma consequência lógica da aplicação da justiça a que se deve ater”; até mesmo no Estado Pontifício, muitas vezes, ela foi utilizada, “ignorando o primado da misericórdia sobre a justiça”.

“Assumimos as responsabilidades do passado e reconhecemos que aqueles meios eram ditados por uma mentalidade mais legalista do que cristã. A preocupação por conservar íntegros os poderes e as riquezas materiais levara a superestimar o valor da lei, impedindo que se chegasse a uma maior profundidade na compreensão do Evangelho. No entanto, permanecer neutros hoje diante das novas exigências para a reafirmação da dignidade pessoal, nos tornaria mais culpáveis.”
CARLO MOLARI
teólogo italiano autor deste artigo

O papa especificou que não há contradição com o passado, porque a Igreja sempre defendeu a vida humana desde o início até a morte natural; “é o desenvolvimento harmônico da doutrina”, que exige que se abra mão dos argumentos “contrários à nova compreensão da realidade”.

“Nesse círculo virtuoso, o diálogo revela a verdade, e a verdade se alimenta de diálogo. A escuta atenta, o silêncio respeitoso, a empatia sincera, a autenticidade de se pôr à disposição do estrangeiro e do outro são virtudes essenciais a serem cultivadas e transmitidas no mundo de hoje.”

Mas “toda a substância da doutrina e do ensinamento” deve ser “orientada para a caridade que nunca terá fim”: “Sempre e em tudo deve-se enfatizar o amor de nosso Senhor”. Como diz Paulo, “agindo de acordo com a verdade na caridade, buscamos crescer em todas as coisas” (Efésios 4, 25). A fórmula “agindo de acordo com a verdade” também poderia ser traduzida como “buscando a verdade no amor” ou “realizando a verdade no amor”: o termo grego, de fato, é a mesma palavra “verdade” conjugada como verbo, como se em português se pudesse dizer: “verdadeando” [veritando, em italiano] a existência na caridade, para expressar a ideia de que o amor sempre torna verdadeira a existência.

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 2 de novembro de 2017 – Internet: clique aqui.

Vaticano II com direito de resposta

Andrea Grillo
Professor do Pontifício Ateneu Sant’Anselmo, em Roma,
do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e
do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, em Pádua
Adista Notizie – nº 38
04-11-2017

«O fato de o próprio papa ter tomado papel e caneta e pedido formalmente que o cardeal Sarah retificasse todos os graves mal-entendidos oferecidos pelo seu comentário constitui uma passagem decisiva do pontificado de Francisco e da implementação do Concílio.»
PAPA FRANCISCO
assina o decreto em forma de motu proprio Magnum Principium
Domingo, 3 de setembro de 2017

O caso da carta de 15 de outubro, com a qual o Papa Francisco pontualizou o conteúdo do motu proprio Magnum Principium [clique aqui para ler e baixar], tem algo de exemplar para a história da Igreja dos últimos 50 anos.

De fato, depois de uma primeira fase de entusiasmo pela liturgia, o magistério eclesial pós-conciliar, a partir dos anos 1980, começou, cada vez mais, a se tornar desconfiado e quase a se desesperar com a liturgia e a reforma da Igreja.

Ou, melhor, foi se criando uma espécie de equação: assim como à Reforma litúrgica devia se seguir a reforma da Igreja, assim também a resistência à liturgia significava, para muitos, a restauração da Igreja pré-conciliar.

Especialmente a partir do início do novo milênio, sobretudo por iniciativa direta e coerente de Joseph Ratzinger – primeiro como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e, depois, como Papa Bento – lançaram-se as premissas desse “desespero litúrgico”: com a Liturgiam authenticam (2001), estabelecia-se o primado absoluto da língua latina sobre as línguas faladas; com a Redemptionis Sacramentum (2004), desconfiava-se da “assembleia celebrante”; com o Summorum Pontificum (2007), criava-se até um “regime paralelo extraordinário” em relação à liturgia reformada.

A tentativa de compreender essa tendência como “fidelidade ao Concílio Vaticano II” soava como retórica vazia, que escondia a remoção do próprio Concílio.

O Papa Francisco, embora mantendo um perfil baixo sobre a liturgia até alguns meses atrás, a partir de meados deste ano, compreendeu melhor que, nesse âmbito, escondia-se uma das oposições mais insidiosas não tanto ao seu pontificado, mas à implementação do Concílio Vaticano II, que parece ser o coração do seu pontificado.

Assim, depois de reiterar a irreversibilidade da Reforma litúrgica e a vaidade de toda tentativa de “reforma da reforma”, ele interveio com o Magnum Principium para reabrir o terreno da “inculturação” nas traduções dos textos litúrgicos.
Cardeal Robert Sarah
Prefeito da Congregação para o Culto Divino e
Disciplina dos Sacramentos

A tentativa paradoxal e quase cômica com a qual o cardeal Sarah se opôs a essa justa retomada do Vaticano II chegou a propor, com a autoridade de prefeito da Congregação do Culto, uma interpretação “autêntica” do Magnum Principium, que gritava vingança ao céu, por contrariedade em relação ao texto oficial.

O fato de o próprio papa ter tomado papel e caneta e pedido formalmente que o cardeal retificasse todos os graves mal-entendidos oferecidos pelo seu comentário constitui uma passagem decisiva do pontificado de Francisco e da implementação do Concílio.

Ele estabelece que:

* deve acabar a tentativa de reduzir o Vaticano II a nada, como aconteceu muito frequentemente nesses últimos 30 anos, com a complacência de amplos setores da hierarquia;

* a autoridade das Conferências Episcopais não pode ser simplesmente passada por cima por parte do centralismo romano;

* a tentativa desajeitada de fazer com que os textos digam aquilo que se quer deve ser abertamente censurada, especialmente quando quem faz isso são autoridades que deveriam usar responsavelmente o seu poder;

* existe uma evolução do Magistério e que, nem no centro nem na periferia, pode-se acreditar que se está autorizado a continuar por inércia nas práxis anteriores;

* a retomada de um diálogo profundo entre Igreja e mundo, entre fé e cultura, é uma passagem pastoral vinculante, que ninguém, nem mesmo um prefeito, pode sonhar de evitar.

A carta foi endereçada apenas ao cardeal Sarah. Mas, na realidade, ela fala a todos aqueles que, no centro assim como na periferia, pensaram que poderiam simplesmente fazer como se nada tivesse acontecido, perpetuando um estilo eclesial tão irrelevante quanto autorreferencial, talvez disfarçando-se de “Igreja em saída”, o que, certamente, a Sarah, não podemos repreender de modo algum.

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto. Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 2 de novembro de 2017 – Internet: clique aqui.

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