Entrevista com Papa Francisco
“O soberanismo me assusta...
A Amazônia é decisiva para o futuro da
humanidade.”
Domenico Agasso Jr.
«La
Stampa» – Turim – Itália
09-08-2019
Papa Francisco:
“A Europa não deve desfazer-se, devemos
salvá-la, tem raízes humanas e cristãs. Uma mulher como Ursula von
der Leyen
pode reavivar a força dos Pais Fundadores”
PAPA FRANCISCO Sobre o papamóvel na Praça de São Pedro - Vaticano |
O papa abre a porta pontualmente às
10h30, com seu sorriso gentil. Entra em uma das salas que usa para receber as pessoas,
mobiliada com o essencial, sem distrações ou luxos, apenas com um crucifixo
pendurado na parede.
Chegamos a partir da entrada do
Perugino, a mais próxima da Casa Santa Marta. Cenário habitual: algumas
batinas, policiais e guardas suíços. No fundo, a cúpula de São Pedro. No
Vaticano, a movimentação habitual é suavizada pelo calor e pelo clima de
férias.
Para o Papa Francisco, não é um dia
comum: é 6 de agosto, 41º aniversário da morte de São Paulo VI,
pontífice a quem ele aprecia particularmente: “Neste dia, sempre busco um
momento para descer à cripta debaixo da basílica – revela – e ficar
sozinho em oração e silêncio diante do seu túmulo. Isso faz bem ao meu coração”.
As amenidades duram pouco, em um instante estamos no meio da conversa.
Francisco está alegre e
descontraído. E concentrado. Sua capacidade de escuta impressiona. Sempre
olha nos olhos. Nunca o relógio. Faz as pausas necessárias antes de
expressar um pensamento delicado. Fala da Europa, da Amazônia e do ambiente.
A conversa é intensa e sem interrupções. O papa sequer bebe um gole de água.
Comentamos isso com ele, ele sacode os ombros e responde, sorrindo: “Eu não
sou o único que não bebeu”.
Eis a entrevista.
URSULA VON DER LEYEN (nascida na Bélgica em 1958 - 60 anos de idade) Política e cidadã alemã eleita para presidir a Comissão Europeia |
Santidade, o senhor desejou
que “a Europa volte a ser o sonho dos Pais Fundadores”. O que espera?
Papa Francisco: A Europa
não pode e não deve se dissolver. É uma unidade histórica e cultural, além de geográfica.
O sonho dos Pais Fundadores teve consistência porque foi uma implementação
dessa unidade. Agora não se deve perder esse patrimônio.
Como a vê hoje?
Papa Francisco: Enfraqueceu-se
ao longo dos anos, também por causa de alguns problemas de administração, de dissidências
internas. Mas é preciso salvá-la. Depois das eleições, espero que inicie um
processo de relançamento e que ela siga em frente sem interrupções.
Está contente com a nomeação
de uma mulher como presidente da Comissão Europeia?
Papa Francisco: Sim. Até
porque uma mulher pode ser apta a reavivar a força dos Pais Fundadores.
As mulheres têm a capacidade de juntar, de unir.
Quais são os principais
desafios?
Papa Francisco: Um acima de
todos: o diálogo. Entre as partes, entre os homens. O mecanismo mental
deve ser “primeiro a Europa, depois cada um de nós”. O “cada um de nós”
não é secundário, é importante, mas a Europa é mais importante. Na União
Europeia, devemos nos falar, debater, conhecer. Em vez disso, às vezes veem-se
apenas monólogos de compromisso. Não: também é necessária a escuta.
O que é preciso para o
diálogo?
Papa Francisco: É preciso
partir da própria identidade.
Pois bem, as identidades:
qual a sua importância? Se exagerarmos na defesa das identidades, não corremos
o risco do isolamento? Como é possível responder às identidades que geram
extremismos?
Papa Francisco: Dou-lhe o
exemplo do diálogo ecumênico: eu não posso fazer ecumenismo senão partindo do
meu ser católico, e o outro que faz ecumenismo comigo deve fazê-lo como
protestante, ortodoxo... A própria identidade não se negocia, se integra.
O problema dos exageros é que se fecha a própria identidade, não nos abrimos. A
identidade é uma riqueza – cultural, nacional, histórica, artística –, e
cada país tem a sua própria, mas deve ser integrada ao diálogo. Isto é
decisivo: a partir da própria identidade, é preciso abrir-se ao diálogo para
receber algo maior das identidades dos outros. Nunca nos esqueçamos de que
o todo é superior à parte. A globalização, a unidade não deve ser concebida
como uma esfera, mas como um poliedro: cada povo conserva a própria
identidade na unidade com os outros.
Quais são os perigos do
soberanismo?
Papa Francisco: O
soberanismo é uma atitude de isolamento. Estou preocupado porque se
ouvem discursos que se assemelham aos de Hitler em 1934. “Primeiro nós.
Nós... nós...”: são pensamentos que dão medo. O soberanismo é fechamento.
Um país deve ser soberano, mas não fechado. A soberania deve ser defendida, mas
também devem ser protegidas e promovidas as relações com os outros países, com
a Comunidade Europeia. O soberanismo é um exagero que sempre acaba mal: leva
às guerras.
E
os populismos?
Papa Francisco: A mesma
coisa. No início, eu custava a compreendê-lo porque, estudando Teologia, eu
aprofundei o populismo, isto é, a cultura do povo: mas uma coisa é que o
povo se expresse, outra é impor ao povo a atitude populista. O povo é
soberano (têm um modo de pensar, de se expressar e de sentir, de avaliar). Ao
contrário, os populismos nos levam a soberanismos: esse sufixo, “ismos”,
nunca é bom.
Qual é o caminho a percorrer
sobre o tema dos migrantes?
Papa Francisco: Acima de
tudo, nunca ignorar o direito mais importante de todos: o direito à vida.
Os imigrantes chegam principalmente para fugir da guerra ou da fome, do Oriente
Médio e da África. Sobre a guerra, devemos nos engajar e lutar pela paz. A fome
diz respeito principalmente à África. O continente africano é vítima de uma
maldição cruel: no imaginário coletivo, ele parece que deve ser explorado. Em
vez disso, uma parte da solução é investir lá para ajudar a resolver os seus
problemas e parar, assim, os fluxos migratórios.
Mas, a partir do momento em
que eles chegam até nós, como devemos nos comportar?
Papa Francisco: Devem-se
seguir critérios. Primeiro: receber, que é também uma tarefa
cristã, evangélica. As portas devem ser abertas, e não fechadas. Segundo:
acompanhar. Terceiro: promover. Quarto: integrar.
Ao mesmo tempo, os governos devem pensar e agir com prudência, que é uma
virtude de governo. Quem administra é chamado a raciocinar sobre quantos
migrantes podem ser acolhidos.
E se o número for superior
às possibilidades de acolhida?
Papa Francisco: A situação
pode ser resolvida através do diálogo com os outros países. Existem
Estados que precisam de pessoas; penso na agricultura. Vi que recentemente,
diante de uma emergência, aconteceu algo desse tipo: isso me dá esperança. E,
depois, você sabe o que também seria necessário?
O
quê?
Papa Francisco: Criatividade. Por
exemplo, contaram-me que, em um país europeu, existem cidadezinhas
semivazias por causa da queda demográfica: algumas comunidades de migrantes
poderiam ser transferidas para lá, que, aliás, seriam capazes de reavivar a
economia da região.
Em que valores comuns deve
se basear o relançamento da União Europeia? A Europa ainda precisa do
cristianismo? E, nesse contexto, qual o papel dos ortodoxos?
Papa Francisco: O ponto de
partida e de repartida são os valores humanos, da pessoa humana. Junto
com os valores cristãos: a Europa tem raízes humanas e cristãs, é a história
que conta isso. E, quando digo isso, eu não separo católicos, ortodoxos e
protestantes. Os ortodoxos têm um papel muito precioso para a Europa. Todos
temos os mesmos valores fundantes.
Atravessemos idealmente o
oceano e pensemos na América do Sul. Por que o senhor convocou um Sínodo sobre
a Amazônia em outubro, no Vaticano?
Papa Francisco: Ele é
“filho” da Laudato si’. Quem não a leu nunca entenderá o
Sínodo sobre a Amazônia. A Laudato si’ não é uma encíclica verde, é
uma encíclica social, que se baseia em uma realidade “verde”, a proteção
da Criação.
Existe algum episódio
significativo para o senhor?
Papa Francisco: Há alguns
meses, sete pescadores me disseram: “Nos últimos meses, recolhemos seis
toneladas de plástico”. Outro dia, eu li sobre uma enorme geleira na
Islândia que derreteu quase totalmente: construíram um monumento fúnebre
para ela. Com o incêndio da Sibéria, algumas geleiras da Groenlândia
derreteram, em toneladas. As pessoas de um país do Pacífico estão se
deslocando, porque, daqui a 20 anos, a ilha em que vivem não existirá mais. Mas
o dado que mais me chocou é outro ainda.
Qual?
Papa Francisco: O Overshoot
Day: no dia 29 de julho, esgotamos todos os recursos regeneráveis
de 2019. A partir de 30 de julho, começamos a consumir mais recursos do que
aqueles que o planeta consegue regenerar em um ano. Isso é gravíssimo. É
uma situação de emergência mundial. E o nosso sínodo será de urgência.
Mas atenção: um sínodo não é uma reunião de cientistas ou de políticos.
Não é um Parlamento: é outra coisa. Ele nasce da Igreja e terá uma missão e
uma dimensão evangelizadoras. Será um trabalho de comunhão guiado pelo
Espírito Santo.
Mas por que se concentrar na
Amazônia?
Papa Francisco: É um lugar
representativo e decisivo. Junto com os oceanos, ele contribui de modo
determinante para a sobrevivência do planeta. Grande parte do oxigênio que
respiramos vem de lá. É por isso que o desmatamento significa matar a
humanidade. Além disso, a Amazônia envolve nove Estados, portanto não
diz respeito a uma única nação. E eu penso na riqueza da biodiversidade
amazônica, vegetal e animal: é maravilhosa.
No Sínodo, também se
discutirá a possibilidade de ordenar “viri probati”, homens idosos e casados
que possam remediar a falta de clero. Será um dos temas principais?
Papa Francisco: Absolutamente
não: é simplesmente um número do Instrumentum laboris (o documento de
trabalho). O importante serão os ministérios da evangelização e os diversos
modos de evangelizar.
Quais são os obstáculos para
a salvaguarda da Amazônia?
Papa Francisco: A ameaça
da vida das populações e do território deriva de interesses
econômicos e políticos dos setores dominantes da sociedade.
Então, como a política deve
se comportar?
Papa Francisco: Eliminar as
próprias conivências e corrupções. Ela deve assumir responsabilidades
concretas, por exemplo sobre o tema das minas a céu aberto, que envenenam
a água provocando tantas doenças. Depois, há a questão dos fertilizantes.
Santidade, o que o senhor
mais teme pelo nosso planeta?
Papa Francisco: O
desaparecimento das biodiversidades. Novas doenças letais. Um desvio e
uma devastação da natureza que poderão levar à morte da humanidade.
GRETA THUNBERG (16 anos de idade) Ativista do clima sueca |
Entrevê alguma
conscientização sobre o tema do ambiente e das mudanças climáticas?
Papa Francisco: Sim,
particularmente nos movimentos de jovens ecologistas, como o liderado
por Greta Thunberg, “Sextas-feiras pelo Futuro”. Eu vi um cartaz
deles que me chamou a atenção: “Nós somos o futuro!”.
A nossa conduta cotidiana –
coleta seletiva, atenção para não desperdiçar água em casa – pode incidir ou é
insuficiente para combater o fenômeno?
Papa Francisco: Incide, e
como!, porque se trata de ações concretas. E, depois, acima de tudo, cria e
difunde a cultura de não sujar a criação.
Traduzido do italiano por Moisés
Sbardelotto. Acesse a entrevista em sua versão original, clicando aqui.
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