O Brasil sabia, sim, mas precisou experimentar!
Ele é assim mesmo, mas é estratégia
Elio
Gaspari
Jornalista & Escritor
Bolsonaro nunca mudou
nem vai mudar, o problema de seu estilo
está na relação com a
VERDADE
JÔ SOARES "Programa do Jô" |
“Sou assim mesmo. Não tem
estratégia”, disse o presidente Jair Bolsonaro à repórter Jussara
Soares. Meia verdade, ele é assim mesmo, mas há uma estratégia pra lá
de bem-sucedida, no seu estilo inflamado e provocador.
Em 2005 ele era um deputado
periférico, havia defendido o fuzilamento do presidente Fernando Henrique
Cardoso e foi entrevistado por Jô Soares (o vídeo está na rede). A
conversa durou 21 minutos. Lá pelo final (minuto 19:00), Jô tocou na ideia de
se passar FHC pelas armas, e Bolsonaro respondeu, rindo:
“Se eu não peço o fuzilamento de
Fernando Henrique Cardoso, você jamais estaria me entrevistando aqui agora”.
Bingo. Se Bolsonaro não tivesse
falado do desaparecimento de Fernando Santa Cruz, talvez houvesse mais gente
falando dos 12 milhões de desempregados. Essa é a parte do comportamento do
atual presidente que pode ser chamada de estratégica. A outra é a sua maneira
de ser, e nela há dois componentes:
* Numa estão
suas opiniões, que, como as de todo mundo, podem mudar.
* Noutra
estão os seus próprios fatos, que são só dele.
Quando Jô classificou a ideia da
execução de FHC como “barbaridade”, Bolsonaro explicou:
“Barbaridade é privatizar a
Vale do Rio Doce, como ele fez, é privatizar as telecomunicações, é entregar
as nossas reservas petrolíferas para o capital externo”.
Mudou de opinião, tudo bem.
Bolsonaro, contudo, tem seus
próprios fatos, que não fazem parte do mundo real. Ele não sabe como
militantes da APML mataram Fernando Santa Cruz, porque isso não aconteceu. Na
mesma entrevista com Jô, Bolsonaro relembrou um crime cometido por terroristas
que acompanhavam Carlos Lamarca.
No mundo dos fatos, em maio de 1970,
Lamarca e um grupo de militantes da Vanguarda Popular Revolucionária que
treinavam técnicas de guerrilha no Vale da Ribeira foram descobertos e
enfrentaram um pelotão da Polícia Militar comandada pelo tenente Alberto Mendes
Junior. A tropa se rendeu e o tenente ofereceu-se para ficar como prisioneiro,
em troca da libertação dos sargentos, cabos e soldados. Dias depois, no meio da
mata, os cinco captores que conduziam o tenente viram que ele seria um estorvo,
capaz de denunciar sua localização. Decidiram matá-lo, e um deles (Yoshitame
Fujimore) abateu-o, golpeando-o na cabeça com a coronha de um fuzil.
(Meses depois, um dos captores de
Alberto Mendes foi preso, localizou a sua cova e foi libertado em 1979, pela
anistia. Em 1967, na Bolívia, o Che Guevara capturou 30 militares, não matou
ninguém.)
A cena do assassinato do tenente
não bastou ao deputado Bolsonaro. Com seus próprios fatos, ele
disse a Jô que “Lamarca torturou-o barbaramente, fez com que ele engolisse
os próprios órgãos genitais e o assassinou a coronhadas” (minuto 9:00).
Bolsonaro tirou os detalhes
escatológicos do acervo de barbaridades do exército japonês durante a Segunda
Guerra e ainda assim exagerou ao nível da inverossimilhança, pois nenhum homem
consegue engolir seus órgãos genitais. A fim das contas, em 2005, como hoje,
era estratégia, mas “sou assim mesmo”.
Fonte: Folha de S. Paulo – colunas
e blogs – Domingo, 4 de agosto de 2019 – 02h00 (Horário de Brasília
– DF) – Internet: clique aqui.
JAIR BOLSONARO Participa de ato ao lado de grandes produtores rurais, aos quais ele tentou perdoar uma dívida de mais de 17 bilhões de reais, após assumir a Presidência do Brasil |
A ricos e aliados, tudo
Não, ele não é o seu Presidente,
caso você seja pobre e trabalhador
Eliane
Cantanhêde
Jornalista
Bolsonaro e os “direitos”
dos ricos e poderosos contra
os “deveres” de todo
o resto
O presidente Jair Bolsonaro
confirma, dia sim, outro também, sua visão peculiar e sectária do que sejam
direitos. Diz a Constituição que “todos são iguais perante a lei”. Dizem
as democracias que os direitos e deveres são iguais para todos. Para
Bolsonaro, não. No seu governo, como na sua fala, uns têm mais direitos
do que outros: os ricos, donos do capital.
Num país campeão de desigualdade
social, com milhões de pessoas sem direito a emprego, educação, saúde,
moradia, transporte, igualdades de condições e respeito, o presidente jamais
usa a palavra “social” e está preocupado é com os direitos dos empresários, que
chama de “heróis”: “É horrível ser patrão no Brasil”, prega. Bem pior, presidente, é ser pobre.
Assim, Bolsonaro:
a) defende trabalho
infantil,
b) produz
frases dúbias sobre trabalho escravo e
c) estuda devolver
terras desapropriadas.
d) E corta, ops!, contingencia
verbas do Ministério do Desenvolvimento Social e da Educação.
BOLSONARO No palanque da "Marcha para Jesus - 2019", organizada por igrejas evangélicas em São Paulo |
Suas
preferências!!!
1. Entre a
proteção da Amazônia e a ganância de madeireiros ilegais, adivinhem quem ele
defende? Em desacordo com a lei, impediu a destruição de caminhões que
derrubavam árvores, criminosamente, na floresta.
2. Entre o direito
ancestral dos índios e o desejo de “tarados” americanos de explorar
minérios em terras indígenas, adivinhem o que ele prefere?
3. E a ideia
de liberar Angra dos Reis para empresários criarem “uma Cancún”?
4. Entre o Coaf,
que identifica movimentações financeiras atípicas, e o interesse do filho
Flávio Bolsonaro, cujo gabinete no Rio foi um dos flagrados, adivinhem o
que ele faz? O chefe do Coaf cai, o filho Flávio fica feliz da vida.
Aliás, cadê o Queiroz?
Crítico
à política? Nem tanto!
Sempre crítico à política, Bolsonaro
se deu o direito de estar nela há 29 anos e garantir mandatos não só
para Flávio, mas também para o “02”, Carlos, e o “03”, Eduardo.
Por que será?
Essa pergunta, que nunca quis
calar, pode estar sendo respondida pelo jornal O Globo, que identificou 286
assessores do clã nessas três décadas, 102 da família Bolsonaro ou de
famílias amigas. Alguns receberam a média de R$ 7,3 mil, ou R$ 10,7 mil,
durante 14, 15 anos, sem dar as caras no trabalho. Uma era oficialmente “do
lar”, outra declarou-se “babá” na Justiça e vai por aí afora. Será que os
salários não eram para elas? E qual o direito dos Bolsonaro de fazer isso?
Há também os cartões
corporativos: a sociedade tem o direito de saber como são gastas as verbas
oficiais, mas Bolsonaro mantém o “direito” de gastar sem dizer onde,
para quê, com quem. E não é pouco dinheiro, não.
JAIR BOLSONARO ao lado de seus filhos políticos, como ele, há anos e anos: da esquerda para a direita, temos: Eduardo, Flávio e Carlos. |
Quem
Bolsonaro atende, com quem fala
Quem, por ofício, checa diariamente
a agenda do presidente sabe os que têm acesso a Bolsonaro e para quem
ele está efetivamente governando:
a) Ele vai a
toda e qualquer solenidade militar,
b) frequenta
cultos e despacha com pastores evangélicos,
c) leva
ministros a estádios de futebol e
d) abre as
portas do gabinete a multinacionais, grandes empresários, ruralistas,
políticos aliados, a “bancada da bala”. Aos aliados e ao capital,
enfim.
Onde ficam as outras religiões, os ambientalistas,
as comunidades LGBT, os professores, os defensores de direitos
humanos, os cientistas, os cineastas, os escritores,
os artistas, os intelectuais, os índios, os quilombolas,
os especialistas em trânsito e em desarmamento? E os representantes
de trabalhadores?
No mundo de Bolsonaro, o capital
tem todos os direitos, o trabalho e as minorias só têm deveres. A uns, a
defesa. Aos outros, a cobrança. Mais ou menos como no caso dos Estados: aos
governadores aliados, tudo; aos nordestinos, as migalhas.
Entra aí o “direito” do jovem
deputado Eduardo de ser embaixador na mais importante embaixada do planeta, a
dos Estados Unidos. “Indicado tem de ser filho de alguém. Por que não meu?”,
indagou papai Bolsonaro. O que responder, minha gente?!
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