18° Domingo do Tempo Comum – Ano C – Homilia
Evangelho: Lucas 12,13-21
(Acesse o texto do Evangelho, clicando aqui)
Pe. Joaquim Garrido, Pe. Manuel Barbosa, Pe. José Ornelas Carvalho
Província
Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Tema central da liturgia deste domingo
A liturgia deste domingo questiona-nos acerca da atitude
que assumimos face aos bens deste mundo. Sugere que eles não podem ser
os deuses que dirigem a nossa vida; e convida-nos a descobrir e a amar
esses outros bens que dão verdadeiro sentido à nossa existência e que nos
garantem a vida em plenitude. [...]
No Evangelho, através da “parábola do rico
insensato”, Jesus denuncia a falência de uma vida voltada apenas para os
bens materiais: o homem que assim procede é um “louco”, que esqueceu aquilo
que, verdadeiramente, dá sentido à existência.
Evangelho – O dinheiro não é a fonte da
verdadeira vida
1. Contexto
do Evangelho deste domingo
Continuamos a percorrer com Jesus o “caminho para
Jerusalém” e a escutar as lições que preparam os discípulos para serem as testemunhas
do Reino. A catequese, que Jesus hoje apresenta, é sobre a atitude face
aos bens.
A reflexão é desencadeada por uma questão relacionada com
partilhas. Um homem queixa-se a Jesus porque o irmão não quer repartir
com ele a herança. Segundo as tradições judaicas, o filho primogênito de
uma família de dois irmãos recebia dois terços das possessões paternas (cf. Dt
21,17). É possível que só fossem repartidos os bens móveis e que, para
guardar intacto o patrimônio da família, a casa e as terras fossem atribuídas
ao primogênito. O homem que interpela Jesus é, provavelmente, o irmão mais
novo, que ainda não tinha recebido nada. Era frequente, no tempo de Jesus,
que os “doutores da lei” assumissem o papel de juízes em casos similares.
Como é que Jesus Se vai situar face a esta questão?
2. A
Mensagem do Evangelho
Jesus escusa-se, delicadamente, a envolver-se em questões de
direito familiar e a tomar posição por um irmão contra outro (“amigo,
quem me fez juiz ou árbitro das vossas partilhas?” – vers. 14). O que estava
em causa na questão era a cobiça, a luta pelos bens, o apego excessivo
ao dinheiro (talvez por parte dos dois irmãos em causa). A conclusão que
Jesus tira (vers. 15) explica porque é que ele não aceita meter-se na
questão: o dinheiro não é a fonte da verdadeira vida.
A cobiça dos bens (o desejo insaciável de ter) é
idolatria: não conduz à vida plena, não responde às aspirações mais
profundas do homem, não conduz a um autêntico amadurecimento da pessoa. A
lógica do “Reino” não é a lógica de quem vive para os bens materiais; quem
quiser viver na dinâmica do Reino deverá ter isto presente.
A parábola que Jesus vai apresentar na sequência
(vers. 16-21) ilustra a atitude do homem voltado para os bens perecíveis,
mas que se esquece do essencial – aquilo que dá a vida em plenitude.
Apresenta-nos um homem previdente, responsável, trabalhador (que até
podíamos admirar e louvar); mas que, de forma egoísta e obsessiva, vive
apenas para os bens que lhe asseguram tranquilidade e bem-estar material
(e nisso, já não o podemos louvar e admirar). Esse homem representa, aqui,
todos aqueles cuja vida é apenas um acumular sempre mais, esquecendo todo
o resto – inclusive Deus, a família e os outros; representa todos aqueles que
vivem uma relação de “circuito fechado” com os bens materiais, que fizeram
deles o seu deus pessoal e que esqueceram que não é aí que está o
sentido mais fundamental da existência.
A referência à ação de Deus, que põe repentinamente um ponto final
nesta existência egoísta e sem significado, não deve ser muito sublinhada: ela
serve, apenas, para mostrar que uma vida vivida desse jeito não tem sentido
e que quem vive para acumular mais e mais bens é, aos olhos de Deus, um “insensato”.
O que é que Jesus pretende, ao contar esta história?
Convidar os seus discípulos a despojar-se de todos os bens?
Ensinar aos seus seguidores que não devem preocupar-se com o
futuro?
Propor aos que aderem ao Reino uma existência de miséria, sem
o necessário para uma vida minimamente digna e humana?
Não. O que Jesus pretende é dizer-nos que não podemos
viver na escravidão do dinheiro e dos bens materiais, como se eles fossem a
coisa mais importante da nossa vida.
A
preocupação excessiva com os bens,
a busca
obsessiva dos bens,
constitui
uma experiência de egoísmo, de fechamento, de desumanização,
que centra
o homem em si próprio e o impede de estar disponível e
de ter
espaço na sua vida para os valores verdadeiramente importantes –
os valores
do Reino.
Quando o coração está cheio de cobiça, de avareza, de
egoísmo, quando a vida se torna um combate obsessivo pelo “ter”, quando o
verdadeiro motor da vida é a ânsia de acumular, o homem torna-se insensível
aos outros e a Deus; é capaz de explorar, de escravizar o irmão, de cometer
injustiças, a fim de ampliar a sua conta bancária. Torna-se orgulhoso e autossuficiente,
incapaz de amar, de partilhar, de se preocupar com os outros. Fica, então, à
margem do Reino.
Atenção: esta parábola não se destina
apenas àqueles que têm muitos bens; mas destina-se a todos aqueles que
(tendo muito ou pouco) vivem obcecados com os bens, orientam a sua vida no
sentido do “ter” e fazem dos bens materiais os deuses que condicionam a sua
vida e o seu agir.
3. Atualizando
o Evangelho para a nossa vida
Para a reflexão pessoal e comunitária, ter em conta os
seguintes elementos:
a) A Palavra de Deus que aqui nos é servida questiona
fortemente alguns dos fundamentos sobre os quais a nossa sociedade se constrói.
O capitalismo selvagem que, por amor do lucro, escraviza e obriga a trabalhar
até à exaustão (e por salários miseráveis) homens, mulheres e crianças,
continua vivo em tantos cantos do nosso planeta.
* Podemos, tranquilamente, comprar e
consumir produtos que são fruto da escravidão de tantos irmãos nossos?
* Devemos consentir, com a nossa
indiferença e passividade, em aumentar os lucros imoderados desses empresários/sanguessugas
que vivem do sangue dos outros?
b) Entre nós, o capitalismo assume um “rosto” mais
humano nas teses do liberalismo econômico; mas continua a impor a
filosofia do lucro, a escravidão do trabalhador, a prioridade dos critérios
de planificação, de eficiência, de produção em relação às pessoas.
* Podemos consentir que o mundo
se construa desta forma?
* Podemos consentir que as leis trabalhistas
favoreçam a escravidão do trabalhador?
* Que podemos fazer? Nós cristãos –
nós Igreja – não temos uma palavra a dizer e uma posição a tomar face a isto?
c) Qualquer trabalhador – muitos de nós, provavelmente –
passa a vida numa escravidão do trabalho e dos bens, que não deixa tempo nem
disponibilidade para as coisas importantes – Deus, a família, os irmãos que nos
rodeiam. Muitas vezes, o mercado de trabalho não nos dá outra hipótese (se
não produzimos de acordo com a planificação da empresa, outro ocupará,
rapidamente, o nosso lugar); outras vezes, essa escravidão do trabalho resulta
de uma opção consciente.
* Quantas pessoas escolhem não
ter filhos, para poder dedicar-se a uma carreira de êxito profissional que
as torne milionárias antes dos quarenta anos.
* Quantas pessoas renunciam à sua
dignidade e aos seus direitos, para aumentar a conta bancária.
* Tornamo-nos, assim, mais felizes
e mais humanos?
* É aí que está o verdadeiro
sentido da vida?
d) O que Jesus denuncia aqui não é a riqueza, mas a deificação
da riqueza. Até alguém que fez “voto de pobreza” pode deixar-se tentar pelo
apelo dos bens e colocar neles o seu interesse fundamental. A todos Jesus
recomenda: “cuidado com os falsos deuses; não deixem que o acessório vos
distraia do fundamental”.
Adaptado ao português do Brasil por Pe. Telmo José Amaral
de Figueiredo.
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