«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Loucura ? ? ?

O método desta loucura

 Luiz Werneck Vianna

Sociólogo e Pesquisador da PUC-Rio


O que se esconde por detrás da fala, dos gestos, das
atitudes e posicionamentos do atual governo???
O que Bolsonaro, no fundo, pretende???
É bom você saber e ficar atento!
PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Plenário do Congresso Nacional, presidido pelo
Deputado Federal Constituinte Ulysses Guimarães
Constituição aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte
em 22 de setembro de 1988 e promulgada em 5 de outubro de 1988

Há método nesta loucura. Por trás dessas intempestivas iniciativas presidenciais que aturdem o observador da cena pública brasileira com a marca da gratuidade e da irrelevância tais como a cadeira para o transporte de crianças nos automóveis, entre tantas outras sobre temas comezinhos, longe de serem manifestações de insanidade se comportam como peças estratégicas nas artes da manipulação da opinião pública no sentido de ocultar a intenção real do governo.

Os truques de prestigitação a que assistimos bestificados visam chamar a atenção para os faits divers [em francês: fatos diversos, no jargão jornalístico, significa assuntos não classificáveis nas sessões costumeiras; significa, também, ninharias], concedendo ao governo tempo e liberdade para operar no campo da sua política de estado-maior, qual seja no de intervir no DNA da nossa sociedade desprendendo-a da sua história, valores e tradições. Trata-se de um plano de larga envergadura em que a ação presidencial não se encontra desamparada pois está ancorada nas elites econômicas do país desavindas com o tipo de cultura e de instituições que o país foi sedimentando ao longo do seu processo de modernização, refratário desde sempre a um capitalismo vitoriano avesso à regulamentação.

[Comentário pessoal: Portanto, não é contra o comunismo ou o esquerdismo que essa elite econômica brasileira se coloca! Eles não temem isso, mas um capitalismo regulado, mais equitativo, que promova a redistribuição de renda através de impostos e outros meios. É disso, de justiça social, que essa nossa elite não gosta nem de ouvir falar!!! O que ela deseja é ter um exército de mão de obra barata, desocupada e disponível a aceitar qualquer "esmola" ao invés de salário digno e decente! Assim como, trabalhar sem parar, sem direitos e garantias!]

Concisamente, em nossa formação capitalista as concepções do ultraliberal Spencer não foram recepcionadas, pois foi mais sob a inspiração de Durkheim, um opositor ferrenho da obra desse autor, que a modernização capitalista brasileira encontrou régua e compasso para abrir caminho à sua trajetória afirmativa. A fórmula corporativa, com as claras ressonâncias de Durkheim na obra e na ação de um Oliveira Vianna, ideólogo largamente influente na revolução de 1930, especialmente no Estado Novo, quando presidiu a comissão que elaborou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que foi, como se sabe, a opção institucional implementada para reger as relações capitalistas num momento de emergência da industrialização no país. O corporativismo que veio a tutelar a vida associativa dos trabalhadores legitimou-se entre eles por meio de sua política social. O moderno capitalismo brasileiro nasce, assim, sob o signo da regulamentação.

A presença do Estado sob a ação modernizadora das novas elites políticas não se vai limitar ao controle do mundo do trabalho, incidindo com força no domínio econômico a fim de acelerar o processo da expansão capitalista por meio de empresas estatais nas frentes estratégicas da siderurgia, de início, e depois na do petróleo, da energia e outras atividades essenciais ao suporte do ambicioso projeto de internalizar no país as bases para a edificação de um capitalismo moderno.

O longo ciclo da modernização autoritária vai percorrer distintos regimes, tanto os mais repressivos como aqueles próximos ao liberalismo político, como no governo JK [= Juscelino Kubitschek – presidente de 1956 a 1961], inclusive o recente regime militar com sua versão de nacional-desenvolvimentismo embalado pela ideologia de país potência, quando toma forma o capitalismo de Estado e se reforça a estatalização da economia. Fora a frustração sentida com o insucesso da tentativa de incluir o país no seleto grupo de países detentores da capacidade de produção de bombas atômicas, um dos grandes feitos do regime militar consistiu na conquista do Oeste como nova fronteira para a expansão capitalista, iniciativa de estado-maior que se iniciou com a construção da estrada transamazônica, sucedida por uma bem cuidada política de colonização. O agronegócio é filho dileto dessa política que alterou drasticamente a paisagem política e social do nosso mundo agrário.
ULYSSES GUIMARÃES
Segurando um exemplar da Constituição de 1988

Constituição de 1988:
solidariedade social + representação democrática

A experiência da modernização autoritária do capitalismo brasileiro vai ser interrompida, quer pela exaustão das forças que o animavam, quer pela resistência em escala crescente dos movimentos sociais e das forças políticas de inclinação liberal que em aliança a ele se opunham. Derrotado politicamente o regime militar, mas não derrubado, abriu-se um difícil processo de negociação entre ele e a oposição, que conduziu a convocação de uma assembleia nacional constituinte, consagrando a Carta de 88 uma modelagem de país que o comprometia com ideais de solidariedade social e da representação política democrática.

A rigor, o constituinte procedeu a partir de uma interpretação do nosso processo de modernização, expurgando-o dos elementos autoritários que nele se fizeram presentes. Fixou também procedimentos que viessem a garantir sua eficácia, criando para tanto novos institutos, entre os quais um Ministério Público com o papel de defender as suas disposições. Com essas inovações, a Carta confirmava e protegia o DNA que se plasmou no curso da nossa história de modernização, afirmando a dimensão do público como relevante no capitalismo brasileiro.

Nesse sentido, a Constituição fixou princípios e valores constantes da tradição da nossa formação não homólogos aos desejados pelas forças do mercado, infensas à política e ao social como presenças estranhas à lógica que lhe é própria. Tais forças, dominantes no governo atual, embora camufladas pelo alarido que ele produz em torno de questões comportamentais, atuam no sentido de uma drástica remoção dos obstáculos institucionais que imponham limites à sua ação, o principal deles a Constituição.
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JAIR BOLSONARO
Não são bravatas ou palavras sem rumo, mas estratégia!!!

Estratégia para minar a Constituição de 1988

Esse objetivo não é de fácil realização, como o próprio governo admite, daí sua estratégia de sitiá-la, minando aos poucos sua autoridade como em sua política de agir por decretos claramente inconstitucionais, como na questão indígena, entre outras, movimento que procura se reforçar pelos ataques pessoais a integrantes do STF. Delenda Constituição, [delenda é uma palavra latina = seja destruída] essa a palavra chave que preside o governo Bolsonaro.

O governo está empenhado em uma guerra de posição para a qual precisa de tempo, como evidente no lançamento, mal cumpridos sete meses de governo, da candidatura do atual presidente à reeleição. Se o front interno não se apresenta como aprazível para seu projeto maior de extrair o país da sua história de formação, o externo, ao contrário lhe aparece como mais promissor a fim de atrelar o país aos rumos neoliberais do governo Donald Trump, com o que desde logo aplicaria um forte golpe na tradição diplomática brasileira, uma das bases de sustentação das forças históricas que presidiram nossa formação.

Resistir a essa mutação que se quer nos impor a partir de cima consiste na aplicação das lições que aprendemos à época do regime militar, como, aliás, já vem ocorrendo com a reanimação das entidades da sociedade civil, sobretudo fazendo do processo eleitoral e da ativação de partidos políticos e sindicatos o foco principal de atuação das oposições ao que aí está. Esse pesadelo que nos aflige, que de certa forma merecemos pela enormidade dos erros cometidos, pode ter um fim se soubermos aprender com a experiência acumulada dos poucos momentos em que fomos vitoriosos.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 9 de agosto de 2019 – Internet: clique aqui.


Um modelo que “não tem futuro aqui”

Bolsonaro e a proposta radical de criar uma sociedade compatível com o
capitalismo neoliberal

Entrevista especial com Luiz Werneck Vianna
Sociólogo e pesquisador da PUC-Rio

IHU On-Line

Essa intenção de Bolsonaro aparece:
na desvalorização do trabalho e do trabalhador,
no expurgo das agências reguladoras para deixar o terreno livre para o capital e sua movimentação e, especialmente, para o grande capital
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LUIZ WERNECK VIANNA

Os pronunciamentos polêmicos do presidente Jair Bolsonaro e suas propostas para desenvolver o país fazem parte de uma “política de estado-maior”, de uma “guerra contra o tipo de capitalismo que se implantou aqui e que não conheceu a modalidade do liberalismo radical”, diz o sociólogo Luiz Werneck Vianna à IHU On-Line. Segundo ele, o projeto do governo é “criar uma sociedade compatível com um tipo de capitalismo neoliberal que se quer implantar. Isso aparece em tudo: na desvalorização do trabalho e do trabalhador, no expurgo das agências reguladoras para deixar o terreno livre para o capital e sua movimentação e, especialmente, para o grande capital”, assegura.

Para reordenar o capitalismo brasileiro, afirma, “a estratégia do governo é criar uma neblina em torno das suas intenções efetivas, fazendo com que a sociedade preste atenção em questões triviais, como a cadeirinha de criança no automóvel. Enquanto se opera isso, se assume o projeto do Guedes, um projeto radical neoliberal, que não tem mais lugar no mundo de hoje”.

Crítico da modernização autoritária baseada num capitalismo de Estado, o sociólogo também discorda do modelo neoliberal que está sendo implementado pelo governo. “A ideia de criar um país homólogo às forças do mercado não tem futuro aqui. Vargas não governou assim. O capitalismo brasileiro não foi constituído a partir dessa lógica, mas da lógica da política, com Vargas, do social, da Consolidação das Leis do Trabalho. Enfim, somos de outra tradição e é com esta tradição que se quer cortar. Daí a relação com Trump, com a coisa americana, como se recriar a América aqui fosse possível”.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Werneck Vianna também comenta a relação do presidente Bolsonaro com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Para o governo, “a Constituição é um estorvo e tem que ser eliminada, e isso está em plena campanha. Por isso, os intérpretes da Constituição, os ministros do STF, são alvos preferenciais. Se quer substituir ao longo do tempo os seus nomes mais representativos, que representam a tradição da cultura brasileira, por nomes inteiramente orientados pelos valores de mercado. Esse é o projeto para os ministros do novo STF”, adverte.

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (RJ), PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP, é autor de, entre outras obras:
* A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997),
* A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999) e
* Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002).
Sobre seu pensamento, leia a obra:
* Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012).
Destacamos também seu novo livro intitulado Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual (FAP e Verbena Editora, 2018), que é composto de uma coletânea de entrevistas que analisam a conjuntura brasileira nos últimos anos, entre elas, algumas concedidas e publicadas na página do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
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Confira a entrevista.

IHU On-Line – A sua tese é a de que o governo quer operar uma política de estado-maior, intervindo no DNA da nossa sociedade. Pode explicar em que consiste esse objetivo e como isso está sendo feito a partir do método de governo do presidente Bolsonaro?

Luiz Werneck Vianna: Este governo vem com uma proposta muito radical, qual seja, desviar o país da sua trajetória tradicional não só na política interna, mas na política externa, no tema da cultura, dos valores, em tudo. Isso não é uma tarefa fácil. Então a dificuldade da tarefa está implicando em manobras diversionistas: fazer a gente olhar para um lugar, enquanto na verdade está se operando com força em outro lugar.

A meu ver, o projeto neoliberal que o ministro Paulo Guedes encarna é o cerne, o coração da proposta de governo do Bolsonaro. Mas como isso tem dificuldades porque importa mexer na questão ambiental, abrir o ambiente para a mineração, para o agronegócio - e também em todas as questões em que ele quer intervir os obstáculos não são pequenos -, ele já está desde logo visualizando a reeleição como forma de realizar essas mudanças drásticas, radicais, que quer introduzir na cena política brasileira.

Mudar a história e criar uma outra história é uma operação muito difícil,
mas esse objetivo vem sendo cultivado há tempos pelas
grandes elites econômicas do país.
Na verdade, a sustentação maior do Bolsonaro está nas
grandes elites econômicas do país, das finanças, do agronegócio.

IHU On-Line – Há uma continuidade das relações entre o Estado e as elites econômicas, como havia nos governos do PT, ou agora há uma relação diferente?

Luiz Werneck Vianna: É uma relação diferente: o governo quer criar uma sociedade compatível com um tipo de capitalismo neoliberal que se quer implantar. Isso aparece em tudo: na desvalorização do trabalho e do trabalhador, no expurgo das agências reguladoras para deixar o terreno livre para o capital e sua movimentação e, especialmente, para o grande capital.

O que ocorre no meio ambiente, neste sentido, é trágico, porque são intervenções que não têm volta, como o desmatamento em escala industrial. Transformar o Brasil numa imensa Cancún para a diversão do turismo internacional também está encontrando resistências, mas o presidente está tentando e não para de tentar. O que ele não conseguir agora, vai tentar no segundo mandato. Ele está envolvido numa guerra de posição.
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MINERAÇÃO NA AMAZÔNIA
uma das metas perseguidas por Bolsonaro e seus apoiadores

IHU On-Line – Em que consiste essa guerra? É uma guerra contra o que especificamente?

Luiz Werneck Vianna: Essa guerra é contra a nossa história, contra o tipo de capitalismo que se implantou aqui e que não conheceu a modalidade do liberalismo radical. A nossa modernização capitalista se deu sob o balizamento da ideologia corporativa. Claro que isso importava a tutela do movimento dos trabalhadores, mas importava também políticas sociais, tal como ocorreu na Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, a qual ainda está aí, toda remendada, mas está vigendo.

IHU On-Line – Como a sociedade em geral tem reagido ao governo Bolsonaro e à proposta de radicalização do neoliberalismo que seu governo quer implantar, como o senhor afirma?

Luiz Werneck Vianna: Ela mal entendeu ainda o que se passa. A estratégia do governo é criar uma neblina em torno das suas intenções efetivas, fazendo com que a sociedade preste atenção em questões triviais, como a cadeirinha de criança no automóvel. Enquanto se opera isso, se assume o projeto do Guedes, um projeto radical neoliberal, que não tem mais lugar no mundo de hoje. Mas esta é uma consideração que a sociedade não está levando em conta: é um projeto radical que vai em frente na medida em que eles [governantes] entendem que há obstáculos institucionais e culturais ao capitalismo brasileiro que precisam ser removidos para que o projeto tenha plena passagem pela imposição.

IHU On-Line – Pode nos dar alguns exemplos de quais são os obstáculos dos quais o governo está tentando se desvencilhar para implementar seu projeto neoliberal?

Luiz Werneck Vianna: A questão do meio ambiente, por exemplo. É preciso abrir espaço para a penetração do agronegócio e dos interesses capitalistas do mundo agrário brasileiro, quer pela agropecuária, quer pela mineração. A mineração degradaria inteiramente as terras em que ela for experimentada, como já ocorreu em outros lugares. Mas eles [governantes] não estão levando em consideração o social, o humano; é uma lógica econômica pura. Não há política, não há sociedade, há requerimentos lógicos de expansão do capitalismo. É disso que se trata.
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A AMAZÔNIA ESTÁ SENDO DESMATADA PARA PASTAGEM E
PLANTIO DE SOJA

IHU On-Line – As declarações do presidente são deliberadas no sentido de que fazem parte de uma estratégia de governança?

Luiz Werneck Vianna: São deliberadas, claro. Essa é uma política de estado-maior. A característica de compaixão da nossa sociedade, que vem da nossa catolicidade e pela ideologia da prosperidade desses pastores ditos pentecostais, é uma operação em curso de larga escala e isso afeta, evidentemente, a percepção sobre o social, sobre os pobres. Cadê o espaço para os perdedores na nossa sociedade no projeto do Bolsonaro? Dos deserdados? Nenhum. Ou seja, só tem um: filiem-se a um culto pentecostal e vivam a experiência da teologia da prosperidade. E virem-se. Vão para a rua vender bugiganga e a partir daí se tornem empresários. Empreendedorismo. É isso. Emprego que é bom, que seria um ângulo absolutamente aberto para uma intervenção presidencial, tornar a economia mais pujante, fazer com que se criem condições de emprego, não se diz palavra sobre isso.

Um dos exemplos maiores disso é o projeto de capitalização para a previdência social, de iniciativa do ministro Paulo Guedes, que quer quebrar com a espinha dorsal da Constituição brasileira e da nossa tradição centrada na questão da solidariedade.

Diz a Constituição que um dos objetivos da sociedade brasileira se constitui numa sociedade justa e solidária. Agora a Constituição é um estorvo e tem que ser eliminada, e isso está em plena campanha. Por isso, os intérpretes da Constituição, os ministros do STF, são alvos preferenciais. Se quer substituir ao longo do tempo os seus nomes mais representativos, que representam a tradição da cultura brasileira, por nomes inteiramente orientados pelos valores de mercado. Esse é o projeto para os ministros do novo STF.

IHU On-Line – Qual é a relação do governo com o atual quadro do STF?

Luiz Werneck Vianna: Desta natureza: o STF representa, na medida em que representa a Constituição, um estorvo.
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PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)
Brasília - DF

IHU On-Line – Quando eleito, o presidente disse que queria acabar com o velho jeito de fazer política no país, isto é, com o presidencialismo de coalizão. Isso está acontecendo? Como vê a relação do governo com os parlamentares e os partidos?

Luiz Werneck Vianna: É uma relação difícil. Ele tem uma base partidária que não é pequena, diga-se de passagem, mas é muito despreparada e comporta pessoas sem experiência maior e sem informação maior também. Agora, o Congresso como um todo tem dado respostas importantes. Dado que o governo não governa no sentido de revitalizar a economia, o Congresso está fazendo isso e fez a reforma da Previdência praticamente sozinho, e a reforma tributária, ao que parece, vai na mesma direção.

IHU On-Line – O governo pode perder apoio e se enfraquecer por conta das declarações e das decisões polêmicas do presidente?

Luiz Werneck Vianna: Pode, mas as bases de sustentação dele são muito poderosas, sobretudo no grande capital e nos meios de comunicação de massa. A sustentação dele é muito forte; além do mais, a sociedade brasileira mudou e, em certo sentido, para pior: o sistema educacional não opera há décadas. A cultura do ressentimento está em curso e se expressa no eleitor do Bolsonaro, que é ressentido.

IHU On-Line – O governo também tem uma base de apoio popular?

Luiz Werneck Vianna: O governo conta, ainda, com o apoio considerável de parte da população. Agora, o mundo gira e isso muda. O governo Lula chegou a ter 80% de aprovação e, não obstante, a política do PT virou quase um estigma.

IHU On-Line – Qual é o papel do centro diante do projeto neoliberal do governo?

Luiz Werneck Vianna: De resistência, porque essas propostas e o estímulo neoliberal não têm a cara do país; é uma cara estrangeira. Não fomos criados a partir dessa matriz; nós nascemos da Ibéria, do mundo da catolicidade. Nós não nascemos do protestantismo, nem nossas origens são anglo-saxãs. Nossa origem é diversa.

IHU On-Line - Como a esquerda tem reagido e feito oposição ao projeto do governo?

Luiz Werneck Vianna: A esquerda ainda não se deu conta de tudo que aconteceu e dos erros que ela cometeu. Isso tudo vai ficar mais ou menos claro com a abertura do processo eleitoral para as eleições municipais. Ou a esquerda vai ter uma política aberta ou vai se fechar em si mesma e vai perder mais uma vez as eleições.
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IHU On-Line – O senhor aposta em qual caminho?

Luiz Werneck Vianna: Não tenho aposta. Estou vendo as dificuldades da esquerda em tomar uma orientação melhor, mas torço para que ela tome.

IHU On-Line - O atual governo sinaliza uma ruptura com a modernização autoritária do país?

Luiz Werneck Vianna: A modernização autoritária tem a ver com um Estado mais atuante, mais interventor, com um capitalismo de Estado. A proposta do que está aí é diversa: é tirar o Estado, a política e o social da frente; é governar segundo a lógica do mercado. Acho estranho os militares apoiarem um governo com esse estilo, porque a história dos militares vai na direção oposta, na direção do [marechal Cândido] Rondon, de Euclides da Cunha, do nacional desenvolvimentismo, do [Ernesto] Geisel, da Petrobras.

IHU On-Line – Por que eles mudaram de orientação?

Luiz Werneck Vianna: Pelo fantasma da esquerda, fantasma da ideologia, do PT e também porque esses militares que são agora dominantes, foram os militares que estavam dando suporte e que queriam a continuidade do regime militar na sua radicalidade, com o AI-5, a repressão total. Esses são os homens que emergiram agora. Daí que o presidente sempre faz referência ao grupo dos porões, a ser valorizado.

IHU On-Line – O que seria uma alternativa ao neoliberalismo proposto pelo governo, mas também ao capitalismo de Estado da modernização autoritária?

Luiz Werneck Vianna: Tem sempre o caminho da discussão, do pluralismo, da democracia. A nossa vocação natural é uma social-democracia. Foi para essa direção que PT e PSDB marcharam, mas não souberam manobrar, não souberam operar suas posições e perderam terreno. Mas eu diria que a vocação do país é de natureza social-democrata. A Carta de 1988 é de feitio social-democrata.

O governo está interessado numa solução radical. Agora, se ele vai aceitar alterações pontuais, parciais, é uma possibilidade, mas não acredito. Acho que ele vai em frente. Nisso ele tem sido muito audacioso. A tentativa de nomear o filho, o senador Eduardo, a embaixador nos EUA, mostra que Bolsonaro não conhece limites.

IHU On-Line - Que consequências o modelo de Estado que o presidente quer implementar podem trazer para o país?

Luiz Werneck Vianna: Pode trazer anomia, desordem, protestos massivos, pode tornar o país ingovernável, porque a ideia de criar um país homólogo às forças do mercado não tem futuro aqui. Vargas não governou assim. O capitalismo brasileiro não foi constituído a partir dessa lógica, mas da lógica da política, com Vargas, do social, da Consolidação das Leis do Trabalho. Enfim, somos de outra tradição e é com esta tradição que se quer cortar. Daí a relação com Trump, com a coisa americana, como se recriar a América aqui fosse possível. Mas esse é um sonho acalentado por setores da elite econômica há décadas; não há nada de novo nisso. Eles encontraram essa oportunidade agora e vão em frente, e o Bolsonaro é um instrumento para a realização disso.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Domingo, 11 de agosto de 2019 –Internet: clique aqui

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