Loucura ? ? ?
O método desta loucura
Luiz
Werneck Vianna
Sociólogo e Pesquisador da PUC-Rio
O que se esconde por
detrás da fala, dos gestos, das
atitudes e posicionamentos
do atual governo???
O que Bolsonaro, no
fundo, pretende???
É bom você saber e
ficar atento!
Há método nesta loucura. Por trás
dessas intempestivas iniciativas presidenciais que aturdem o observador
da cena pública brasileira com a marca da gratuidade e da irrelevância tais
como a cadeira para o transporte de crianças nos automóveis, entre tantas
outras sobre temas comezinhos, longe de serem manifestações de insanidade se
comportam como peças estratégicas nas artes da
manipulação da opinião pública no sentido de ocultar
a intenção real do governo.
Os truques de prestigitação a que
assistimos bestificados visam chamar a atenção para os faits divers [em
francês: fatos diversos, no jargão jornalístico, significa assuntos não
classificáveis nas sessões costumeiras; significa, também, ninharias],
concedendo ao governo tempo e liberdade para operar no campo da sua política de
estado-maior, qual seja no de intervir no DNA da nossa sociedade desprendendo-a
da sua história, valores e tradições. Trata-se de um plano de larga
envergadura em que a ação presidencial não se encontra desamparada pois está
ancorada nas elites econômicas do país desavindas com o tipo de cultura e
de instituições que o país foi sedimentando ao longo do seu processo de
modernização, refratário desde sempre a um capitalismo vitoriano avesso à
regulamentação.
[Comentário pessoal: Portanto, não é contra o
comunismo ou o esquerdismo que essa elite econômica brasileira se coloca! Eles
não temem isso, mas um capitalismo regulado, mais equitativo, que
promova a redistribuição de renda através de impostos e outros meios. É disso,
de justiça social, que essa nossa elite não gosta nem de ouvir falar!!! O que ela deseja é ter um exército de mão de obra barata, desocupada e disponível a aceitar qualquer "esmola" ao invés de salário digno e decente! Assim como, trabalhar sem parar, sem direitos e garantias!]
Concisamente,
em nossa formação capitalista as concepções do ultraliberal Spencer não
foram recepcionadas, pois foi mais sob a inspiração de Durkheim, um
opositor ferrenho da obra desse autor, que a modernização capitalista
brasileira encontrou régua e compasso para abrir caminho à sua trajetória
afirmativa. A fórmula corporativa, com as claras ressonâncias de Durkheim na
obra e na ação de um Oliveira Vianna, ideólogo largamente influente na
revolução de 1930, especialmente no Estado Novo, quando presidiu a comissão que
elaborou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que foi, como se
sabe, a opção institucional implementada para reger as relações capitalistas
num momento de emergência da industrialização no país. O corporativismo que
veio a tutelar a vida associativa dos trabalhadores legitimou-se entre eles por
meio de sua política social. O moderno capitalismo brasileiro nasce, assim,
sob o signo da regulamentação.
A presença
do Estado sob a ação modernizadora das novas elites políticas não se vai
limitar ao controle do mundo do trabalho, incidindo com força no domínio
econômico a fim de acelerar o processo da expansão capitalista por meio de
empresas estatais nas frentes estratégicas da siderurgia, de início, e depois
na do petróleo, da energia e outras atividades essenciais ao suporte do ambicioso
projeto de internalizar no país as bases para a edificação de um capitalismo
moderno.
O longo
ciclo da modernização autoritária vai percorrer distintos regimes, tanto os
mais repressivos como aqueles próximos ao liberalismo político, como no
governo JK [= Juscelino Kubitschek – presidente de 1956 a 1961], inclusive o
recente regime militar com sua versão de nacional-desenvolvimentismo
embalado pela ideologia de país potência, quando toma forma o capitalismo de
Estado e se reforça a estatalização da economia. Fora a frustração
sentida com o insucesso da tentativa de incluir o país no seleto grupo de
países detentores da capacidade de produção de bombas atômicas, um dos grandes
feitos do regime militar consistiu na conquista do Oeste como nova fronteira
para a expansão capitalista, iniciativa de estado-maior que se
iniciou com a construção da estrada transamazônica, sucedida por uma bem
cuidada política de colonização. O agronegócio
é filho dileto dessa política que alterou drasticamente a paisagem política e
social do nosso mundo agrário.
ULYSSES GUIMARÃES Segurando um exemplar da Constituição de 1988 |
Constituição
de 1988:
solidariedade
social + representação democrática
A
experiência da modernização autoritária do capitalismo brasileiro vai ser
interrompida, quer pela exaustão das forças que o animavam, quer pela
resistência em escala crescente dos movimentos sociais e das forças políticas
de inclinação liberal que em aliança a ele se opunham. Derrotado politicamente
o regime militar, mas não derrubado, abriu-se um difícil processo de negociação
entre ele e a oposição, que conduziu a convocação de uma assembleia nacional
constituinte, consagrando a Carta de 88 uma modelagem de país que o
comprometia com ideais de solidariedade social e da representação
política democrática.
A rigor,
o constituinte procedeu a partir de uma interpretação do nosso processo de
modernização, expurgando-o dos elementos autoritários que nele se
fizeram presentes. Fixou também procedimentos que viessem a garantir sua eficácia,
criando para tanto novos institutos, entre os quais um Ministério
Público com o papel de defender as suas disposições. Com essas inovações, a
Carta confirmava e protegia o DNA que se plasmou no curso da nossa história de
modernização, afirmando a dimensão do público
como relevante no capitalismo brasileiro.
Nesse
sentido, a Constituição fixou princípios e valores constantes da tradição da
nossa formação não homólogos aos desejados pelas forças do mercado,
infensas à política e ao social como presenças estranhas à lógica que lhe é
própria. Tais forças, dominantes no governo atual, embora camufladas pelo
alarido que ele produz em torno de questões comportamentais, atuam no
sentido de uma drástica remoção dos obstáculos institucionais que imponham
limites à sua ação, o principal deles a Constituição.
JAIR BOLSONARO Não são bravatas ou palavras sem rumo, mas estratégia!!! |
Estratégia
para minar a Constituição de 1988
Esse
objetivo não é de fácil realização, como o próprio governo admite, daí sua
estratégia de sitiá-la, minando aos poucos sua autoridade como em sua
política de agir por decretos claramente inconstitucionais, como na questão
indígena, entre outras, movimento que procura se reforçar pelos ataques
pessoais a integrantes do STF. Delenda
Constituição, [delenda é uma palavra latina = seja destruída] essa a palavra chave
que preside o governo Bolsonaro.
O
governo está empenhado em uma guerra de posição para a qual precisa de tempo, como evidente no lançamento, mal cumpridos sete meses de
governo, da candidatura do atual presidente à reeleição. Se o front
interno não se apresenta como aprazível para seu projeto maior de extrair o
país da sua história de formação, o externo, ao contrário lhe aparece como mais
promissor a fim de atrelar o país aos rumos neoliberais do governo Donald
Trump, com o que desde logo aplicaria um forte golpe na tradição
diplomática brasileira, uma das bases de sustentação das forças históricas que
presidiram nossa formação.
Resistir a essa mutação que se quer nos impor a partir de
cima consiste na aplicação das lições que aprendemos à época do regime
militar, como, aliás, já vem ocorrendo com a reanimação das entidades da
sociedade civil, sobretudo fazendo do processo eleitoral e da ativação de
partidos políticos e sindicatos o foco principal de atuação das oposições ao
que aí está. Esse pesadelo que nos aflige, que de certa forma merecemos pela
enormidade dos erros cometidos, pode ter um fim se soubermos aprender com a
experiência acumulada dos poucos momentos em que fomos vitoriosos.
Um modelo que “não tem futuro aqui”
Bolsonaro e a proposta radical de criar
uma sociedade compatível com o
capitalismo neoliberal
Entrevista especial com Luiz Werneck Vianna
Sociólogo e pesquisador da PUC-Rio
IHU On-Line
Essa intenção de Bolsonaro aparece:
na desvalorização do trabalho e do
trabalhador,
no expurgo das agências reguladoras para
deixar o terreno livre para o capital e sua movimentação e, especialmente, para
o grande capital
LUIZ WERNECK VIANNA |
Os pronunciamentos polêmicos do
presidente Jair Bolsonaro e suas propostas para desenvolver o país fazem parte
de uma “política de estado-maior”, de uma “guerra contra o tipo de
capitalismo que se implantou aqui e que não conheceu a modalidade do liberalismo
radical”, diz o sociólogo Luiz Werneck Vianna à IHU On-Line. Segundo
ele, o projeto do governo é “criar uma sociedade compatível com um tipo de
capitalismo neoliberal que se quer implantar. Isso aparece em tudo: na
desvalorização do trabalho e do trabalhador, no expurgo das agências
reguladoras para deixar o terreno livre para o capital e sua movimentação e,
especialmente, para o grande capital”, assegura.
Para reordenar o capitalismo
brasileiro, afirma, “a estratégia do governo é criar uma neblina em torno
das suas intenções efetivas, fazendo com que a sociedade preste atenção em
questões triviais, como a cadeirinha de criança no automóvel. Enquanto se
opera isso, se assume o projeto do Guedes, um projeto
radical neoliberal, que não tem mais lugar no mundo de hoje”.
Crítico da modernização autoritária
baseada num capitalismo de Estado, o sociólogo também discorda do modelo
neoliberal que está sendo implementado pelo governo. “A ideia de criar um
país homólogo às forças do mercado não tem futuro aqui. Vargas não governou
assim. O capitalismo brasileiro não foi constituído a partir dessa lógica, mas
da lógica da política, com Vargas, do social, da Consolidação das Leis do
Trabalho. Enfim, somos de outra tradição e é com esta tradição que se quer
cortar. Daí a relação com Trump, com a coisa americana, como se recriar a
América aqui fosse possível”.
Na entrevista a seguir, concedida
por telefone, Werneck Vianna também comenta a relação do presidente
Bolsonaro com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Para o
governo, “a Constituição é um estorvo e tem que ser eliminada, e isso está em
plena campanha. Por isso, os intérpretes da Constituição, os ministros do STF,
são alvos preferenciais. Se quer substituir ao longo do tempo os seus nomes
mais representativos, que representam a tradição da cultura brasileira, por nomes
inteiramente orientados pelos valores de mercado. Esse é o projeto para os
ministros do novo STF”, adverte.
Luiz Werneck Vianna é
professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(RJ), PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP, é
autor de, entre outras obras:
* A
revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro:
Revan, 1997),
* A
judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de
Janeiro: Revan, 1999) e
* Democracia
e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002).
Sobre seu pensamento, leia a obra:
* Uma
sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna,
organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF,
2012).
Destacamos também seu novo livro
intitulado Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual (FAP e Verbena
Editora, 2018), que é composto de uma coletânea de entrevistas que
analisam a conjuntura brasileira nos últimos anos, entre elas, algumas
concedidas e publicadas na página do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A sua tese é a
de que o governo quer operar uma política de estado-maior, intervindo no DNA da
nossa sociedade. Pode explicar em que consiste esse objetivo e como isso está
sendo feito a partir do método de governo do presidente Bolsonaro?
Luiz Werneck Vianna: Este
governo vem com uma proposta muito radical, qual seja, desviar o país da sua
trajetória tradicional não só na política interna, mas na política externa, no
tema da cultura, dos valores, em tudo. Isso não é uma tarefa fácil. Então a
dificuldade da tarefa está implicando em manobras diversionistas: fazer a
gente olhar para um lugar, enquanto na verdade está se operando com força em
outro lugar.
A meu ver, o projeto neoliberal
que o ministro Paulo Guedes encarna é o cerne, o coração da proposta
de governo do Bolsonaro. Mas como isso tem dificuldades porque importa mexer
na questão ambiental, abrir o ambiente para a mineração, para o agronegócio
- e também em todas as questões em que ele quer intervir os obstáculos não são
pequenos -, ele já está desde logo visualizando a reeleição como forma de
realizar essas mudanças drásticas, radicais, que quer introduzir na cena
política brasileira.
Mudar a história e criar uma outra história é uma
operação muito difícil,
mas esse objetivo vem sendo cultivado há tempos pelas
grandes elites econômicas do país.
Na verdade, a sustentação maior do Bolsonaro está nas
grandes elites econômicas do país, das finanças, do
agronegócio.
IHU On-Line – Há uma
continuidade das relações entre o Estado e as elites econômicas, como havia nos
governos do PT, ou agora há uma relação diferente?
Luiz Werneck Vianna: É uma
relação diferente: o governo quer criar uma sociedade compatível com um tipo de
capitalismo neoliberal que se quer implantar. Isso aparece em tudo: na
desvalorização do trabalho e do trabalhador, no expurgo das agências
reguladoras para deixar o terreno livre para o capital e sua movimentação e,
especialmente, para o grande capital.
O que ocorre no meio ambiente,
neste sentido, é trágico, porque são intervenções que não têm volta, como o
desmatamento em escala industrial. Transformar o Brasil numa imensa
Cancún para a diversão do turismo internacional também está encontrando
resistências, mas o presidente está tentando e não para de tentar. O que ele
não conseguir agora, vai tentar no segundo mandato. Ele está envolvido numa
guerra de posição.
MINERAÇÃO NA AMAZÔNIA uma das metas perseguidas por Bolsonaro e seus apoiadores |
IHU On-Line – Em que
consiste essa guerra? É uma guerra contra o que especificamente?
Luiz Werneck Vianna: Essa guerra
é contra a nossa história, contra o tipo de capitalismo que se implantou
aqui e que não conheceu a modalidade do liberalismo radical. A nossa
modernização capitalista se deu sob o balizamento da ideologia corporativa.
Claro que isso importava a tutela do movimento dos trabalhadores, mas importava
também políticas sociais, tal como ocorreu na Consolidação das Leis do
Trabalho, em 1943, a qual ainda está aí, toda remendada, mas está vigendo.
IHU On-Line – Como a
sociedade em geral tem reagido ao governo Bolsonaro e à proposta de
radicalização do neoliberalismo que seu governo quer implantar, como o senhor
afirma?
Luiz Werneck Vianna: Ela mal
entendeu ainda o que se passa. A estratégia do governo é criar uma neblina
em torno das suas intenções efetivas, fazendo com que a sociedade preste
atenção em questões triviais, como a cadeirinha de criança no automóvel.
Enquanto se opera isso, se assume o projeto do Guedes, um projeto radical
neoliberal, que não tem mais lugar no mundo de hoje. Mas esta é uma
consideração que a sociedade não está levando em conta: é um projeto radical
que vai em frente na medida em que eles [governantes] entendem que há
obstáculos institucionais e culturais ao capitalismo brasileiro que precisam
ser removidos para que o projeto tenha plena passagem pela imposição.
IHU On-Line – Pode nos dar
alguns exemplos de quais são os obstáculos dos quais o governo está tentando se
desvencilhar para implementar seu projeto neoliberal?
Luiz Werneck Vianna: A questão
do meio ambiente, por exemplo. É preciso abrir espaço para a penetração do
agronegócio e dos interesses capitalistas do mundo agrário brasileiro, quer
pela agropecuária, quer pela mineração. A mineração degradaria inteiramente
as terras em que ela for experimentada, como já ocorreu em outros lugares.
Mas eles [governantes] não estão levando em consideração o social, o humano; é
uma lógica econômica pura. Não há política, não há sociedade, há
requerimentos lógicos de expansão do capitalismo. É disso que se trata.
A AMAZÔNIA ESTÁ SENDO DESMATADA PARA PASTAGEM E PLANTIO DE SOJA |
IHU On-Line – As declarações
do presidente são deliberadas no sentido de que fazem parte de uma estratégia
de governança?
Luiz Werneck Vianna: São
deliberadas, claro. Essa é uma política de estado-maior. A característica de
compaixão da nossa sociedade, que vem da nossa catolicidade e pela ideologia da
prosperidade desses pastores ditos pentecostais, é uma operação em curso de
larga escala e isso afeta, evidentemente, a percepção sobre o social, sobre os
pobres. Cadê o espaço para os perdedores na nossa sociedade no projeto do
Bolsonaro? Dos deserdados? Nenhum. Ou seja, só tem um: filiem-se a um
culto pentecostal e vivam a experiência da teologia da prosperidade. E
virem-se. Vão para a rua vender bugiganga e a partir daí se tornem empresários.
Empreendedorismo. É isso. Emprego que é bom, que seria um ângulo absolutamente
aberto para uma intervenção presidencial, tornar a economia mais pujante, fazer
com que se criem condições de emprego, não se diz palavra sobre isso.
Um dos exemplos maiores disso é o projeto
de capitalização para a previdência social, de iniciativa do ministro Paulo
Guedes, que quer quebrar com a espinha dorsal da Constituição brasileira
e da nossa tradição centrada na questão da solidariedade.
Diz a Constituição que um dos
objetivos da sociedade brasileira se constitui numa sociedade justa e
solidária. Agora a Constituição é um estorvo e tem que ser eliminada, e isso
está em plena campanha. Por isso, os intérpretes da Constituição, os
ministros do STF, são alvos preferenciais. Se quer substituir ao longo do tempo
os seus nomes mais representativos, que representam a tradição da cultura
brasileira, por nomes inteiramente orientados pelos valores de mercado. Esse é
o projeto para os ministros do novo STF.
IHU On-Line – Qual é a
relação do governo com o atual quadro do STF?
Luiz Werneck Vianna: Desta
natureza: o STF representa, na medida em que representa a Constituição, um
estorvo.
PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) Brasília - DF |
IHU On-Line – Quando eleito,
o presidente disse que queria acabar com o velho jeito de fazer política no
país, isto é, com o presidencialismo de coalizão. Isso está acontecendo? Como
vê a relação do governo com os parlamentares e os partidos?
Luiz Werneck Vianna: É uma
relação difícil. Ele tem uma base partidária que não é pequena, diga-se de
passagem, mas é muito despreparada e comporta pessoas sem experiência maior e
sem informação maior também. Agora, o Congresso como um todo tem dado
respostas importantes. Dado que o governo não governa no sentido de
revitalizar a economia, o Congresso está fazendo isso e fez a reforma da
Previdência praticamente sozinho, e a reforma tributária, ao que parece, vai na
mesma direção.
IHU On-Line – O governo pode
perder apoio e se enfraquecer por conta das declarações e das decisões
polêmicas do presidente?
Luiz Werneck Vianna: Pode, mas
as bases de sustentação dele são muito poderosas, sobretudo no grande
capital e nos meios de comunicação de massa. A sustentação dele é
muito forte; além do mais, a sociedade brasileira mudou e, em certo sentido,
para pior: o sistema educacional não opera há décadas. A cultura do
ressentimento está em curso e se expressa no eleitor do Bolsonaro, que é
ressentido.
IHU On-Line – O governo
também tem uma base de apoio popular?
Luiz Werneck Vianna: O governo
conta, ainda, com o apoio considerável de parte da população. Agora, o mundo
gira e isso muda. O governo Lula chegou a ter 80% de aprovação e, não
obstante, a política do PT virou quase um estigma.
IHU On-Line – Qual é o papel
do centro diante do projeto neoliberal do governo?
Luiz Werneck Vianna: De
resistência, porque essas propostas e o estímulo neoliberal não têm a cara
do país; é uma cara estrangeira. Não fomos criados a partir dessa matriz; nós
nascemos da Ibéria, do mundo da catolicidade. Nós não nascemos do
protestantismo, nem nossas origens são anglo-saxãs. Nossa origem é diversa.
IHU On-Line - Como a
esquerda tem reagido e feito oposição ao projeto do governo?
Luiz Werneck Vianna: A esquerda
ainda não se deu conta de tudo que aconteceu e dos erros que ela cometeu. Isso
tudo vai ficar mais ou menos claro com a abertura do processo eleitoral para as
eleições municipais. Ou a esquerda vai ter uma política aberta ou vai se
fechar em si mesma e vai perder mais uma vez as eleições.
IHU On-Line – O senhor
aposta em qual caminho?
Luiz Werneck Vianna: Não tenho
aposta. Estou vendo as dificuldades da esquerda em tomar uma orientação melhor,
mas torço para que ela tome.
IHU On-Line - O atual
governo sinaliza uma ruptura com a modernização autoritária do país?
Luiz Werneck Vianna: A modernização
autoritária tem a ver com um Estado mais atuante, mais interventor, com um capitalismo
de Estado. A proposta do que está aí é diversa: é tirar o Estado, a
política e o social da frente; é governar segundo a lógica do mercado. Acho
estranho os militares apoiarem um governo com esse estilo, porque a história
dos militares vai na direção oposta, na direção do [marechal Cândido] Rondon,
de Euclides da Cunha, do nacional desenvolvimentismo, do [Ernesto] Geisel, da
Petrobras.
IHU On-Line – Por que eles
mudaram de orientação?
Luiz Werneck Vianna: Pelo
fantasma da esquerda, fantasma da ideologia, do PT e também porque esses
militares que são agora dominantes, foram os militares que estavam dando
suporte e que queriam a continuidade do regime militar na sua radicalidade,
com o AI-5, a repressão total. Esses são os homens que emergiram agora. Daí que
o presidente sempre faz referência ao grupo dos porões, a ser valorizado.
IHU On-Line – O que seria
uma alternativa ao neoliberalismo proposto pelo governo, mas também ao
capitalismo de Estado da modernização autoritária?
Luiz Werneck Vianna: Tem sempre
o caminho da discussão, do pluralismo, da democracia. A nossa vocação
natural é uma social-democracia. Foi para essa direção que PT e PSDB
marcharam, mas não souberam manobrar, não souberam operar suas posições e
perderam terreno. Mas eu diria que a vocação do país é de natureza
social-democrata. A Carta de 1988 é de feitio social-democrata.
O governo está interessado numa
solução radical. Agora, se ele vai aceitar alterações pontuais,
parciais, é uma possibilidade, mas não acredito. Acho que ele vai em frente.
Nisso ele tem sido muito audacioso. A tentativa de nomear o filho, o senador
Eduardo, a embaixador nos EUA, mostra que Bolsonaro não conhece limites.
IHU On-Line - Que
consequências o modelo de Estado que o presidente quer implementar podem trazer
para o país?
Luiz Werneck Vianna: Pode trazer
anomia, desordem, protestos massivos, pode tornar o país ingovernável, porque a
ideia de criar um país homólogo às forças do mercado não tem futuro aqui.
Vargas não governou assim. O capitalismo brasileiro não foi constituído a
partir dessa lógica, mas da lógica da política, com Vargas, do social, da
Consolidação das Leis do Trabalho. Enfim, somos de outra tradição e é com
esta tradição que se quer cortar. Daí a relação com Trump, com a coisa
americana, como se recriar a América aqui fosse possível. Mas esse é um
sonho acalentado por setores da elite econômica há décadas; não há nada de novo
nisso. Eles encontraram essa oportunidade agora e vão em frente, e o Bolsonaro
é um instrumento para a realização disso.
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