Velório para a Amazônia
Reportagem bombástica
da famosa
“The Economist”
The Economist
3-9 de agosto de 2019
O
Brasil tem o poder de salvar a maior floresta da Terra - ou destruí-la; leia a
tradução da reportagem completa da revista britânica
Detalhe da capa da revista "The Economist" sobre a destruição da Amazônia |
Embora seu berço seja uma savana
esparsamente arborizada, a humanidade há muito tempo busca nas florestas
alimento, combustível, madeira e inspiração. Ainda um meio de sobrevivência
para 1,5 bilhão de pessoas, as florestas sustentam os ecossistemas local e
regional e, para outros 6,2 bilhões elas são uma defesa - frágil -
contra a mudança climática.
Hoje as secas, os incêndios
florestais e outras mudanças induzidas pelo homem se somam aos danos advindos
do uso de motosserras. Nos trópicos, que abrigam metade da biomassa
florestal do mundo, a perda de áreas cobertas de árvores acelerou em dois
terços desde 2015; se fosse um país, esse encolhimento tornaria a floresta
tropical a terceira maior emissora de dióxido de carbono, depois da China e dos
Estados Unidos.
Em nenhum lugar os riscos são mais
altos do que na bacia do Amazonas - e não só porque ela abriga
40% das florestas tropicais e de 10% a 15% das espécies terrestres de
todo o mundo. Essa maravilha natural da América do Sul pode estar
perigosamente próxima do ponto crítico, além do qual sua transformação
gradativa em um terreno similar a uma estepe não poderá ser contida ou
revertida, mesmo se as pessoas abandonarem seus machados. O presidente Jair
Bolsonaro está acelerando o processo - em nome, diz ele, do
desenvolvimento. O colapso ecológico que suas políticas podem precipitar
será sentido de modo mais agudo dentro das fronteiras do seu país, que
circunda 80% da bacia - mas irá bem mais além. Isso tem de ser evitado.
Os humanos vêm desbastando a
floresta amazônica desde que se estabeleceram ali, há mais de dez milênios. A
partir da década de 1970, a mata começou a ser derrubada em escala industrial. Nos
últimos 50 anos, o Brasil cedeu 17% da extensão original da floresta -
uma área maior do que a da França - para as estradas, construção de
barragens, mineração, exploração madeireira, plantação de soja e criação de
gado.
Depois de um esforço governamental
de sete anos para reduzir a velocidade da destruição, ela aumentou por causa de
uma fiscalização débil e uma anistia para o desmatamento passado.
A recessão e a crise política reduziram ainda mais a capacidade do governo de
fazer valer as regras. Agora Jair Bolsonaro, de forma prazenteira, vem acabando
com elas. Embora o Congresso e os tribunais tenham bloqueado algumas das suas
medidas visando a retirar a proteção de partes da Amazônia, ele tem deixado
claro que aqueles que violam as regras não têm nada a temer, apesar do fato
de ter sido eleito para restaurar a lei e a ordem. Como 70% a 80% do
desmatamento na Amazônia é ilegal, a destruição chegou a nível recorde. E desde
que Bolsonaro assumiu a presidência em janeiro as árvores vêm desaparecendo a
uma taxa equivalente a mais de duas áreas de Manhattan por semana.
Tradução da manchete da capa da revista "The Economist": "Relógio da morte para a Amazônia A ameaça do desmatamento descontrolado" |
A bacia amazônica é única no
sentido de que recicla a maior parte da própria água. À medida que a
floresta diminui, menos água é reciclada. Em um determinado ponto, isso
provoca mais seca da mata, de modo que em questão de décadas o processo
continua por si próprio. A mudança climática torna esse limiar mais próximo a
cada ano. Bolsonaro está fazendo com que ele chegue ao limite da tolerância.
Os pessimistas temem que o ciclo de
degradação descontrolada ocorra quando outros 3% a 8% de floresta desaparecerem - o que,
sob o governo Bolsonaro, poderá se verificar em breve. Há indícios de que eles
estão certos. Nos últimos 15 anos, a Amazônia registrou secas severas e os
incêndios florestais aumentaram.
O presidente brasileiro rejeita
essas conclusões, como faz com a ciência de modo geral. E acusa os estrangeiros
de hipocrisia - os países ricos não derrubam suas próprias florestas? E às
vezes utilizam o dogma ambiental como pretexto para manter o Brasil pobre,
disse ele. “A Amazônia é nossa”, afirmou recentemente. Para o presidente, o
que ocorre na Amazônia brasileira é problema do Brasil.
Mas não é. Uma “morte” afetará
diretamente os sete outros países com os quais o Brasil compartilha a bacia
ribeirinha. E reduzirá a umidade canalizada ao longo dos Andes até o
sul em Buenos Aires. Se o Brasil estiver arruinando um rio real, não obstruindo
um aéreo, as nações que ficam mais embaixo podem considerar isto um ato de guerra.
À medida que a vasta região armazenar carbono queimado e putrefato, o mundo
sofrerá com um aumento do aquecimento de 0,1ºC em 2100, o que não é muito,
você pode pensar, mas a meta estabelecida pelo acordo de Paris é de apenas
0,5ºC.
Outros argumentos oferecidos por
Bolsonaro são falhos. Sim, o mundo rico derrubou suas florestas. O Brasil não
deve copiar seus erros, mas aprender com eles, fazendo como a França, ou seja,
reflorestar enquanto é possível. A economia do conhecimento valoriza a
informação genética capturada na floresta muito mais do que a terra ou as
árvores mortas. Mesmo que não fosse assim, o desmatamento não é um preço
necessário ao desenvolvimento.
A produção brasileira de soja e de
carne aumentou entre 2004 e 2012, quando o desmatamento caiu em 80%. Na
verdade, além da Amazônia, a agricultura do país pode ser a maior vítima do
desmatamento. Em 2015, os agricultores do Estado de Mato Grosso que
cultivam milho perderam um terço da colheita por causa da seca.
Por todas essas razões, o mundo tem de deixar claro para Bolsonaro que não vai
tolerar seu vandalismo. As empresas de alimentos, pressionadas pelos
consumidores devem renegar a soja e a carne produzida em terras da Amazônia
ilegalmente exploradas, como fizeram em meados de 2000. Os parceiros comerciais
do Brasil devem condicionar os acordos ao bom comportamento do país. O tratado
firmado em junho pela União Europeia e pelo Mercosul, bloco comercial
sul-americano do qual o Brasil é o maior membro, já inclui cláusulas para
proteger a floresta tropical. E é do interesse das partes que sejam
implementadas.
E isto vale também para a China,
que está inquieta com o aquecimento global e precisa da agricultura brasileira
para alimentar seu gado. Os signatários ricos do acordo de Paris, que prometeram
pagar as nações em desenvolvimento para plantarem árvores que consomem o
carbono, devem cumprir o prometido. O desmatamento representa 8% das
emissões globais de gases de efeito estufa, mas atrai somente 3% da ajuda
destinada ao combate da mudança climática.
A madeira e as árvores. Se existe
um aspecto positivo nas táticas de terra-arrasada de Bolsonaro no tocante à
floresta tropical, é o fato de ele ter tornado o problema da Amazônia mais
difícil de ser ignorado - e não só no caso dos estrangeiros. A ministra da
Agricultura brasileira pressionou o presidente a manter o país no acordo de
Paris. O desmatamento descontrolado irá prejudicar os agricultores
brasileiros, se ele acarretar boicotes estrangeiros dos produtos agrícolas
brasileiros. O brasileiro comum tem de pressionar seu presidente a reverter
seu curso. Os brasileiros foram abençoados com um patrimônio planetário único,
cujo valor é tão intrínseco e vital quanto comercial. Deixá-lo perecer será uma
catástrofe desnecessária.
Tradução do inglês por Terezinha
Martino.
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