«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Filosofia em revisão


Livro narra vidas de Walter Benjamin,
Wittgenstein, Heidegger e Cassirer

Paulo Nogueira

“Tempo de Mágicos”, de Wolfram Eilenberger, tem o mérito de
condensar teorias complexas para leigos em filosofia
Filosofia
WOLFRAM EILENBERGER
Filósofo alemão

O grande Henry Adams resmungou um belo dia: “A filosofia consiste em respostas ininteligíveis para problemas insolúveis.” Imaginem quando são quatro pensadores filosofando ao mesmo tempo – e em alemão. Ainda por cima, um deles é Martin Heidegger, de quem alguém disse: “Ele é tão denso e obscuro que é intraduzível – mesmo em alemão.”

Pois um dos maiores méritos de Tempo de Mágicos, de Wolfram Eilenberger, é deslindar a vida e as teorias de Heidegger, Ernst Cassirer, Ludwig Wittgenstein e Walter Benjamin exigindo esforço do leitor – mas sem que este feche o livro com cãibras no cérebro.
LUDWIG WITTGENSTEIN (1889-1951)
Filósofo austríaco naturalizado britânico

A obra vai de 1919 a 1929, com uma cronologia não retilínea. O primeiro no palco desta micro-história da filosofia (palavra cunhada por Pitágoras) contemporânea é Wittgenstein (Wittgenstein). Wittgenstein virou mito urbano ainda em vida. Tanto que, em janeiro de 1929, John Maynard Keynes – um dos mais proeminentes economistas do século 20 – comentou: “Deus chegou a Cambridge – encontrei-o no trem das cinco e quinze.”

Wittgenstein queria lecionar em Cambridge, mas precisava do grau de doutor. Mesmo naquele rarefeito Olimpo a deferência por ele era tanto que brotou um ardil: Wittgenstein apresentaria seu Tractatus Logico-Philosophicus como tese de doutoramento – mera formalidade. Ele terminara o clássico livro quando prisioneiro dos italianos, na 1.ª Guerra Mundial. Com sua proverbial modéstia, pigarreou: “Bem, resolvi todos os problemas filosóficos.” Meses depois, herdeiro de uma das famílias mais ricas da Europa, ele doou toda a sua fortuna.

Apesar dos rapapés, a defesa do doutoramento implicava um ritual. Na banca pontificavam G. E. Moore, um dos mais badalados filósofos da época, e Bertrand Russell (o próprio). Wittgenstein grunhiu: “Não se preocupem, sei que vocês nunca vão entender bulhufas mesmo.” Finda a encenação, Moore relatou: “A tese do sr. Wittgenstein é obra de gênio, digna de um doutor em filosofia”. E Wittgenstein rosnou: “Moore é um maravilhoso exemplo de quão longe pode chegar uma pessoa sem inteligência nenhuma.”
MARTIN HEIDEGGER (1889-1976)
Filósofo, escritor, professor e reitor universitário alemão

E o que postula o icônico Tractatus? Wittgenstein tenta fixar as condições lógicas que o pensamento e a linguagem devem atender a fim de representar o mundo. É uma ascese retórica, uma super-navalha de Occam: “Minhas proposições elucidam desta maneira: quem me entende acaba por reconhecê-las como contrassensos, após ter escalado através delas – por elas – para além delas. (Deve, por assim dizer, jogar fora a escada após ter subido por ela.)”

Wittgenstein passou a vida jururu. Gay enrustido, só teve um caso, com o inglês David Pinsent. Quando o rapaz morreu num acidente aéreo em 1918, Wittgenstein. quase cometeu suicídio (como fizeram nada menos que três dos seus irmãos). Nunca deixou de ser irascível: em 1946 (isto Eilenberger não conta, mas conto eu), durante uma divergência teórica em Cambridge, Wittgenstein empunhou um atiçador de lareira (de ferro) e por um triz não rachou a cabeça do ilustre filósofo Karl Popper (há uma obra específica sobre o arranca-rabo).
ERNST CASSIRER (1874-1945)
Filósofo alemão de origem judaica

Enquanto isso, na cidade suíça de Davos (hoje sede da reunião anual do Fórum Econômico Mundial e cenário de A Montanha Mágica, de Thomas Mann), Heidegger (H) e Cassirer (C) esgrimiam seus axiomas. Em 1927, Heidegger publicou sua opus magnum, O Ser e o Tempo, lacrando o conceito de “Dasein” – o ser desafiado pelo mundo. Heidegger diz que a maior parte dos entes vive em piloto automático, empurrando a vida com a barriga, escamoteando a “autenticidade” (escolhas conscientes).

Daí a formulação célebre sobre o grande pecado da filosofia: “O esquecimento do ser”. Um enunciado de Wittgenstein também se aplica a Heidegger: “Qual o objetivo da filosofia? Mostrar à mosca a saída da redoma.” Depois de encarar O Ser e o Tempo, somos obrigados a admitir que o existencialismo de Sartre, apesar dos aforismos fofos (“Estamos condenados a ser livres”) não passa de um epigonismo.

Não obstante seu estilo abstruso, a vida mundana de Heidegger foi mais picante que a de Wittgenstein. Permaneceu casado com Elfriede Petri quase sessenta anos – mas ambos pularam o muro. Ela teve um filho extraconjugal, que o marido adotou. Das infidelidades de Heidegger a principal foi com uma aluna de 18 anos (ele tinha 37): Hannah Arendt. A primeira vez que transaram foi em plena sala do professor na Universidade de Marburg. Depois, Heidegger escreveu-lhe: “Nunca serei capaz de chamá-la de ‘minha’, mas você será parte da minha vida.” Fala sério, seu Martin!

O mais fosco dos quatro pensadores é Ernst Cassirer, talvez por ser o mais acadêmico, no sentido institucional – e pela vida privada recatada. Mas foi o único dos quatro a apoiar a República de Weimar (um baita mérito, como se viu depois), e as suas teorias sobre as formas simbólicas continuam bombando.

Walter Benjamin foi o contrário da placidez acadêmica – embora tenha salivado por uma docência universitária, que nunca obteve, devido a heterodoxia das suas obras. Passou a vida na sofrência e na pindaíba: por algum tempo, sua única fonte concreta de renda eram as análises grafológicas (como diz Eilenberger: “sua versão atual seria consultor de feng shui”). As teorias de Benjamin (B), que abrangiam a linguagem e a estética, partiam sempre da literatura. Traduziu partes de Em Busca de O Tempo Perdido, de Marcel Proust. Foi amigo de Bertold Brecht (há uma foto famosa dos dois jogando xadrez), apresentados por Asja Lascis, uma revolucionária letã por quem Benjamin arrastou um bonde (tanto que a seguiu até a União Soviética).
WALTER BENJAMIN (1892-1940)
Crítico literário, ensaísta, tradutor, filósofo e sociólogo alemão de origem judaica

Tempo de Mágicos é por tabela uma obra sobre cidades emblemáticas do início do século 20. A Viena de Mahler, Musil, Karl Kraus, Klimt, Freud. A Paris da Geração Perdida. A existência de Benjamin foi itinerante: considerou emigrar para a Palestina (como seu parça Gerhard Scholem) e para os Estados Unidos (mas não sabia um ai de inglês).

E morrerá em trânsito, fugindo para a Espanha da França ocupada pelos nazistas. Quando os guardas espanhóis lhe recusam a passagem, Benjamin se suicida, aos 48 anos. A última manifestação do seu indefectível pé-frio: no dia seguinte, a fronteira é reaberta e a galera que estava com ele dá no pé alegremente. Com seu método transdisciplinar, Benjamin foi um pioneiro – acabou entronizado santo padroeiro da influente Escola de Frankfurt (de Adorno, Horkheimer, Habermas etc.).

Moral da história: embora esses labirintos conceituais sejam mais densos que um buraco negro, Eilenberger é um eficaz GPS humano. Única perplexidade: nem um pio sobre a adesão de Heidegger ao nazismo. Sim, ela fica de fora do âmbito cronológico da obra, mas é impactante demais para ser ignorada. Sim, Heidegger não foi um ideólogo nazista como Alfred Rosenberg, mas ingressou no partido em 1933 e continuou membro até o fim da 2.ª Guerra Mundial. Sim, pensadores judeus como Hanna Arendt ou Jacques Derrida “perdoaram” o filósofo, mas a publicação dos Cadernos Negros (um diário que Heidegger reteve até morrer), em 2014, atestou que o nazismo dele era mais que um acidente de percurso. No caso de Arendt, talvez seja o que disse Elzebieta Ettinger, autora de Hanna/Martin: “Ninguém que saiba sobre amor e paixão irá considerar incomum o perdão dela. O amor é irracional. Não há nada que possamos fazer em relação a isso.”

Enfim: mais do que o epigrama de Henry Adams, Tempo dos Mágicos comprova a sacada de Hamlet para Horácio: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia” – e, atualizemos o Bardo, as redes sociais donas da verdade.

L I V R O

Título: Tempo de mágicos: a grande década da filosofia 1919-1929
Autor: Wolfram Eilenberger
Tradução: Claudia Abeling
Editora: Todavia (São Paulo – SP)
Páginas: 448
Preço: R$ 79,90

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 11 de agosto de 2019 – Pág. E4 – Internet: clique aqui.

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