A morte em forma de agrotóxico!
Agrotóxicos: regras de Bolsonaro aumentam
riscos para trabalhadores rurais
Pedro
Grigori
Mudança em rótulo de
pesticida que não apresenta risco de morte pode fazer agricultor acreditar que
eles são menos perigosos
As novas regras anunciadas
pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre classificação
de agrotóxicos parecem, à primeira vista, apenas uma adaptação ao padrão
internacional.
Mas, na prática, especialistas e
defensores dos direitos dos trabalhadores rurais afirmam que a medida vai
colocar sob risco ainda maior a saúde de quem lida diretamente com a
aplicação dos pesticidas.
Isso porque a principal alteração
do Marco Regulatório acontece na hora de classificar os produtos mais
perigosos, ou seja, das classes “altamente tóxicos” e “extremamente
tóxicos”. Se antes os que causavam problemas como úlceras, corrosão dérmica
e na córnea e até cegueira entravam nessas categorias, agora só vão fazer parte
delas os que apresentarem risco de morte por ingestão ou contato.
Assim, mais de 500 dos 800
produtos agrotóxicos hoje considerados altamente tóxicos vão passar para as
classes menos perigosas, o que deve aumentar a produção e o consumo desse
tipo de pesticida. Além disso, eles terão menos alertas no rótulo, ou
seja, perdem a tarja vermelha e a caveira que chamava atenção sobre o
risco mesmo para agricultores de baixa escolaridade.
Especialistas ouvidos pela
reportagem acreditam que ambas mudanças – na reclassificação das categorias e
na rotulagem – são um passo atrás para a proteção da população em geral e,
especialmente, dos agricultores.
“Quando o limite é a morte, você
rebaixa muito a discussão. Precisamos destacar outros perigos além do óbito
e colocar como consideráveis os efeitos nos olhos e na pele. Ficar cego ou
ter a pele corroída também são limites altíssimos”, afirma Larissa Mies
Bombardi, professora da Faculdade de Geografia da Universidade de São Paulo
e autora do Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com
a União Europeia.
Rótulos
mais claros?
As alterações no rótulo foram
realizadas para se adaptar parcialmente a um padrão internacional chamado GHS –
Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos
Químicos (Globally Harmonized System of Classification and Labelling of
Chemicals, no original em inglês). Segundo informou o diretor da Anvisa, Renato
Porto, em uma entrevista coletiva, a mudança vai simplificar a compreensão de
quem “manipula, mistura, utiliza um componente e precisa ler um rótulo, uma
instrução de uso”.
Atualmente há quatro categorias:
* Extremamente
Tóxico (rótulo vermelho),
* Altamente
Tóxico (rótulo vermelho),
* Medianamente
Tóxico (rótulo amarelo) e
* Pouco
Tóxico (rótulo azul).
Agora, a partir do GHS, mais
duas novas categorias foram criadas:
* Improvável
de Causar Dano Agudo (rótulo azul) e
* Não
Classificado (rótulo verde), sendo o último válido para produtos de
baixíssimo potencial de dano, como produtos de origem biológica. A indústria
dos agrotóxicos terá um ano para se adequar às novas regras.
As mudanças na embalagem, como
substituir a tarja vermelha e o símbolo da caveira de agrotóxicos que podem
causar lesões severas no olho e na pele por tarjas amarelas e símbolo de
atenção, foram criticadas pelos especialistas.
“Se o
rótulo cumpre o papel de comunicação visual que ele promete, quando você
substitui a etiqueta vermelha pela azul, você diz para o trabalhador que aquele
produto não é mais tão perigoso”, opina Bombardi.
O engenheiro agrônomo Leonardo
Melgarejo, vice-presidente da regional sul da Associação Brasileira de
Agroecologia (ABA) e membro da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos
e Pela Vida, concorda que as mudanças podem deixar o agricultor mais
suscetível a descuidos com produtos que não matam, mas podem causar invalidez e
prejudicar o agricultor e toda sua família.
“Essa alteração pode levar
ao entendimento de que aquele produto não é mais tão perigoso e exige menos
cuidado ao manuseá-lo, o que não é verdade”, afirma Melgarejo. “E vale
lembrar que esses produtos muitas vezes são deixados em casa. Agora, sem
a caveira que gerava temor nas crianças, elas também correm risco maior. E isso
também pode complicar a compreensão de quem tem dificuldade com a leitura.”
Dados do Sistema de Informação
de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde confirmam o temor
do engenheiro agrônomo. O grau de escolaridade médio das cerca de 40 mil
pessoas atendidas no sistema de saúde brasileiro entre 2007 e 2017 após serem
expostas à agrotóxicos era de Ensino Fundamental incompleto. Desse total de
casos, 26 mil tiveram intoxicação confirmada e 1.824 acabaram morrendo.
O pesquisador da Fiocruz e da
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Luiz Cláudio Meirelles,
que é ex-gerente geral da Anvisa, concorda que a alteração na rotulagem dos
produtos pode gerar ruído no entendimento do agricultor. “Fazer essa
harmonização internacional acaba deixando de lado as características do
agricultor brasileiro. Temos no país tecnologia de ponta, mas também há uma
grande parte do setor representado pela agricultura familiar onde o produtor
que vai manusear o agrotóxico tem baixa escolaridade.”
“Perigo
camuflado”
O novo marco regulatório também não
foi bem recebido pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(Contag), que repudiou a reclassificação da toxicidade. “Essa decisão
camufla o real perigo que essas substâncias oferecem à sociedade,
principalmente ao prejudicar a saúde dos trabalhadores que aplicam os
agrotóxicos”, afirmou Rosmari Malheiros, secretária de Meio Ambiente
da Contag.
Para se ter uma ideia, de 2000 a
2008, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), contabilizou 363 casos de pessoas que
foram vítimas em conflitos no campo envolvendo pesticidas – em situações como trabalhadores
sendo intoxicados ou lideranças rurais perseguidas ou mortas por denunciar o
problema.
Especialistas apontam ainda que a
nova regra da Anvisa pode agravar esse cenário também no sentido aumentar
ainda mais o ritmo de aprovação de novos produtos agrotóxicos – foram 290 neste
ano.
“A aprovação de produtos
classificados como de maior toxicidade tende a ser mais demorada. Requer
apresentação de mais estudos pela indústria, precisam ser estipulados limites
máximos de uso e formas de aplicação. E agora, com as novas regras, cada vez
menos produtos terão essa classificação máxima, e assim passarão por um
processo de aprovação que é mais rápido”, explica Marina Lacôrte,
coordenadora da Campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace.
Segundo a legislação, é proibido
registrar um agrotóxico cuja ação tóxica seja maior do que de um produto
similar já registrado. Com a diminuição nos parâmetros que classificam a
toxicidade, mais agrotóxicos estarão aptos a serem registrados.
“Antes, se o produto
causava cegueira, ele recebia a classificação máxima. Agora, ele vai ser
colocado na classe de medianamente tóxico, o que o permitirá que mais
agrotóxicos como aquele possam chegar ao mercado”, explica o agrônomo
Melgarejo.
As alterações propostas pela Anvisa
foram bem recebidas pela indústria de pesticidas. A Associação Nacional de
Defesa Vegetal (Andef) destacou que é importante que o país avance na
modernização dos regulamentos acompanhando os avanços científicos e garantindo
a segurança dos trabalhadores e consumidores. Já o Sindicato Nacional da
Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) disse que as mudanças
“trazem mais segurança aos produtores que manuseiam os produtos na medida em
que as mudanças nos rótulos facilitam a identificação de riscos e deixam a
comunicação mais fácil e acessível”.
Fonte: CartaCapital – Sociedade – Quinta-feira,
1 de agosto de 2019 – Internet: clique aqui.
Agrotóxico mais vendido no Brasil
é alvo de processos
Elo comprovado entre agrotóxico glifosato e câncer leva a
18 mil processos contra a Bayer
Cida de
Oliveira
Dona da Monsanto, que
criou o produto, a Bayer já foi condenada em
três processos nos Estados
Unidos, dos quais recorre.
Pedidos de
indenização somam US$ 172 mil (R$ 653 milhões).
E no Brasil?
Gigante do setor químico e
farmacêutico, a alemã Bayer, proprietária da Monsanto, é alvo de
18.400 processos em tribunais dos Estados Unidos. Só nos últimos três
meses, foram ajuizados 5 mil. O dado foi apresentado nesta terça-feira (30 de
julho) pela presidência da empresa, na Alemanha. A principal acusação é que
o agrotóxico glifosato, criado pela Monsanto, é
causador do câncer que vitima o próprio reclamante ou membro de sua família.
Trata-se do princípio ativo do Roundup, nome comercial de um agrotóxico que
naquele país está presente em doses acima do permitido em vinte marcas de
cereais matinais, segundo uma pesquisa da organização Environmental Work
Group (EWG). E que extrapola o uso agrícola, com presença nas
prateleiras de supermercados e lojas de jardinagem.
A empresa já foi condenada em três
processos no estado da Califórnia. O valor total inicial das
indenizações era de US$ 2,36 bilhões – equivalente a R$ 8,9 bilhões. Mas em
instâncias superiores foi reduzido para US$ 172,3 milhões (R$ 653 milhões).
O primeiro foi em agosto de 2018.
Um júri da Califórnia responsabilizou o glifosato – e a companhia – por causar
linfoma não-Hodgkin no ex-jardineiro Dewayne Johnson.
Trata-se de um tipo de câncer que
afeta o sangue e o sistema imunológico. De lá para cá, a proprietária da
Monsanto perdeu mais dois e passou a enfrentar uma enxurrada de ações.
A Bayer passou a ser
responsabilizada judicialmente desde o ano passado, quando concluiu o processo
de incorporação da Monsanto, pela qual pagou US$ 37 bilhões. O grupo alemão
calculou todo o risco envolvido para atingir seu objetivo, de dominar o
mercado mundial de sementes transgênicas. A maioria dessas sementes são
desenvolvidas para resistir a doses maiores de agrotóxicos antigos, como o
próprio glifosato.
Apesar de sua patente ter expirado
no início dos anos 2000, o que permite que empresas em todo mundo o fabriquem e
vendam – é o caso de grandes, como a alemã Basf, e diversas outras –, a
Monsanto/Bayer ainda faturam. “Ao mesmo tempo que distribuem riscos para outras
empresas, como muitas chinesas, o grupo ainda mantém a produção da matéria
prima da síntese do glifosato”, afirma o defensor público de São Paulo Marcelo
Carneiro Novaes.
Princípio ativo mais vendido no
Brasil e no mundo, o glifosato integra a lista de liberações recorde de
agrotóxicos do governo de Jair Bolsonaro (PSL). Dos 290 itens aprovados em
apenas sete meses, 13 são a base de glifosato.
Derrotas
O grupo alemão investe para
amenizar as derrotas nos tribunais estadunidenses e para ser absolvido nos
próximos processos. Anunciou recentemente a criação de um comitê para monitorar
os processos. E contratou o advogado estadunidense John H. Beisner,
especialista em questões que envolvam a responsabilidade de empresas em danos.
O objetivo é assessorar o conselho fiscal quanto aos processos.
Afinal, as condenações
milionárias derrubaram o valor das ações da companhia na bolsa de Frankfurt.
Neste ano, foram desvalorizadas em mais de 6%, chegando a valer 56,60 euros
atualmente. No começo de agosto de 2018, antes de efetivar a incorporação da
Monsanto e de perder o primeiro processo, valiam 95,75 euros.
Segundo a imprensa europeia, os
acionistas da empresa estão infelizes com o glifosato. Tanto que em maio,
mais da metade deles se recusou a ratificar as decisões tomadas pela diretoria
da Bayer em 2018. Inclusive a própria aquisição da Monsanto. A razão é que a
fusão tornou-se um risco para o futuro da gigante alemã. Embora sem efeitos
práticos, o posicionamento pode abalar a relação entre diretoria e
investidores.
Cancerígeno
Em fevereiro, uma ampla pesquisa
divulgada pela Elsevier, maior editora de literatura médica e científica
do mundo, apontou que o glifosato aumenta em 41% o risco de uma pessoa exposta
a ele vir a desenvolver o linfoma não-Hodgkin. O mesmo que afeta Dewayne
Johnson. Trata-se de um tipo de câncer que tem origem nas células do sistema
linfático e que se espalha de maneira desordenada pelo organismo.
Com respaldo em pareceres de autoridades
sanitárias internacionais, a indústria nega que o glifosato cause algum tipo de
câncer. No final de abril, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos
(EPA) declarou que o herbicida “provavelmente não é cancerígeno para os
humanos”.
Em 2015, a Agência Internacional
para Pesquisa do Câncer (IARC), vinculada à Organização Mundial da Saúde
(OMS), atestou que o produto é um “provável causador” de câncer. No ano
seguinte, a Agência Reguladora Europeia (EFSA) descreveu o glifosato como “seguro
para saúde humana”, desde que os níveis de resíduos sejam mínimos.
Em fevereiro, a Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa) concluiu a reavaliação e liberou o
produto, já que não “apresenta características mutagênicas e
carcinogênicas”. Ou seja, não causa mutações genética que levem ao câncer.
Mas nem todos caem na conversa. No começo
do mês, foi aprovada no parlamento da Áustria
lei que proíbe todos os usos do glifosato. A medida apoiada por partidos
social-democrata, liberal e de extrema direita, pioneira na União Europeia, foi
tomada justamente pelo elo entre glifosato e câncer. Em outros países houve
proibição parcial do uso.
A Áustria tem a maior produção
orgânica da União Europeia. Cerca de 23% de suas lavouras estão livres de
agrotóxicos e transgênicos – o que está bem acima da média da UE, de 7%.
O governo
português proibiu, em 2017, o
uso do glifosato nos parques infantis, praças, parques urbanos e áreas de
camping, além de hospitais e outros locais de prestação de cuidados à saúde, como
residências para idosos. A proibição do produto, bem como outros nocivos às
abelhas, é uma das bandeiras do Bloco de Esquerda, que disputa as
eleições em outubro para a Assembleia da República.
Em 2018, vieram a público a
existência de e-mails e documentos da Monsanto
que revelam uma
campanha de desinformação para esconder
as ligações entre
glifosato e câncer.
Você
sabia? O Brasil e o câncer
Maior consumidor mundial de
agrotóxicos desde 2008, o Brasil tem o câncer
como maior causa de mortalidade em 10% das cidades brasileiras. É que
mostra um levantamento a partir de números oficiais do Sistema de Informações
de Mortalidade (SIM), de 2015, divulgado pelo Observatório de Oncologia do
movimento Todos Juntos Contra o Câncer, em parceria com o Conselho
Federal de Medicina (CFM). Pelo andar da carruagem, o câncer deverá se
tornar a maior causa de mortes em uma década, superando problemas
cardiovasculares.
“Não precisamos provar o nexo
causal entre uso de agrotóxicos e incidência de diversas doenças crônicas, uma
vez que, nessa questão, usamos dados epidemiológicos, que é uma situação de
risco, ensejando uma correlação entre uso de agrotóxicos e diversas doenças.
Até porque buscar o nexo causal é impossível”, afirma o defensor Marcelo
Carneiro Novaes. Ele cita como exemplo a alta incidência de câncer na zona
rural do estado de São Paulo. Em Bento de Abreu, na região de Araçatuba, há
18 óbitos por câncer cerebral para cada 100 mil habitantes. A taxa estadual é
6.6, conforme o Observatório de Saúde Ambiental. São cidades pequenas,
segundo ele, na fronteira entre o urbano e rural, em que ao sair da igreja
matriz, os moradores já estão sob a deriva da pulverização aérea que tinha
como alvo a plantação de cana.
“As empresas se defendem dizendo
que o produto é seguro, desde que usado corretamente. Essa é a tônica da
defesa. Agora, como usar um produto seguro com as condições climáticas do
Brasil?”, questiona.
Um parecer técnico obtido pelo
promotor Gabriel Lino de Paula Pires [acesse aqui]
, do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema) da região do pontal
do Paranapanema (SP), demonstra bem a maneira pela qual a pulverização de
agrotóxicos afeta a saúde e a vida das populações expostas.
Fonte: Rede Brasil Atual – Saúde e
Ciência – Quarta-feira, 31 de julho de 2019 – Publicado às 10h12m
(Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.
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