Você não está entendendo, ainda!
“A política
fracassou”,
afirma David Spratt,
cientista responsável pelo mais duro relatório sobre a mudança climática
Marco Fajardo
«El Mostrador» - diário digital de Santiago
(Chile)
13-08-2019
Um
importante relatório científico
sobre
as mudanças climáticas
chocou
o mundo todo!
Ele
prevê o fim da humanidade em 2050, caso
nada
de radical e sério seja feito!
Incêndios em Portugal - verão de 2019: o inferno na Terra |
Um relatório apocalíptico sobre o
fim da humanidade em 2050 chocou o mundo em junho passado. O relatório
do Breakthrough National Center for Climate Restoration, um think
tank independente na Austrália, alertou para a ameaça que representa
as mudanças climáticas. Foi apresentado por não menos que o ex-chefe das Forças
de Defesa Australianas e ex-almirante da Marinha Australiana, Chris Barrie.
«Enquanto as autoridades falam em
manter o aquecimento entre 1,5°C e 2°C sobre o nível pré-industrial - uma meta
muito insegura, já que existem efeitos-chave que começam com apenas 1°C de
aquecimento -, sua falta de ação realmente coloca o planeta em um caminho
de aquecimento muito maior, que irá destruir muitas cidades, países e povos,
e muitas, talvez a maioria, das espécies», adverte o diretor de pesquisa
da entidade, David Spratt.
Fracasso da ONU
Spratt é um dos
autores do relatório, em sua qualidade de especialista em ciência e política
climática. Sua análise é devastadora: «As políticas climáticas
internacionais não têm conseguido evitar o aquecimento global catastrófico».
«O Acordo de Paris
estabeleceu compromissos nacionais para reduzir as emissões voluntários
e não vinculativos, o que resultará em uma trajetória de aquecimento de
mais de 3°C, e próximo a 5ºC se levarmos em conta toda a gama de feedbacks
do sistema climático», adverte.
«Esse resultado, dizem os
cientistas, é inconsistente com a existência da civilização humana e poderia
reduzir a população humana a um bilhão de pessoas. Até mesmo o Banco Mundial diz que poderia estar além de
qualquer adaptação», enfatiza.
DAVID SPRATT Um dos pesquisadores australianos autor do corajoso e realista relatório sobre as mudanças climáticas |
Números ruins
Segundo Spratt, desde que a Convenção
Marco das Nações Unidas sobre Mudança do Clima foi adotada na Cúpula do
Rio de 1992, as emissões humanas de dióxido de carbono aumentaram em mais de
50%, sem sinais de desaceleração.
«Desde 1992, o aquecimento subiu
de 0,6°C para 1,1°C, e a taxa de aquecimento agora está acelerando. A
Terra possivelmente atingirá a faixa mais baixa da meta de Paris de 1,5°C em
questão de uma década ou algo similar», adverte.
A evidência da história climática
do planeta indica que o atual nível de dióxido de carbono elevará o nível do
mar em dezenas de metros e que, no final da civilização, chegará a 3,5°C a
longo prazo, segundo o especialista.
Embora a Convenção aponte um «desenvolvimento
econômico sustentável», a cada ano a pegada ecológica humana é maior e menos
sustentável, adverte Spratt.
Acrescenta que hoje a humanidade requer
uma capacidade biofísica
de 1,7 Terras anualmente em seu consumo de
capital natural.
Um resultado «desastroso» para as
instituições das Nações Unidas.
Subestimação de cientistas
Quando perguntado se havia uma
subestimação da mudança climática e suas consequências, Spratt
responde que o erro de apreciação e a consequente atuação para evitar o risco
existencial se deve em parte pela forma com que os cientistas produzem as
informações sobre o clima.
«A maior parte da pesquisa
climática tem a tendência de subestimar os riscos existenciais e exibiu uma
preferência por projeções conservadoras e estudos relutantes, embora um
número crescente de cientistas tenha criticado essa abordagem nos últimos anos»,
como Kevin Anderson, James Hansen, Michael E. Mann, Michael
Oppenheimer, Naomi Oreskes, Stefan Rahmstorf, Eric Rignot
e Will Steffen.
Spratt cita um
estudo que examinou as últimas previsões de cientistas climáticos e concluiu
que foram «conservadores em suas projeções do impacto da mudança climática» e
que «pelo menos algumas das características-chave do aquecimento global por
crescentes gases do efeito estufa foram previstos, especialmente nas avaliações
do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC,
sigla em inglês) no campo da física».
Os autores concluíram que os
cientistas não tendem ao alarmismo, em parte devido à tendência de suas normas
para a moderação, objetividade, ceticismo e racionalidade. Esta poderia ser
a causa de «minimizar as mudanças climáticas futuras».
Lixão com milhares de peças de aparelhos eletrônicos - um desperdício de material sem fim! |
Maquiando os números e minimizando
o drama
Já após o primeiro relatório do
IPCC, em 1990, os Estados Unidos, a Rússia e a Arábia Saudita agiram para «moderar
o alarme e a linguagem para fortalecer a aura de incerteza», segundo o
empresário britânico Jeremy Leggett.
Outro funcionário britânico naquele
momento, Martin Parry, lembra que «os governos não gostaram dos números,
então alguns foram maquiados».
«Assim como a Convenção, o
procedimento do IPCC sofre todos os perigos da construção de um consenso em um
cenário complexo», diz Spratt. «Seus relatórios nem sempre incluem os
números mais recentes disponíveis e a necessidade de consenso pode levar a “minimizar
o drama” e denominadores comuns baixos que negligenciam questões-chave»,
continua.
A dificuldade de atuar
Como se vê, a dificuldade em
enfrentar o problema reside, em parte, na necessidade de se chegar a um
acordo entre vários atores. «O problema é global e requer ação de alto
nível, mas o processo internacional de consenso aponta para os
denominadores comuns mais baixos», explica o especialista.
«A mudança climática atualmente
representa uma ameaça próxima à civilização a médio prazo, mas não é
inevitável. É necessária uma nova abordagem para o gerenciamento
do risco climático», para evitar o desastre. Mesmo assim, em sua opinião, o
mundo não está preparado para imaginar as consequências catastróficas da
mudança climática.
Outro erro é apresentar o perigo
como um problema futuro, em vez de um problema atual,
acrescenta. «O que precisa ser feito agora é um desafio fundamental para as estruturas
atuais do mercado e do governo», diz.
Acrescenta que os líderes
políticos e empresariais parecem incapazes de entender o assunto. E cita um
relatório britânico de 2016, «Pensando o impensável», baseado em
entrevistas com altos líderes de todo o mundo, segundo os quais sua
capacidade de antecipar eventos inesperados é «perigosamente inadequada em
momentos críticos».
O estudo encontrou forte
resistência, o que pode ser chamado de «miopia executiva», aceitar que eventos
«impensáveis», sim, podem acontecer, sem falar de lidar com eles.
LAGO POOPÓ SECO Bolívia - Departamento de Oruro: um desastre ambiental! |
Medidas necessárias
Para Spratt, o importante é
entender as crises em sua total dimensão e o que requer para sua solução, isto
é, ações emergenciais. «Trata-se de intenção política. O central a
entender é que a política climática internacional está dominada por uma
preocupação sobre qualquer outra: a mudança deve ser gradual e não
afetar as economias nacionais e globais no curto prazo», critica. No
entanto, para ele, isso não é mais uma opção, pois restam apenas dois
cenários.
Dois cenários
A primeira
opção é seguir o ritmo atual de exploração de recursos, que é
insustentável e leva ao colapso, conforme documenta um relatório do Clube
de Roma, de 1972.
Spratt observa
que as consequências da mudança climática já causaram transtornos
geopolíticos extremos. Este foi o caso da extrema seca e consequente fome
no Oriente Médio que levou à Primavera Árabe e à guerra civil na Síria.
Outras vulnerabilidades, além de
um colapso ecológico, são:
* a instabilidade
do sistema financeiro internacional,
* a crescente
desigualdade,
* políticas
extremas e
* o deslocamento
de populações por razões climáticas.
A segunda
opção é uma ação de emergência para retornar a um «clima seguro».
Na opinião de Spratt, isso significa, entre outras medidas, o
fechamento da indústria extrativista de combustíveis fósseis e o fim do sistema
produtivo dependente dos mesmos.
Isso, de acordo com o escritor
australiano Paul Gilding, em seu livro The Great Disruption, levará
a uma mudança sistêmica complexa, com vulnerabilidades e descontinuidades
ocorrendo de forma imprevisível. «Ele diz que haverá uma crescente divisão
global entre velhas e novas elites econômicas, porque o marco de
sustentabilidade é uma má notícia para algumas corporações, e há uma
desordem causada pela “destruição criativa” do capital e pelo abandono de bens».
Para o especialista, essas
alternativas enfrentam um dilema de grande escala:
a) ou planejadas
no marco de uma transição de emergência, ou
b) não
planejadas devido ao colapso social e físico, na medida em que o
aquecimento se intensifica.
«O tempo para uma mudança lenta acabou
e
uma “vitória” lenta é o mesmo que uma derrota.
Não há mais um caminho gradual para obter
êxito.
Isso deve estar no foco do pensamento quando
são avaliadas medidas e
a escala de ação necessária em consideração»,
ressalta.
A importância da sociedade
civil
Outro elemento que Spratt
destaca é a importância do ativismo comunitário.
«Onde há suficiente espaço democrático, a sociedade civil tem liderado as
campanhas de ação climática há décadas. Todos os anos, o compromisso
cresce, no Norte e no Sul, Leste e Oeste. Campanhas corajosas têm
evitado o fracking, fechado minas de carvão, prorrogado ou evitado novos
oleodutos, nova infraestrutura e desmatamento», destaca.
Diz que, dessa forma, a sociedade
civil constrangeu os governos envolvidos no atraso predatório e lhes tem pedido
prestações de contas, ao mesmo tempo em que impulsiona iniciativas oficiais que
tem reforçado a revolução das energias renováveis.
A isto se soma «um novo ativismo
climático, que qualifica a crise climática como uma ameaça à humanidade, e
desafia o fracasso de líderes políticos e empresariais. Isso inclui Greta
Thunberg e o movimento global StudentStrike4Climate, no ocidente e
sul do planeta, o grupo Extinction Rebellion (XR), The Climate
Mobilization, nos Estados Unidos, e comunidades similares em outros lugares».
Esse novo realismo, em suas
palavras, está mudando a história. «Risco existencial», «crise de
extinção» e «emergência climática» são conceitos que se normalizam, e a
velha linguagem gradualista começa a desaparecer, enquanto o fracasso
consome lentamente os processos da ONU.
Escultura do artista Issac Cordal retrata políticos discutindo o aquecimento global. Montagem muito apropriada de quando, cidades inteiras forem inundadas pelo mar! Foto: PRI |
Capitalismo e ambientalismo
Recentemente, o presidente [do
Chile] Sebastián Piñera apontou que o socialismo poluiu muito mais que o
capitalismo. Acredita Spratt que o capitalismo global é compatível com
essas medidas?
«A esquerda revolucionária está em
um mínimo histórico», responde Spratt. «Em muitos países, quase não existe. Parece
fantasioso pensar que o capitalismo per se enfrente a ameaça de alguma
força revolucionária», opina.
No entanto, a fase atual do
capitalismo global, o neoliberalismo, não é
compatível com as ações necessárias para enfrentar a emergência climática,
afirma.
«Movimentos econômicos de grande
escala, seja em resposta a uma ameaça militar ou a desastres naturais como
terremotos, tsunamis e ciclones, ou a serviço de uma transformação social em
grande escala, são caracterizados por uma forte liderança governamental para
o planejamento, coordenação e realocação de recursos, respaldado por um
poder administrativo suficiente para alcançar uma resposta rápida para além da
capacidade de funcionamento normal de uma sociedade», argumenta.
Para ele, um exemplo disso são as
grandes transformações econômicas, como as ocorridas na Ásia do pós-guerra
no Japão, na Coréia do Sul, em Cingapura e na China.
«Também será o caso na mobilização
pela emergência climática. Os governos nacionais e subnacionais têm
a capacidade social única de planejar, direcionar recursos, desenvolver
capacidades de trabalho, reduzir impostos e direcionar investimentos
financeiros, coordenar inovações e estabelecer marcos regulatórios», destaca.
Nesse sentido, para o especialista é
importante um papel renovado do Estado, devido
ao fracasso da ortodoxia econômica atual em solucionar o problema. «A
maioria das ações climáticas, mesmo no nível da ONU, e em muitos grupos
ambientais, está em um marco neoliberal, isto é, aquele que enfatiza
o papel dominante de um mercado regulado “eficiente”, com o menor número de
objetivos sociais possíveis», critica.
Adverte que esta metodologia criou
modelos energético-climático-econômicos para as autoridades segundo os quais o «ótimo»
(mais «eficiente») em nível de aquecimento está ao redor de 3-4°C, uma proposta
absurda quando os principais cientistas apontam que esse nível seria
catastrófico e, talvez, causaria o fim da civilização.
«Os mercados são amorais, no sentido
de que são guiados pelo “valor da ação” - lucros e dividendos - e não
por preocupações éticas.
Até agora, não responderam adequadamente,
mesmo em seus próprios termos,
aos riscos financeiros das mudanças
climáticas», pontua.
«Quando as decisões são tomadas pelo
interesse do investidor,
da empresa, do produto, da mina ou do
petróleo,
não importa o que beneficia mais a sociedade
como um todo».
Ao mesmo tempo, diz, os governos
têm sido incapazes de regular os custos associados à atividade que não são
levados em conta pelo mercado, como má saúde, impactos ambientais e
sociais, «e não há melhor exemplo do que a mudança climática».
«O resultado é um fracasso do mercado em grande escala. Tal como
estão estruturados e regulados atualmente, os mercados não estão nem
próximos da taxa de mudança necessária. Um resultado chave no período da
ação climática de emergência será a valorização do necessário papel
do Estado como regulador e protetor das condições econômicas e sociais,
especialmente quando está em jogo o futuro da sociedade», conclui.
«Não se trata de medo versus
esperança, mas de coragem», especifica. E «Greta Thunberg é um bom exemplo de
uma pessoa que tem a coragem de chamar as coisas pelo nome», conclui.
Traduzido do espanhol pelo Cepat.
Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.
Comentários
Postar um comentário