Como somos cegos!!!
Paulo Guedes, o
todo-poderoso Ministro da Economia, se formou em Chicago com bolsa
que governo está
cortando
Angela Alonso
Professora de sociologia da USP e
pesquisadora sênior do
Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento (CEBRAP)
Turma
da pepita e do cascalho inviabilizarão não só a universidade,
mas
os negócios no Brasil
PAULO GUEDES Ministro da Economia de Jair Bolsonaro |
O presidente fala para chocar e
distrair. Jair repete Fernando (Collor), com motos, jet-skis e escatologias.
Para muitos, essa vitrine obscurantista
acha contraponto no fundo liberal da loja. A despeito das presidenciadas
cotidianas, lá estão Paulo, Tarcísio e Tereza Cristina a embalar a esperança do
mercado na melhora do ambiente de negócios. Seriam o ouro escondido em meio
ao cascalho. Cascalhada precificada.
Como sabe Bolsonaro, que já
garimpou, peneira-se muito para achar pepita. A jazida da pujança deveria luzir
aos cem dias de governo, mas impôs reentrâncias políticas e jurídicas
incontornáveis mesmo para o gênio de Chicago. Guedes pede paciência, mas
não pede água. É movido pela crença no triunfo da vontade —a sua.
Acontece que o brilho da pepita e a
opacidade do cascalho se amalgamam no mesmo riacho. Não são as cabeças de
Janus, uma olhando o passado e a outra, o futuro. São serpentes da mesma
Medusa, como mostra a tópica das universidades públicas.
A turma do cascalho [Bolsonaro
& sua banda] ataca ciência, pesquisa, liberdade de pensamento. Na
retórica obscurantista, crença vale mais que argumento, fé mais que
demonstração. Seu dogma é o da verdade revelada. Como pensam assim, supõem que
os demais também assim pensem.
Daí julgarem a universidade um
celeiro de esquerdistas que passariam, como os bolsonaristas, o dia todo
produzindo fake news e incitando estudantes a repeti-las.
Creem nisso porque, decerto, nunca
usufruíram do ambiente intelectual de uma universidade. Nesta
instituição convivem diferentes credos, valores e opções políticas. A
convergência está no engajamento na produção e transmissão intergeracional de
conhecimento.
A universidade é o contrário de
tudo o que diz a turma do cascalho. É espaço de pluralidade de disciplinas,
teorias, argumentos e métodos. Não se rege por ideologia
unificadora, mas por ethos comum, a adesão aos pilares da produção do
conhecimento científico: o raciocínio lógico, o rigor dos métodos, a
apresentação de provas e a legitimação intersubjetiva dos resultados.
Tudo isso dá trabalho e leva tempo.
Pesquisadores estão em processo de atualização permanente, nunca param de
estudar. E estão sob constante avaliação.
Cada artigo submetido a um
periódico, cada projeto de pesquisa enviado a uma agência de fomento, cada
passo na carreira universitária, tudo está sob escrutínio. Ninguém de
fora precisa fazê-lo, a comunidade acadêmica controla-se a si mesma. É
assim aqui e em todos os sistemas universitários de respeito do mundo.
CAMPUS DA UNIVERSIDADE DE CHICAGO Uma das mais caras do mundo - Paulo Guedes estou lá com dinheiro do contribuinte brasileiro, com bolsa do CNPq que, agora, ele nega aos demais brasileiros |
A hipocrisia escancarada:
nega-se aos outros aquilo
que eles usufruíram
A turma da pepita [Paulo
Guedes & sua banda] o sabe. Reconhece a racionalidade econômica, brandindo
planilhas e gráficos. Ampara-se na ciência e se beneficia do investimento
público nela. De 1974 a 1978, Guedes estudou na caríssima Universidade de
Chicago com a mesma bolsa do CNPq que o governo agora nega a novos
pesquisadores. Sua turma acha que ascendeu por
mérito, sem reconhecer a catapulta dos incentivos estatais à educação
e à pesquisa.
Por isso não
mexe uma palha pela ciência. Delegou o assunto à turma do cascalho, com
seu ataque, este sim ideológico, à autonomia universitária.
Nenhuma das turmas está nem aí para
a universidade pública. Compartilham o diagnóstico nunca fundamentado de que
ensino superior público não funciona. E direcionam recursos e filhos para
instituições privadas.
Magnatas brasileiros doam para
universidades americanas, caso de Jorge Paulo Lemann, em vez de investir
nas nacionais. Boa parte de nossa elite social retirou apoio à ideia da
universidade pública acessível pelo mérito, independentemente de renda, cor ou
credo.
A tática para enfraquecer as
universidades públicas
Pepitas e cascalhos convergem numa operação
de asfixia. Um lado amordaça, com desrespeito
à lista tríplice para reitor e perseguição funcional e legal a dirigentes
ou ex-dirigentes de universidades e institutos de pesquisa. O outro sangra, secando os cofres.
O corte de verbas para custeio,
pesquisa e bolsas porá a perder esforços cumulativos dos governos FHC, Lula e
Dilma na consolidação, democratização e internacionalização da ciência
brasileira. Em país sério, educação e ciência são prioridades do Estado.
Mesmo na pátria do liberalismo, os Estados Unidos, as universidades não
sobrevivem sem a mãozinha pública. Aqui, o governo nos passa o pé.
A turma da pepita está pagando caro
a turma do cascalho, que inviabilizará não só a universidade, mas os negócios,
com sua verve antiambientalista e anti-humanista.
A crer no presidente, no fundo não
há um poço, mas uma fossa sanitária. Quem nela busca pepitas acabará com a
peneira cheia de ouro de tolo.
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