«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Papa Francisco e o vento contrário da Cúria

Hans Küng*
Corriere della Sera
27-11-2013


O Papa Francisco dispõe das necessárias qualidades para liderar como capitão o navio da Igreja através das tempestades destes tempos: a confiança dos fiéis lhe servirá de apoio. Ele terá contra ele o vento da Cúria e, muitas vezes, deverá avançar em ziguezague. A Evangelii gaudium é uma etapa importante nesse sentido, mas certamente não é o ponto de chegada.
Hans Küng - teólogo suíço

A reforma da Igreja prossegue: na exortação apostólica Evangelii gaudium, o Papa Francisco reitera não só a sua crítica ao capitalismo e ao domínio do dinheiro, mas também se declara inequivocamente favorável a uma reforma eclesiástica "em todos os níveis". Ele luta concretamente por reformas estruturais, tais como: 
  • a descentralização para as dioceses e paróquias, 
  • uma reforma do ministério de Pedro, 
  • a revalorização dos leigos e contra a degeneração do clericalismo, 
  • por uma eficaz presença feminina na Igreja, especialmente nos órgãos decisionais. 
  • Declara-se também expressamente favorável ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso, especialmente com o judaísmo e o Islã.
Tudo isso encontrará um amplo consenso muito além do âmbito da Igreja Católica. A recusa indiscriminada do aborto e do sacerdócio feminino deverão despertar críticas. Mostram os limites dogmáticos desse papa. Ou talvez Francisco sofre as pressões da Congregação da Doutrina da Fé e do seu prefeito, o arcebispo Gerhard Ludwig Müller?

Este último manifestou a sua própria posição ultraconservadora em uma longa intervenção no L'Osservatore Romano (23 de outubro de 2013), em que reitera a exclusão dos sacramentos dos divorciados em segunda união. Dado o caráter sexual da sua relação, eles vivem presumivelmente no pecado, a menos que convivam "como irmão e irmã" (!). Como bispo de Regensburg, Müller, fonte de inúmeros conflitos com párocos, teólogos, órgãos leigos e o Comitê Central dos Católicos Alemães pelas suas posições ultraclericais, era discutido e mal visto. O fato de que, apesar disso, ele foi nomeado pelo Papa Ratzinger, na qualidade de fiel defensor, além de curador da sua opera omnia [trad.: obras completas], prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, não surpreendeu tanto quanto ter sido, logo, confirmado nesse cargo pelo Papa Francisco.

E os observadores, preocupados, já se perguntam se o Papa Emérito Ratzinger, por meio do arcebispo Müller e de Georg Gänswein, seu secretário, também ele nomeado arcebispo e prefeito da Casa Pontifícia, efetivamente não age como uma espécie de "papa-sombra". Aos olhos de muitos, a situação parece contraditória: por um lado, a reforma da Igreja e, por outro, a atitude com relação aos divorciados em segunda união:
  • O papa gostaria de ir em frente – o "prefeito da fé" freia. 
  • O papa tem em mente a humanidade concreta – o prefeito, principalmente a doutrina tradicional católica. 
  • O papa gostaria de praticar a caridade – o prefeito apela à santidade e à justiça divina. 
  • O papa gostaria que os sínodos episcopais, em outubro de 2014, encontrassem soluções práticas para os problemas da família, também com base em consultas aos leigos – o prefeito se baseia em teses dogmáticas tradicionais para poder manter o status quo, sem caridade. 
  • O papa quer que os sínodos episcopais empreendam novas tentativas de reforma – o prefeito, ex-professor de teologia dogmática, pensa que pode impedi-las logo de saída com a sua tomada de posição.
É preciso se perguntar se o papa, ainda, controla esse seu sentinela da fé [o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, arcebispo  Müller].

É preciso dizer que o próprio Jesus se expressou sem meios termos contra o divórcio. "O que Deus uniu o homem não o separe" (Mt 10, 9). Mas ele fazia isso sobretudo em benefício da mulher, que na sociedade da época era penalizada em nível jurídico e social, e contra o homem, que no mundo judaico era o único que podia apresentar o pedido de divórcio. Assim, a Igreja Católica, na qualidade de sucessor de Jesus, embora em uma situação social completamente mudada, reitera fortemente a indissolubilidade do matrimônio que garante aos cônjuges e aos seus filhos relações estáveis e duradouras.

Os cristãos neotestamentários não consideram a palavra de Jesus com relação ao divórcio como uma lei, mas sim como uma diretriz ética. O fracasso da união matrimonial claramente não corresponde ao desígnio da criação. Mas só a rigidez dogmática não pode admitir que a palavra de Jesus sobre o divórcio já na época apostólica fosse usada com uma certa flexibilidade, isto é, em caso de "luxúria" (cf. Mt 5, 32; 19, 9) e no caso de separação entre um parceiro cristão e um não cristão (cf. 1Cor. 7, 12-15).

É evidente que já na Igreja primitiva se percebia que existem situações em que continuar a convivência se torna irrazoável.

E a credibilidade do Papa Francisco seria imensamente danificada se os reacionários do Vaticano o impedissem de traduzir, logo, em ações as suas palavras e os seus gestos embebidos de caridade e de sentido pastoral. O enorme capital de confiança que o papa acumulou nos primeiros meses do seu pontificado não deve ser desperdiçado pela Cúria.

Inúmeros católicos esperam que o papa examine a discutível posição teológica e pastoral de Müller; que vincule a comissão para a defesa da fé à sua linha teológica pastoral; que as louváveis consultas dos bispos e dos leigos em vista dos próximos sínodos sobre a família levem a decisões dotadas de fundamento bíblico e próximas da realidade.

O Papa Francisco dispõe das necessárias qualidades para liderar como capitão o navio da Igreja através das tempestades destes tempos: a confiança dos fiéis lhe servirá de apoio. Ele terá contra ele o vento da Cúria e, muitas vezes, deverá avançar em ziguezague, mas a esperança é que, confiando-se à bússola do evangelho (não à do direito canônico), ele possa manter a rota na direção da renovação, do ecumenismo e da abertura ao mundo. A Evangelii gaudium é uma etapa importante nesse sentido, mas certamente não é o ponto de chegada.

Tradução do italiano por Moisés Sbardelotto.

* Hans Küng nasceu em 9 de março de 1928 (tem 85 anos), em Sursee, na Suíça. É um teólogo, filósofo, professor de teologia, escritor e sacerdote católico romano. Küng estudou teologia e filosofia na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, Itália. Foi ordenado sacerdote em 1954. Para saber mais, clique aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Quinta, 28 de novembro de 2013 - Internet: clique aqui.

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