«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Lei da mente livre [Importante!]

José de Souza Martins*

Crianças deveriam ser poupadas de estímulos que não servem de nada para seu aprendizado
Na semana passada, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente aprovou resolução que proíbe publicidade voltada para menores de idade no Brasil. O texto está na Secretaria de Direitos Humanos e deve ser publicado nos próximos dias no Diário Oficial.

Já há tempos a sociedade brasileira reclama uma regulação da propaganda invasiva que alcança crianças até mesmo dentro de casa, através da televisão, do rádio, da internet e de outros meios de comunicação. Também nas escolas e em outros recintos por elas frequentados está a propaganda de tocaia à espera dos imaturos para se apossar de sua atenção. Nos últimos 50 anos, os brasileiros ficaram extensamente expostos a todos os recursos invasivos criados e difundidos pelo impressionante volume de instrumentos e meios de difusão de informações. Instrumentos de uma verdadeira poluição das consciências.
A geração dos avós ainda é aquela que mal teve acesso ao rádio como utilíssimo instrumento de multiplicação das possibilidades de informação e conhecimento. Ainda se lembra das conversas domésticas, dos bate-papos da esquina, da porta de casa. Com o rádio, porém, muita informação inócua fluiu pelo éter, como então se dizia, mas muita coisa boa também, arrastando consigo para dentro da cabeça do ouvinte a propaganda do patrocinador. Lembro com saudade da Mensagem Musical da Itália, programa transmitido pela Rádio Gazeta. Lembro nitidamente da propaganda dos móveis de Anselmo Cerello que o patrocinavam. Mas não me lembro de nenhuma das belas músicas cantadas por Tito Schipa, Beniamino Gigli, Caruso e outros mais. Foi-se o essencial e ficou o supérfluo.
Na lixeira da memória restou um elenco de informações inúteis lá implantadas como parasitas: "Melhoral, Melhoral, é melhor e não faz mal!", que diz tudo e não diz nada. Ou, "Pílulas de vida do dr. Ross, fazem bem ao fígado de todos nós!". E mesmo "Tosse, bronquite, rouquidão - Xarope São João!". Parece que todo mundo vivia doente.
Eu fazia um esforço brutal para decorar a tabuada e evitar as reguadas da professora quando me atrapalhava para responder quanto é quatro vezes quatro. Sobretudo porque achava a palavra dezesseis muito mais difícil do que uma quadrinha que, mal acabara de ser alfabetizado, decorei em meus primeiros chacoalhados passeios de bonde: "Veja, ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem a seu lado. Mas, no entanto, acredite: quase morreu de bronquite, salvou-o o Rhum Creosotado!". A rima e a métrica, roubadas da verdadeira poesia, tornavam irremediável a fixação dos versos, principalmente por crianças como eu. O Rhum Creosotado ocupando o lugar do dezesseis e das monótonas recitações da tabuada, roubando minha inteligência da preciosa e útil matemática em nome de versinhos inúteis de um remédio que nunca tomei nem tomaria. No entanto, estou eu aqui a repeti-los quase 70 anos depois.
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Com a televisão chuviscosa e em preto e branco, no meio de um lixo publicitário imenso, sobreviveu a bela música dos Cobertores Parahyba: "Já é hora de dormir, não espere mamãe mandar. Um bom sono pra você e um alegre despertar.". Já ouvi mães de agora cantando a musiquinha como canção de ninar para seus filhos, de quando também elas crianças fixaram a música e os versos. Lá se foram o Boi da Cara Preta, o Nana Neném e outras mais.
Nos últimos anos, as coisas deixaram de acontecer aleatoriamente. As famílias se tornaram reféns da TV, o aparelho até certo momento volumoso ocupando o lugar do antigo e medonho elefante vermelho de louça, que afastava o mau-olhado, ou mesmo o santo da devoção doméstica, deslocado para um canto discreto da casa. As crianças se tornaram os alvos e as vítimas prediletas da guerra comercial, passaram a ser utilizadas como quinta-colunas e cúmplices da propaganda para influenciar os pais na sua nova cidadania da sociedade de consumo, do consumidor impotente e cativo, do cidadão de coisa alguma e de lugar nenhum.
Por unanimidade, o Conanda - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, constituído por entidades da sociedade civil e por ministérios do governo federal, acaba de aprovar uma resolução que terá força de lei. Proíbe "o direcionamento à criança de anúncios impressos, comerciais televisivos, spots de rádio, banners e sites, embalagens, promoções, merchandisings, ações em shows e apresentações e nos pontos de venda". O documento proíbe, ainda, "a veiculação de propaganda no interior de creches e escolas de educação infantil e fundamental, inclusive nos materiais didáticos e uniformes escolares". É uma verdadeira lei áurea da mente infantil para que fique disponível ao que interessa. E que também veta os efeitos distorcidamente formadores da personalidade dos imaturos com a intromissão de um imaginário mercantil e coisificador, na coisificação muito semelhante ao do cativeiro, que transformava gente em coisa.
A resolução será ineficaz se não contar com a vigilância e a ação supletiva da família e dos educadores, como coadjuvantes de uma ação coletiva no sentido de restituir o direito de educar a quem deve e pode fazê-lo. Sempre haverá quem não pretenda abrir mão dos lucros indevidos propiciados pela colonização da atenção e da mente das crianças.
* JOSÉ DE SOUZA MARTINS É SOCIÓLOGO. PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE FILOSOFIA DA USP E AUTOR,  ENTRE OUTROS,  DE A SOCIOLOGIA COMO AVENTURA (CONTEXTO).
Fonte: O Estado de S. Paulo - Suplemento ALIÁS - Domingo, 6 de abril de 2014 - Pg. E8 - Internet: clique aqui.

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