«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 27 de abril de 2014

O BOM ... E O PEREGRINO - Papas João XXIII e João Paulo II

José Maria Mayrink

João XXIII deixou como grande legado de seu pontificado o Concílio Vaticano II
Papa João XXIII (pontificou de 28/10/1958 a 03/06/1963)

O papa João XXIII sabia bem que estava armando um imenso desafio e uma grande confusão para a Igreja Católica, ao convocar um concílio ecumênico, em janeiro de 1959. Ele registrou em seu Diário da Alma, uma autobiografia íntima de 600 páginas, a reação dos cardeais à reunião de 2.500 bispos no Vaticano. Em 10 de agosto de 1961, descreveu com bom humor o impacto causado pela novidade.


"Quando, em 28 de outubro de 1958, os cardeais da Santa Igreja Romana me designaram para a suprema responsabilidade do governo do rebanho universal de Cristo Jesus, aos 77 anos de idade, havia a convicção de que eu seria um papa de transição. Em vez disso, estou já à véspera do quarto ano de pontificado e na expectativa de um robusto programa a ser executado no mundo inteiro, que olha e espera. Quanto a mim, estou como São Martino: nec mori timuit, nec vivere recusavit (nem teve medo de morrer nem se recusou a viver)".
Patriarca de Veneza, o italiano Angelo Giuseppe Roncalli havia embarcado em um trem para assistir aos funerais do papa Pio XII e participar do conclave. Despediu-se com a promessa de voltar algumas semanas depois, sem imaginar que os 55 membros do Colégio Cardinalício fossem querer um papa mais velho. Mais do que nos tempos atuais, um ancião para os padrões da época.
O conclave se iniciou no dia 25 de outubro e, 11 escrutínios depois, na tarde de 28, seu nome foi anunciado na Praça São Pedro. Houve alguns instantes de silêncio, pois ninguém conseguia ligar o nome ao rosto gorducho e bondoso de Roncalli.
Era uma figura pouco conhecida fora do Norte da Itália, mas muito estimada na diplomacia do Vaticano. Antes de ganhar o Patriarcado, sua primeira e única diocese, serviu como delegado apostólico na Bulgária, na Grécia e na Turquia e foi núncio apostólico em Paris. Apresentou suas credenciais ao chefe do governo provisório, general Charles de Gaulle, em janeiro de 1945, e recebeu o chapéu cardinalício das mãos do presidente Vincent Auriol, em janeiro de 1953, que tinha então esse privilégio, deferência da Santa Sé à França. Depois, foi para Veneza.
Casa onde nasceu Papa João XXIII - Sotto il Monte (Bérgamo - Itália)
Angelo Giuseppe, o quarto dos 13 filhos dos agricultores Giovanni Battista Roncalli e Mariana Mazzola, nasceu em 25 de novembro de 1881 na pequena Sotto il Monte, uma aldeia aos pés dos Alpes, na região de Bérgamo. "Passei o tempo da infância e da juventude sem sentir a pobreza, sem inquietações familiares ou problemas de estudo e ao abrigo de contingências perigosas, como aconteceu, por exemplo, durante o serviço militar, aos 20 anos de idade, e durante a Grande Guerra", escreveu o futuro papa em seu diário, citado pelo cardeal Loris Francesco Capovilla, que foi seu secretário particular.
Papa bom. João XXIII, que é chamado de "o papa bom", sem demérito para papas anteriores e posteriores, tinha um rosto redondo e bonachão, bom humor constante e admirável facilidade de se aproximar das pessoas. Especialmente dos simples, do povo que sempre o atraía em Bérgamo e Veneza, assim como, mais tarde, na Praça São Pedro. Não era, porém, um homem despreparado para as funções que ocupou.
Depois de entrar para o seminário em Bérgamo, aos 12 anos, fez o curso de Filosofia e parte de Teologia nessa mesma cidade, até ser mandado para Roma, onde defendeu sua tese de doutorado, em 1904. Na banca examinadora, estava o padre Eugenio Pacelli, futuro papa Pio XII. Foi ordenado padre em 10 de agosto daquele ano e, cinco dias depois, celebrou a primeira missa em Sotto il Monte. Jamais esqueceu a terra natal e visitava a família sempre.
Em 1915, quando a Itália entrou na guerra, Roncalli foi convocado pelo Exército para servir na frente de batalha. Não chegou a ir para as trincheiras, mas foi capelão no comando de Bérgamo, onde deu assistência aos soldados feridos. O futuro papa era sargento desde 1901, quando fez o serviço militar em um regimento de infantaria. Gostou da vida de caserna, principalmente porque não teve de lutar, mas de atuar como sacerdote.
A missão diplomática na Bulgária, Turquia e Grécia aproximou Roncalli dos cristãos ortodoxos e contribuiu para a ênfase dada ao ecumenismo no Concílio Vaticano II. Em Atenas, o delegado apostólico deu assistência às vítimas dos nazistas, que haviam ocupado o território grego. Recorreu a Pio XII e conseguiu ajuda financeira do Vaticano. Os gregos, de maioria ortodoxa, ficaram admirados com o gesto do representante da Santa Sé, que era italiano e teoricamente um inimigo, pois a Itália era aliada da Alemanha.
O Concílio Vaticano II foi a grande obra do papa Roncalli, mas ele deixou sua marca também em duas encíclicas - Mater et Magistra (1961) e Pacem in Terris (1963) - fundamentais para a revolução que marcou a Igreja no século 20. Já doente, João XXIII inaugurou o Concílio em 11 de outubro de 1962 e acompanhou a primeira sessão, encerrada em 8 de dezembro. Convocou para setembro de 1963 a segunda sessão, que seria confirmada pelo papa Paulo VI.
João XXIII morreu em 3 de junho de 1963. Os bispos do Concílio pediram que ele fosse proclamado santo no encerramento da última sessão, em dezembro de 1965. Paulo VI não concordou, mas deu sinal verde para o início da causa de beatificação. Angelo Giuseppe Roncalli foi declarado beato em 2000, após o reconhecimento de um milagre atribuído à sua intercessão, a cura de uma freira vítima de câncer. Agora, Francisco dispensou a prova de novo milagre para a canonização.
Fonte: O Estado de S. Paulo - Metrópole - Canonização. Os Papas santos - Domingo, 27 de abril de 2014 - Pg. A22 - Internet: clique aqui.

João Paulo II ajudou a derrubar o comunismo e arrebanhou multidões


José Maria Mayrink
Papa João Paulo II (pontificou de 16/10/1978 a 02/04/2005)

Karol Jozef Wojtyla era um homem de porte atlético e jovial, quando se ajoelhou e beijou a terra no Aeroporto de Brasília, em 30 de junho de 1980. Tinha 60 anos de idade e quase dois de pontificado. Nasceu em 20 de junho de 1920 e foi eleito papa em 16 de outubro de 1978. Era a primeira das três visitas que fez ao Brasil, um dos 132 países de um incansável roteiro em 104 viagens fora da Itália.

Natural de Wadowice, a 50 quilômetros de Cracóvia, na Polônia, onde foi arcebispo e cardeal, percorreu todos os continentes nos 26 anos e 5 meses em que chefiou a Igreja Católica. Nas duas primeiras viagens ao Brasil, em 1980 e 1991, foi a 23 cidades, incluindo todas as capitais e o Santuário de Aparecida.
João Paulo II era uma figura carismática e envolvente. Conquistava as pessoas com seu constante bom humor. Fazia piadas, gostava de trocadilhos, cantava com sua voz de barítono e improvisava tiradas surpreendentes, falando às multidões em sua língua. "Se Deus é brasileiro, o papa é carioca", brincou no Maracanã lotado, ao voltar ao Rio em 1997, para o Encontro com as Famílias.
A veneração por Wojtyla transbordou na semana de seus funerais, em abril de 2005, quando a multidão começou a pedir sua canonização. "Santo súbito!", gritavam milhares de fiéis no Vaticano. O coro se repetia após a eleição de Bento XVI, toda vez que o alemão Joseph Ratzinger citava o nome de João Paulo II, de quem fora fiel escudeiro como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Resposta imediata: o papa polonês foi beatificado em 2011 e está sendo canonizado agora.
A imagem de santo que culmina com a celebração deste domingo tem raízes na vida sofrida de Wojtyla, dos tempos de menino órfão em Wadowice e de seminarista clandestino na Polônia ocupada por nazistas até a resistência ao comunismo imposto pelos soviéticos após a Segunda Guerra. A auréola de santidade brilhou ainda mais a partir de 13 maio de 1981, quando o papa foi vítima de um atentado na Praça São Pedro. João Paulo II atribuiu à Nossa Senhora de Fátima, cuja festa se comemorava na data, o "milagre" de ter escapado da morte. Recuperado, visitou e perdoou na prisão o turco Mehmet Ali Agca, que havia atirado nele.
Praça Maior de Wadowice (Polônia) - cidade natal de João Paulo II
Lolek, como o papa era chamado pelos amigos, perdeu a mãe, Emília, em 1929, e o irmão médico Edmund em 1932. Em Cracóvia, para onde se mudaram, dividiu um apartamento com o pai, também Karol, oficial reformado do Exército, que morreu em 1941. "Aos 20 anos, perdera todos os que nesta vida tinha podido amar", disse mais tarde. Restavam os amigos, colegas de escola, companheiros de palco no teatro e operários de trabalho braçal em uma fábrica de produtos químicos.
Tanto em Wadowice quanto em Cracóvia, Lolek convivia com numerosos judeus. Muitos deles foram arrastados para a morte em Auschwitz, o campo de concentração vizinho de sua cidade, que visitou muitas vezes enquanto vivia na Polônia e, em junho de 1979, como papa. Em 1988, entrou em uma sinagoga em Roma, tendo sido o primeiro papa a ter esse gesto.
Política. Três meses depois de João Paulo II receber Mikhail Gorbachev no Vaticano, em dezembro de 1989, a Santa Sé estabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética. Foi um passo adiante no combate ao comunismo, que contribuiu decisivamente para o fim da Cortina de Ferro.
Escreveu em dezembro de 1980 uma carta ao presidente Leonid Brejnev defendendo a soberania polonesa e, no mês seguinte, recebeu representantes do movimento Solidariedade, de seu amigo Lech Walesa, líder sindical que, após a redemocratização, seria eleito presidente. A luta contra o comunismo incluiu audiência com o presidente americano Ronald Reagan e a troca de correspondência diplomática com outros governos.
Quando se acentuaram, a partir dos anos 1980, as denúncias de abusos sexuais e de pedofilia cometidos por padres, o papa adotou medidas internas para punir os culpados, mas não os entregou à Justiça, como reivindicavam as vítimas e seus familiares. Ele foi acusado de omissão e, ao ser anunciada sua canonização, associações de defesa das vítimas pediram que o processo fosse cancelado.
No campo religioso, João Paulo II se aproximou de outras igrejas, fortaleceu o diálogo com os judeus e entrou em contato com os muçulmanos. João Paulo II manteve o programa de viagens apostólicas, de cunho predominantemente religioso, enquanto lhe permitiram as forças físicas. Sua última viagem foi ao Santuário de Lourdes, na França, em agosto de 2004. Fazia sentido essa peregrinação, pela intensa devoção que tinha a Maria. Totus tuus (Todo teu), o lema de seu escudo, era prova dessa devoção.
Papa João Paulo II em Lourdes (França) - sua última viagem (Agosto de 2004)
Em agosto de 2002, voltou pela última vez à Polônia. Celebrou missas para uma multidão em Cracóvia, rezou no Santuário de Kalwaria e, a caminho do aeroporto para regressar a Roma, sobrevoou de helicóptero a sua cidade natal, Wadowice. Era a despedida. Milhares de pessoas acenavam e choravam na praça da igreja matriz.
Wojtyla morreu aos 84 anos, no início da noite de 2 de abril de 2005.
Havia sido internado para ser submetido a uma traqueostomia para poder respirar, mas teve alta no hospital em 13 de março para continuar o tratamento no Vaticano. No Domingo da Ressurreição, 27 de março, deu a bênção Urbi et Orbi, da janela de seus aposentos, mas não conseguiu falar. Nos últimos dias de vida, alimentava-se por sonda.
"Deixai-me ir para o Senhor", murmurou João Paulo II, antes de morrer. Era o primeiro domingo depois da Páscoa, festa da Divina Misericórdia, dia escolhido por Francisco para a canonização. 
Fonte: O Estado de S. Paulo - Metrópole - Canonização. Os Papas santos - Domingo, 27 de abril de 2014 - Pg. A23 - Internet: clique aqui.

João XXIII e o sonho de um mundo sem guerra

José Oscar Beozzo*
"Quem é esse?" Foi a pergunta perplexa na Praça de São Pedro e mundo afora, no dia 28 de outubro de 1958, quando se anunciou do balcão da Basílica: "Habemus papam", "Temos Papa": o patriarca de Veneza, Giovanni Roncalli, que tomou para si o nome de João XXIII. Nome inusitado e abandonado desde que o Concílio de Constança depusera em 1415, outro João XXIII considerado antipapa. A figura baixa, rechonchuda, paternal e bonachona contrastava com o perfil aristocrático e quase diáfano de Pio XII, que dominara o cenário da Igreja das últimas duas décadas (1939 a 1958). Suscitou comparações desfavoráveis e certo desencanto. Cinco anos depois, à sua morte (03-06-1963), o povo brasileiro chorava a partida do "Papa buono", do Papa bom, junto com a massa silenciosa em vigília na Praça São Pedro e nos quatro cantos do mundo.
Para compreender este sentimento de afeto e tristeza conta muito o propósito, que animou seu serviço como bispo de Roma e como Papa: "Agora, mais do que nunca, certamente mais do que nos séculos passados, pretendemos servir ao homem enquanto tal e não só aos católicos; principalmente, antes de tudo e, em qualquer lugar, aos direitos da pessoa humana e não somente aos da Igreja católica".
Delegado apostólico por mais de vinte anos em países ortodoxos como Bulgária e Grécia ou islâmicos, como a Turquia, aprendera a respeitar e amar as outras Igrejas cristãs e os muçulmanos. A Dom Helder Camara que lhe levara o convite do Presidente Juscelino, para abençoar a inauguração de Brasília e que lhe contava entusiasmado o trabalho da Cruzada Sebastião para remoção de favelas no Rio de Janeiro, oferecendo moradia digna aos favelados, advertiu João XXIII: "Se você tivesse vivido no Oriente, nunca empregaria este termo cruzada"!
O maior e mais duradouro impacto do seu pontificado foi o anúncio a 25 de janeiro de 1959 da convocação de um Concílio ecumênico para o "aggiornamento" [atualização] da igreja e a busca da unidade entre os cristãos. Pediu aos bispos do mundo inteiro que expusessem com liberdade as questões que deveriam compor a sua pauta. Do Brasil, 132 dos 167 bispos responderam e abraçaram primeiro com incerteza e depois com entusiasmo, a grande aventura conciliar. Instados por João XXIII, lançaram-se a um ambicioso plano de cooperação entre leigos e padres, religiosos e religiosas de todas as dioceses e prelazias e aprovaram na V Assembleia da CNBB, em abril de 1962, o Plano de Emergência da Igreja do Brasil.
Compareceram à abertura do Concílio, a 11 de outubro de 1962, 173 bispos brasileiros. Compuseram o impressionante cortejo de mais de 2500 padres conciliares de todo o mundo, que adentrou a Basílica de São Pedro na manhã do dia 11 de outubro de 1962. Para lá, retornaram no outono dos anos seguintes, até a clausura do Concílio por Paulo VI, a 08 de dezembro de 1965.
Abertura do Concílio Vaticano II
Ouviram, ao lado de observadores de Igrejas do antigo oriente, da ortodoxia e dentre as saídas da reforma protestante, o decisivo discurso de abertura do Concílio, Gaudet Mater Ecclesia, "Alegra-se a Mãe Igreja". Iniciaram, ali, um promissor aprendizado de diálogo e cooperação ecumênicos e de contato, escuta e intercâmbio com a diversidade católica representada pelas antigas Igrejas do Oriente, as jovens igrejas da África, da Ásia, da América Latina, Caribe, Oceania e as velhas cristandades europeias. João XXIII pediu a todos, atitude confiante e positiva, sem condenações nem anátemas; urgiu uma igreja disposta a enfrentar o erro, mais com misericórdia do que com severidade; empenhada na busca da unidade dos cristãos e no serviço às necessidades de todo o gênero humano.
No dia 21 de novembro de 1962, recebeu de maneira calorosa os bispos brasileiros presentes no Concílio. Depois dos primeiros parágrafos, abandonou o discurso preparado pelos assessores e misturou-se aos bispos, querendo saber de suas dioceses, preocupações e trabalhos.
Sua morte impediu-o de acompanhar os três períodos seguintes do Concílio, que nos legou 16 documentos: 4 constituições, 09 decretos e 03 declarações e o espírito de um novo Pentecostes.
Sua encíclica Mater et Magistra de 1961 alargara a questão social, estendendo-a do mundo operário ao dos trabalhadores do campo e ao mundo todo, onde apontou os desequilíbrios entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos. No Brasil, provocou intenso debate sobre a reforma agrária, tema que dividia a sociedade e também a igreja. Apoiada na palavra do Papa, a CNBB expressou seu apoio à proposta de reforma agrária do Governo Goulart. Suscitou viva reação de alguns bispos e de leigos alinhados com a defesa intransigente da propriedade no movimento "Tradição, Família e Propriedade".
Sua última encíclica, a Pacem in Terris de abril de 1963, promulgada a dois meses de sua morte, apresentou firme condenação de toda e qualquer guerra como meio de resolver conflitos entre as nações. Diante do poder devastador das armas químicas, biológicas e nucleares, o Papa abandonou a doutrina tradicional da guerra justa. Afirmou que nenhuma guerra era justificável; que constituíam um crime contra a humanidade e que pessoas, instituições e nações deviam se empenhar para estabelecer instrumentos de diálogo, de superação de situações injustas, para se construir a paz entre os povos.
Sobre a Pacem in Terris, escreveu Alceu Amoroso Lima: " pela primeira vez na história dos documentos pontifícios, o Papa se dirige, não apenas aos bispos e aos fiéis, mas a 'todos os homens de voa vontade'. Nas 'Diretrizes Pastorais', com que o Santo Padre encerra esse novo grande documento de sabedoria moral e social da Igreja de Cristo, acena ele para 'colaboração dos católicos com as 'pessoas que não fé em Cristo ou têm-na de modo errôneo', caso em que se tornam esses 'encontros' não só legítimos mas benéficos, pois 'podem ser para estes ocasião ou estímulo para chegarem à verdade... Pode, por conseguinte, acontecer que encontros de ordem prática, considerados até agora inúteis para ambos os lados, sejam hoje, ou possam vir a ser amanhã, verdadeiramente frutuosos".
No Brasil, envenenado pelo acirramento ideológico que preparava o golpe militar baseado em primário anticomunismo e escassa preocupação social de suas elites, o chamamento do Papa ao diálogo e à cooperação para o bem comum levou estudantes católicos da JUC a se aliarem a partidos de esquerda nas eleições para a direção da UNE. Na inflamada situação no campo, com o surgimento das Ligas Camponesas e o pipocar da sindicalização rural apoiada pela Igreja, a Pacem in Terris abriu espaço, para que Federações estaduais de sindicatos rurais de inspiração cristã, alguns deles controlados pela AP (Ação Popular) se aliassem a Federações controladas pelos comunistas para empalmar a direção da CNTA (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), a 20 de dezembro de 1963. A aliança provocou imediata condenação da parte de Dom Vicente Scherer em Porto Alegre e de Dom Jaime de Barros Câmara no Rio de Janeiro.
João XXIII naquele momento apontava para o futuro, enquanto muitos
Pe. José Oscar Beozzo - teólogo
continuavam presos à intransigência e aos impasses da guerra fria
, que no terceiro mundo era sempre quente com centenas de milhares de vítimas e destruições sem fim.
A canonização de João XXIII representa o reconhecimento de sua santidade, mas também de um caminho de Igreja baseado no seguimento de Jesus e de um sonho de humanidade sem fome nem guerras inspirado uma fraternidade sem fronteiras, que o Papa Francisco volta a propor com vigor e destemor.
* JOSÉ OSCAR BEOZZO É TEÓLOGO E HISTORIADOR. AUTOR DO LIVRO 'A IGREJA DO BRASIL NO CONCÍLIO VATICANO II' (EDIÇÕES PAULINAS).
Fonte: O Estado de S. Paulo - Metrópole - Canonização. Os Papas santos - Domingo, 27 de abril de 2014 - Pg. A22 - Internet: clique aqui.

João Paulo II e os leigos

Dom Filippo Santoro*
Ainda cardeal, Karol Józef Wojtyla é fotografado no Vaticano (03/10/1978). Foto: AP

João Paulo II foi um incansável promotor do papel decisivo dos leigos e leigas na Igreja e na sociedade. Karol Wojtyla deu contribuição preciosa neste assunto no Concílio Vaticano II, mas antes viveu pessoalmente a experiência do leigo no trabalho, na atividade cultural e política e no compromisso com a sociedade de seu tempo. Como padre, bispo e papa, foi determinante a experiência como estudante, artista, operário e opositor aos regimes nazista e soviético.
Outro aspecto presente em Wojtyla era a ligação com seu povo. Fora da comunidade, da história, da cultura e do martírio da Polônia não era pensável sua pessoa. O individualismo de quem vive somente para si era estranho à sua vida e ao seu magistério, donde nasce uma visão da pessoa humana. Nasce a defesa da dignidade humana, em particular dos pobres e dos excluídos e da liberdade de todos, em particular a de escolher e praticar a fé.
Como sucessor de São Pedro, o papa polonês continua a promover o papel determinante dos fiéis leigos. Ele desenvolve essa atenção em duas direções. A primeira é a da condição dos leigos como batizados e, por isso, como protagonistas de uma especial presença na sociedade por força de sua "índole secular"; a segunda é a de uma atenção aos leigos reunidos em associações, dando ênfase aos movimentos eclesiais e novas comunidades. Sobre fiéis leigos, escreveu a exortação apostólica Christifideles Laici, em 1988, que seguiu ao Sínodo dos Bispos de 1987, com o tema Missão dos Leigos na Igreja e no Mundo.
Na visão do papa, o fiel leigo é lançado nas fronteiras da história e de todos seus aspectos: família, cultura, mundo do trabalho, economia, ciência, técnica. Uma atenção particular é dada à mulher e aos jovens, decisivos da condição humana, muitas vezes negligenciados pela sociedade e Igreja.
Grande destaque deu Wojtyla aos movimentos e às comunidades que se desenvolveram a partir da teologia da Igreja e do laicato. O papa indicava a necessidade de os leigos permanecerem ligados aos bispos, como garantia de fidelidade a uma história começada com a ressurreição de Jesus e com o dom do Espírito.
Dom Filippo Santoro - arcebispo de Taranto (Itália)
O novo santo deu grande ênfase ao trabalho e à família. No seu livro autobiográfico Dom e Mistério, ele, lembrando sua experiência de operário, escrevia: "Trabalhando manualmente, eu sabia bem o que significava a fatiga física. Todos os dias, encontrava gente que trabalhava pesado. Conheci o ambiente dessas pessoas, suas famílias, seus interesses, seu valor humano e sua dignidade". Essa experiência está no fundamento da encíclica sobre o trabalho Laborem Exercens, de 1981. Na encíclica Sollicitudo Rei Socialis, de 1987, indica a necessidade do compromisso de todos diante da pobreza. Em 1991, escreve a encíclica Centesimus Annus, insistindo sobre a necessidade de que o mercado esteja a serviço das pessoas.
No campo da família, beatificou os cônjuges Maria e Luigi Beltrame Quattrocchi, em 2001 - os primeiros proclamados juntos como casal. E beatificou quase 20 leigos e leigas.
Fica, porém, na nossa memória a viagem de João Paulo II ao Brasil em outubro de 1997. Ele esteve no Rio para o 2.º Encontro Mundial com as Famílias e, admirando a beleza da paisagem, falou da arquitetura divina da natureza e da arquitetura humana da família.
* D. FILIPPO SANTORO É ARCEBISPO DE TARANTO, NA ITÁLIA, E EX-BISPO DE PETRÓPOLIS, NO RIO DE JANEIRO.
Fonte: O Estado de S. Paulo - Metrópole - Canonização. Os Papas santos - Domingo, 27 de abril de 2014 - Pg. A23 - Internet: clique aqui.

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