«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Casamento na pandemia

Vivemos entre a vontade de sermos livres e a vontade de pertencermos a alguém

João Pereira Coutinho
Escritor, doutor em Ciência Política pela Universidade Católica Portuguesa

Em todo o mundo, a experiência da quarentena foi
destruindo vários casamentos
Ilustração de figura humana alada com correntes em um dos pulsos
Angelo Abu / Folhapress

Esse vírus não levou apenas vidas. Também levou amores. Em todo o mundo, a experiência da quarentena foi ceifando vários casamentos. Razões?

Se eu fosse um cínico, diria que a explicação está numa estatística que a revista Veja partilhou com os leitores: durante a pandemia, houve uma queda de 70% na ocupação de motéis no Rio de Janeiro e em São Paulo. O casal, privado dos seus entretenimentos externos, foi obrigado à conjugalidade. Deu no que deu.

Mas eu não sou cínico. Sou até um romântico, como Pascal Bruckner, o precioso moralista francês que me tem acompanhado com seus escritos amorosos.

Sempre gostei de Bruckner, de seu texto paradoxal e irônico, na tradição de La Rochefoucauld.

Mas, se tivesse que escolher, na vasta obra, um só título para os nossos tempos acelerados, seria “O Paradoxo Amoroso”.

O título é enganador. Bruckner não fala de um paradoxo. Fala de vários, porque o amor contém vários, embora dois deles tenham importância para a pandemia dos divórcios.

O primeiro paradoxo habita o coração do sujeito amoroso. Qual o nosso maior desejo? Sermos livres, independentes, autônomos, soberanos — eis a promessa da modernidade.

Mas como conjugar esses desejos nobres com as dimensões de dependência e sacrifício que o amor, esse deus caprichoso e cruel, também comporta?
Ensaio de casal em casa - Nathália e Eduardo | Melhores Fotógrafos ... 
Vivemos permanentemente divididos entre a vontade de sermos livres e a vontade de pertencermos a alguém. De tal forma que uma amiga minha, terapeuta, me dizia há anos que uma parte dos seus pacientes eram jovens adultos que não sabiam o que fazer com a graça e o terror de estarem apaixonados.

Pascal Bruckner entende essa fobia do compromisso, um fenômeno único na história dos sexos que é o resultado (imprevisto?) de um acréscimo real de liberdade e de opção.

É também por isso, acrescenta o francês, que se multiplicam no Ocidente várias formas de “conjugalidade” que evitam a pesada instituição do “matrimônio”, embora mimetizando alguns de seus traços fundamentais.

Queremos conservar o bolo e comê-lo: ter um pouco da vida livre, um pouco do compromisso — e sempre com um plano de fuga que seja rápido e indolor.

“Marido”, “mulher” — não é mais leve ter um “companheiro” ou uma “parceira”? Exatamente como se fosse um negócio que tanto pode prosperar como falir?

Perdidos nas nossas rotinas, e até nas nossas aventuras, esse paradoxo amoroso, essa dicotomia entre a liberdade e a pertença pode ficar em segundo plano. Adormecido.

Mas, quando tudo para ao redor e nos vemos entre quatro paredes, revivemos esse paradoxo na carne. Que faço eu aqui quando poderia estar mais além?

Mas o amor não é só vítima desses sentimentos conflitantes. O amor moderno é vítima da sua própria idealização. Também pela primeira vez na história dos sexos, esperamos que o amor seja “uma forma secular de salvação”, escreve Bruckner.

Tudo falhou [neste mundo moderno e secularizado!]. Deus, as ideologias, a vida comunitária.

Resta o TRABALHO, sim, como fonte de sentido;
e o AMOR, que sobrecarregamos com o tipo de expectativas
que antigamente era possível distribuir por vários modos de existência:
a religiosa, a política, a cívica, a familiar etc.
Casal negro exercício em casa juntos | Foto Premium 
Isso tem consequências: olhar para a pessoa amada e esperar dela tudo e o seu contrário.

Nas palavras de Bruckner, a mulher (ou o homem) não pode ser apenas mulher, ou seja, um ser humano, ou seja, um ser falível por definição.

A mulher tem de ser mãe, puta, terapeuta, amiga, sacerdotisa — de preferência no mesmo dia, ou até na mesma hora.

O mesmo vale para o homem, de quem se espera que seja marido, amante, confessor, sustento, pecador e santo.

Em rigor, não amamos pessoas; amamos ideias de pessoas e não toleramos que a realidade não esteja ao nível dos nossos delírios.

E assim nos encontramos: até a Segunda Guerra Mundial, escreve Bruckner, o casamento matava o amor; depois do conflito, o amor passou a matar o casamento. Que fazer?

Pascal Bruckner não oferece soluções. Essa, aliás, é a principal virtude do seu tratado. Para muitos, o amor superlativo vale sempre a pena, apesar do “fatal heroísmo” com que ele é vivido hoje.

Para outros, e seguindo uma velha escola, casamento tem sempre outras dimensões, das quais o amor é somente uma delas.

E haverá ainda aqueles que, repetindo as palavras de um filme de Christophe Honoré (“Les Chansons d’Amour”), dirão apenas: “ama-me menos, mas me ama por mais tempo”.

A única certeza é que, nas matérias do coração, continuamos tão perdidos e ignorantes como nossos antepassados.

A pandemia só revelou, sob uma luz mais crua, esses vícios de forma.

Fonte: Folha de S. Paulo – Colunas e Blogs – Segunda-feira, 06 de julho de 2020 – Publicado às 23h15 – Acesso em 08/07/2020 – Internet: clique aqui.

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