«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Os vendilhões do templo

Como manipular fiéis e encher uma igreja

Gilmar Pereira*

A partir da angústia existencial, líderes religiosos podem exercer
controle sobre quem busca milagres
Dicas de etiqueta para Fotografar Culto evangélico - Igreja Multimídia 
A questão fundamental é que nossa liberdade é limitada. Pode-se ter uma vontade imensa de levitar, mas nem por isso se trata de algo possível. E as impossibilidades perpassam não só a física como também as dinâmicas político-sociais, relacionais etc. Assim, no alto de nossos 36 anos, com uma compleição corporal robusta e revestida de boa e grossa camada de tecido adiposo, não nos é possível mais ser bailarino clássico.

A falta de controle sobre a vida, somada à incerteza do futuro, igualmente indominável, gera angústia. Esse estreitamento existencial leva o humano a buscar no divino a superação de sua natureza e de seus limites, sejam eles de quais ordens for.

Esse sobrepassar do possível por ação divina é o que denominamos MILAGRE.

Obviamente, algumas possibilidades parecem inexistentes e não o são. Às vezes, quem as encontra sem achar que existissem pode acabar lhes nomeando como milagre, mas não é o mais apropriado. Entendendo como obra de Deus, seria melhor chamá-las graça.

Na dinâmica da fé, a graça está no campo da possibilidade humana que se move em consonância com o divino. O milagre romperia com a ordem natural e possível das coisas – ainda que, no plano narrativo dos evangelhos, essa adjetivação não seja a melhor, uma vez que aí se presta à função catequética-mistagógica, querendo significar outra coisa e não necessariamente a fatualidade de seu acontecimento. Por isso, uma cura pela medicina é lida pelo crente como graça divina, que concede sabedoria a farmacêuticos e médicos para produzirem e indicarem o tratamento adequado. Quando a ciência não explica a cura, ela é tida, na ótica da fé, como milagre.
DODECATEÍSMO: Oferenda 
O ser humano tentando controlar as forças invisíveis

Como se trata de um movimento humano, a tentativa de romper com a angústia existencial diante do possível indeterminado ou mesmo das impossibilidades é observada já na Antiguidade. Por não compreender a dinâmica da natureza, o humano atribuía certa personalidade aos fenômenos naturais, entificando-os. Assim, haveria uma divindade que controlaria cada uma das realidades que percebesse maior que si. Como explicar a corrente em um lago aparentemente calmo, que puxa alguém para o fundo, senão por algum ser sobrenatural? E sendo assim, como agradá-lo para que não provoque destruição e morte?

Desse modo, nascem as ofertas votivas, como modo de agradar e acalmar as divindades. O humano passa a tratá-las como a um líder tribal poderoso e lhes oferta o que tem de melhor com o intuito de lhes dominar. A relação é ambígua. O dominado, em sua subserviência, busca ter seu dominador sob seu controle.
De quem você lavaria os pés? - Comunidade Católica Shalom 
As diferenças entre cristianismo e demais religiões

A EXPERIÊNCIA CRISTÃ se difere disso por inúmeras razões:
* pela fé em um Deus que se abaixa assumindo o que é inferior;
* pela sua não identificação com a natureza, não podendo sequer ser representado;
* pela sua negação de sacrifícios, sacrificando-se ele mesmo, entre outras.

Numa primeira instância, têm-se o humano que faz Deus sua imagem e semelhança; na outra, Deus que, em Jesus, quer fazer do humano divino, elevando-o à participação de sua vida. Embora sejam dinâmicas diametralmente opostas, não é assim que a maioria dos cristãos as vivem, mesmo as igrejas, misturando essas posturas que são inconciliáveis. Daí surge a pregação e as práticas rituais para se alcançar milagres. Há uma máxima que diz “a gente não é do jeito que quer, mas do jeito que a gente dá conta”. Contudo, nem todo mundo dá conta de si de suas circunstâncias e, por não ver uma possibilidade de mudanças possíveis, recorre ao sobrenatural e busca o milagre.

Há um fascínio no transcender a natureza que coaduna com o desejo humano de continuidade (infinitude) ou de completude, que estariam na esfera do Ser absoluto ou divino. Qualquer lampejo disso é encantador, faz a pessoa se sentir mais forte, capaz, encorajada. Experimentar o poder divino pode ser terrificante, mas não menos fascinante. Assim, qualquer experiência de romper ou sobrepor a natureza provoca maravilhamento. Por isso o humano gosta:
a) da mágica, pela qual sente controlar as forças ocultas que movem o universo;
b) dos estados alterados de consciência, quando vê ou sente coisas que não contempla no estado normal;
c) da guerra, quando desperta forças em si, que desconhecia, e até mesmo arbitra sobre a vida ou morte de outrem, algo também atribuído ao divino.

Dito isso, temos aqui os elementos necessários para a compreensão da manipulação que se pode exercer sobre outrem através do discurso religioso baseado em milagres. É fácil exercer a manipulação sobre alguém desde que se toque em sua angústia e lhe ofereça, ao mesmo tempo, alguma experiência que lhe pareça mágica, sobretudo se promover algum estado alterado de consciência ou lhe fizer sentir, em si, mais força ou poder.
Kill Your (Celebrity Culture) Worship | Educação musical, Musical ... 
Recursos para manipular emoções

Nesse sentido, músicas com acordes altos podem induzir ao êxtase, ainda mais em ambiente onde se promova a sinergia dos fiéis, dando-lhes o sentido de unidade e de força que um grupo coeso oferece. Conduza isso num clima de excitação crescente até um ponto de extravasamento e, abruptamente, substitua por um clima calmoexcitação, gozo e relaxamento. Alguém vai duvidar que a sensação prazerosa de um culto assim não é divina?

O que se dirá, então, de quem conduz uma experiência assim? Esse seria um humano diferente, alguém que transita na nossa realidade e na divina. Assim são vistos os líderes religiosos e por isso deles não se permite o erro, porque são homens e mulheres de Deus. Alguns até se creem especiais por isso. Outros abusam desse lugar, cientes que sua palavra não é questionada, dado que ela não lhe pertenceria, mas a Deus. Isso explica porque muita gente adulta e, em tese, com formação crítica, acaba se submetendo a abusos de lideranças religiosas: porque a dinâmica simbólica que forma seu arcabouço cultural fala mais alto que qualquer racionalidade.

O milagre, ou sua busca, acalma a angústia existencial de tal modo que
a pessoa pode não perceber que acabou por cercear a própria liberdade
a fim de ultrapassar os limites de sua finitude.

Há quem, em nome dessa fé de milagres, tenha limitado grandemente sua vida, tudo para não romper com o estado de santidade que se exige para alçar o sobrenatural. Ironicamente acabam cantando que são livres em Deus, mas se esquecem que, na verdade, cultuam um ídolo, pois fizeram um deus à sua imagem e semelhança, que barganha com o ser humano para conceder favores.

E quando o milagre não se alcança? É o diabo! É bom ter um diabo para tirar as responsabilidades da própria vida de escolhas malfeitas ou pelo insucesso na mística milagreira. É ele quem quer desviar desse caminho “tão santo”. Portanto, é importante manter o diabo vivo no discurso religioso. Ele exime o fiel de qualquer responsabilidade e, ainda, pelo medo que causa e por ser inumano, leva a buscar ainda mais o sobrenatural. No final das contas, multidões lotam templos e aderem piamente ao que diz o líder, aquele que expressa sempre a vontade divina. No final, todos dizem: Eita, glória!

* Gilmar Pereira é mestre em Comunicação e Semiótica, bacharel e licenciado em Filosofia, bacharel em Teologia, possui formação em Fotografia, é estudante de psicanálise e responsável pela editoria de Religião do portal Dom Total.

Charlatanismo religioso:
um pecado contra Deus

Fabrício Veliq*

A graça de Deus, conforme anunciada por Jesus Cristo,
em nada se coaduna com práticas de extorsão
Teologia da prosperidade | Humor Político – Rir pra não chorar 
O termo charlatanismo é definido pelo dicionário como a “exploração da credulidade pública, inculcando ou anunciando cura por meio secreto ou infalível”. Consequentemente, a pessoa charlatã é aquela que faz uso desse tipo de artimanha junto ao povo. Juntamente com a prática comumente vem a questão financeira, uma vez que todas essas curas ou mesmo milagres não são de graça. Muito pelo contrário, é necessária a demonstração de fé, geralmente com dinheiro, daquele que busca essa dádiva das divindades.

Embora possa parecer algo recente, a ideia do charlatanismo já era presente no Antigo Testamento na figura dos adivinhos. Eles “revelavam” o futuro aos seus consulentes, mas recebiam pagamento em troca. Uma vez que na religião judaica não existia a categoria de futuro como algo pronto, mas somente como expectativa e consequência das escolhas do presente, toda tentativa de sua previsão era condenada por Javé. Nesse caso, por enganarem o povo, afirmando algo que não era verdade, os adivinhos deveriam ser mortos apedrejados para que o mal em Israel fosse extinto.
Elementos Sagrados De Israel Água Do Rio Jordão,óleo Pedras - R ...
Traduzindo, da esquerda para a direita:
óleo de oliva da Galileia, solo sagrado de Jerusalém, água do rio Jordão

Neopentecostalismo: ambiente favorável ao charlatanismo

Nos dias atuais, principalmente no meio neopentecostal, vê-se um movimento crescente de charlatões, que usam a fé das pessoas simples e de bom coração para enriquecimento próprio. É muito comum se ouvir falar de campanhas com:
* alguma vassoura ungida,
* óleo especial buscado em Israel,
* garrafas com um pouco de água do rio Jordão,
* dentre tantos outros apetrechos.
Estes são vendidos a fim de propiciar libertação, cura ou qualquer tipo de alívio para o sofrimento humano.

Esse tipo de discurso, uma espécie de “magia cristã”, muitas vezes é referendada e institucionalizada por algumas igrejas. Apelando para forças sobrenaturais e divinas - tudo aliado a um forte apelo emocional que, na maioria das vezes, gera medo das forças das trevas - os ministros de tal prática fazem com que muita gente se sinta coagida a pagar por esses apetrechos, a fim de caírem nas graças de Deus e ter seus problemas resolvidos.

O charlatão, ao cometer um crime doloso para com a sociedade, peca contra Deus. Ele explora a fé dos pequeninos angariando lucro para si, vendendo falsas esperanças, tais como os adivinhos do Antigo Testamento.

Dessa forma, todo e qualquer discurso que tenta oferecer a graça de Deus com alguma contrapartida deve ser visto com grande desconfiança e, mais ainda, denunciado às autoridades competentes.
Teologia da prosperidade ~ Mente Cativa 
A graça de Deus, conforme anunciada por Jesus Cristo, em nada se coaduna com práticas de extorsão. Muito pelo contrário, a absurda e incompreensível graça de Deus se mostra como terror para todo e qualquer charlatanismo, visto que não exige e não cobra absolutamente nada daquele que é alcançado por ela. Diante disso, é tarefa de uma teologia responsável denunciar toda e qualquer proposta charlatã que tenta negociar as bênçãos de Deus, ainda que seja transvestida de uma áurea de santidade e autoridade.

Deus, conforme anunciado por Jesus é aquele que faz vir sua chuva sobre bons e maus, que ama a todos indiscriminadamente, desejando que tenham vida em abundância sem exigir nada em troca. Em outras palavras, é um Deus de amor e, portanto, é gratuito e livre, de maneira que nada precisa ser pago para experimentá-lo.

* Fabrício Veliq é protestante e teólogo. Doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE), Doctor of Theology pela Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven), Bacharel em Filosofia e Licenciado em Matemática (UFMG).

Fonte: Dom Total – Religião – Sexta-feira, 10 de julho de 2020 – Acesso em 12/07/2020 – Internet: clique aqui aqui.

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