Tribunal
Superior Eleitoral
discute
punir “abuso de poder religioso”
Rafael Moraes
Moura
Debate foi iniciado
pelo ministro Edson Fachin em julgamento
de caso de vereadora
de Luziânia, Goiás
EDSON FACHIN Ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) |
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) iniciou na semana passada
a discussão sobre incluir o “abuso de poder religioso” como motivo
para a cassação de políticos. Atualmente, o TSE entende que apenas o abuso
de poder político e econômico podem resultar na perda do mandato. O debate,
levantado pelo ministro Edson Fachin, ainda está em fase inicial, mas já
provocou forte reação nas redes sociais e mobilizou aliados do presidente Jair
Bolsonaro, que veem uma “caça às bruxas” contra o conservadorismo. O TSE já
está na mira do Palácio do Planalto por causa de oito ações que investigam a
campanha de Bolsonaro à Presidência da República em 2018.
“A imposição de limites às
atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da
liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a
ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da
comunidade”, disse Fachin no julgamento de um caso de Goiás.
VALDIRENE TAVARES (Republicanos) |
O processo em questão gira em torno da vereadora de
Luziânia (GO) Valdirene Tavares (Republicanos), que é pastora da
Assembleia de Deus. Ela é acusada de usar a sua posição na igreja para
promover a sua candidatura, influenciando o voto de fiéis. Valdirene foi
reeleita em 2016.
Relator do caso, Fachin votou contra a cassação da vereadora,
por concluir que não foram reunidas provas suficientes no caso concreto para
confirmar o “abuso de poder religioso”. No entanto, fez uma série de
observações em seu voto sobre a necessidade de Estado e religião serem
mantidos separados para garantir a livre escolha dos eleitores. Ainda propôs
a inclusão do abuso de poder de autoridade religiosa em ações que podem eventualmente
levar à cassação de mandato de políticos – de vereadores a presidente da
República.
No julgamento iniciado na quinta-feira passada, o ministro
Alexandre de Moraes discordou do colega nesse ponto, já que a hipótese de
“abuso de poder religioso” não está prevista expressamente em lei. “Não se
pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros sem participação
política e sem legítimos interesses políticos na defesa de seus interesses
assim como os demais grupos que atuam nas eleições”, observou Moraes, que
vai presidir o TSE nas eleições presidenciais de 2022.
O julgamento sobre a vereadora de Luziânia foi interrompido
por um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Tarcisio Vieira de
Carvalho. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo apurou, em agosto
Tarcísio deve liberar o caso para a retomada do julgamento.
“Perseguição”
A reação ao entendimento de Fachin foi imediata nas redes
sociais bolsonaristas, eleitorado formado em boa parte por conservadores e
evangélicos. “Fachin propôs ao TSE a hipótese de cassação de mandato por
‘abuso de poder religioso’. Problema: a lei fala em abuso de poder econômico ou
político. Um tribunal não pode, por ativismo, criar a nova hipótese. Mais uma
brecha para perseguição ilegal de religiosos e conservadores?”, escreveu a deputada
federal Carla Zambelli (PSL-SP) no Twitter.
Na opinião da deputada federal Chris Tonietto
(PSL-RJ), o Cristianismo vai “paulatinamente sendo proibido pela ditadura
togada”. “Na prática, proíbe-se o discurso religioso cristão na política
e consagra-se o exclusivismo laicista nas instituições”, disse em rede
social.
As críticas também vieram do procurador Ailton Benedito,
uma das vozes mais conservadoras do Ministério Público Federal (MPF) e aliado
do procurador-geral da República, Augusto Aras. “Fachin propõe que ‘abuso de
poder religioso’ leve à perda de mandato. Porém, como ficariam os abusos de
poder partidário, ideológico, filosófico, sindical, associativo, escolar,
universitário... com o objetivo de influenciar eleitores?”, questionou.
Há alguns anos a Justiça Eleitoral tem dado atenção ao uso
da estrutura de igrejas e ao discurso religioso como fator de impulsionamento
de candidaturas, aponta o advogado Luiz Eduardo Peccinin,
especialista em direito eleitoral e autor do livro “Discurso religioso na
política brasileira: democracia e liberdade religiosa no Estado laico”.
Peccinin avalia que, se a posição de Fachin prevalecer, poderão ser enquadrados
como abuso de poder religioso os casos de candidatos que contam com apoio ostensivo
de líderes religiosos e fazem uso de suas prerrogativas para influenciarem o
voto dos fiéis de forma abusiva.
“A questão é complexa, porque por um lado não pode a lei
exigir que um cidadão religioso forme suas convicções políticas separadamente
de suas outras crenças pessoais, filosóficas, morais. Por outro, igrejas não
podem doar recursos ou usar de sua estrutura e de seus meios de comunicação
para beneficiarem candidatos, o que pode ser considerado abusivo. A análise
terá que ser feita com muito cuidado caso a caso pelo julgador”, afirmou.
Segundo ele, em alguns países, como no México e na França,
essa mistura de política e religião é vedada. “Esses abusos eleitorais
são tipos do direito eleitoral brasileiro. Mas há estados que chamamos de
‘laicistas’, em que religião e religiosos não podem ocupar cargos eletivos.
México e França por exemplo, proíbem essas candidaturas. No México é até crime
eleitoral padres pedirem votos ou se manifestarem politicamente”, disse
Peccinin.
Para a advogada Maria Claudia Bucchianeri, integrante
da comissão especial de direito eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), o julgamento sobre a vereadora de Luziânia é “importantíssimo” por
envolver um tema “tão sensível quanto polêmico”. “A jurisprudência do TSE já
estava firmada no sentido de que não existe a figura do ‘abuso do poder
religioso’, considerado o total silêncio da lei e da Constituição. A depender
das premissas que vierem a ser fixadas, lideranças religiosas experimentarão
substancial restrição no seu direito de participação política e de engajamento
em eleições”, disse.
A inclusão do abuso de poder religioso como motivo para
cassar mandatos pode significar uma “intervenção estatal desmedida”, opina o
advogado Fabrício Medeiros, especialista em direito eleitoral. “A
definição do abuso do poder religioso é tarefa entregue aos cuidados do
Congresso Nacional, que deverá também estabelecer critérios objetivos para sua
configuração, sob pena de entronizarmos a magistratura como fiscal da liberdade
de crença em nosso País”, comentou.
Em nota enviada ao jornal O Estado de S. Paulo, a
Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) diz que não há “margem
legal para que se fale a respeito de abuso de poder religioso”. “Eventuais
abusos que se utilizem da estrutura eclesiástica durante o período eleitoral
devem encontrar enquadramento nas possibilidades listadas pela lei eleitoral. A
utilização da estrutura eclesiástica com o fim de burlar as disposições legais
referentes ao processo eleitoral não pode ser confundida com o exercício
legítimo da liberdade religiosa”, sustenta a entidade.
Procurado pela reportagem, o gabinete de Fachin
informou que a “questão se encontra em julgamento e os fundamentos técnicos
e jurídicos utilizados pelo ministro estão no voto por ele proferido”. O jornal
O Estado de S. Paulo procurou a vereadora Valdirene Tavares, mas não
obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.