Economia brasileira travada, o que fazer?
Brasil é refém de subsídios e governo não apresenta soluções concretas
Fábio Pupo
Entrevista
especial com Marcos Lisboa
Economista e presidente do INSPER – São Paulo (SP)
Economista
defende abertura comercial e reforma tributária, mas vê falta de avanço do
Executivo
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MARCOS LISBOA |
O presidente do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) e colunista do jornal Folha de S. Paulo diz hoje que a fala, gravada em setembro de 2016, continua atual. Ele considera o país refém dos subsídios e diz que o Brasil deveria, em vez disso, se voltar à abertura comercial e à simplificação do sistema tributário para diminuir o custo de se produzir no país.
Apesar disso, ele não vê liderança ou clareza do Executivo para implementar essas reformas. "Uma das dificuldades que o país vive é que o governo não consegue apresentar propostas concretas para temas tão importantes", afirma.
Setor que tradicionalmente recebe atenção especial do governo por conta do valor agregado à economia e do impacto sobre o emprego, a indústria automotiva foi beneficiada com R$ 69,1 bilhões em incentivos fiscais da União entre 2000 e 2021, em valores corrigidos pela inflação.
Eis a entrevista.
Folha - O senhor disse em palestra de 2016
que a crise do setor automotivo tinha como causa o governo atender a todos os
pleitos das empresas. Essa avaliação continua válida?
Marcos Lisboa: Sim, o fechamento de fábricas de automóveis no Brasil
não deveria ser uma surpresa. Tivemos uma política para o setor, durante muitos
anos, de estimular a criação de fábricas de automóveis e equipamentos no
Brasil, mas o problema é que a produção de automóvel e da indústria, em
geral, requer escala. E isso não é viável numa economia do tamanho do Brasil.
Você não consegue uma cadeia completa, ainda mais em automóveis, cuja venda
é bastante pequena. E mais ainda no nosso caso, pois temos uma economia
fechada, com menor acesso à tecnologia e, portanto, menos eficiente.
A crise no setor vem de longa data e era previsível que várias unidades se tornariam inviáveis. Só não eram antes pela quantidade de subsídios, então ficamos reféns de dar incentivos para preservar a produção de algo não eficiente no país.
E os subsídios não têm se mostrado
suficientes para compensar...
Marcos Lisboa: Não, porque as empresas não querem esse sistema
tributário confuso e esse ambiente de negócios disfuncional. Nossas regras
não são minimamente uniformes entre os diversos entes. Além disso, tributamos
de forma muito diferente os diversos produtos. Tem uma série deles que
pagam pouco imposto, mas outros que pagam muito — como a energia elétrica, que
acaba onerando a indústria.
Por causa dessas distorções, foram concedidos subsídios e benefícios. E sem muito critério, de forma descentralizada, privilegiando quem tem acesso aos gabinetes oficiais. E aí, em vez de corrigir os problemas, você tenta tapar esse buraco com subsídios.
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Fábrica da FORD no bairro do Ipiranga, em São Paulo - década de 1960 |
Estamos em processo de desindustrialização?
Marcos Lisboa: O que está matando a indústria são essas políticas
fiscais equivocadas que garantem
resultados a curto prazo, mas a médio e longo prazos destroem a indústria. Com
essa miopia da política industrial brasileira, você fecha a economia, impede
acesso a tecnologias mais modernas e dá estímulo com pouca avaliação
achando que só montar uma fábrica dá certo.
É a política mal feita para proteger a indústria que está matando a indústria. O governo errou muito, mas lideranças do setor privado também defenderam uma agenda muito equivocada e agora estão pagando o preço.
O que fazer com os subsídios para o setor
automotivo agora?
Marcos Lisboa: Criamos uma armadilha. Esse tipo de política fracassada cria empresas e setores ineficientes, que não são competitivos nem viáveis. Mas você investiu capital e pessoas que estão empregadas. Como faz? É o velho drama da Zona Franca de Manaus, que custa um Bolsa Família por ano. A mesma coisa com estaleiros. Tentamos fazer, deu errado, os navios são caros, não é sustentável. Mas tem dinheiro alocado, tem gente trabalhando lá. Então é muito difícil sair da sinuca em que nos colocamos nos últimos 15 anos.
O que resta a ser feito, então?
Marcos Lisboa: Progressivamente, uma abertura comercial permitindo
maior comércio exterior.
Para
que o Brasil possa importar o que outros países fazem melhor, e para que o Brasil
exporte o que faz bem.
Isso já viabilizou experiências como a da Embraer. Segundo, fazer uma reforma tributária e acabar com essa quantidade de regras. Essas seriam as duas principais reformas, mas deveriam ser progressivas para as empresas se ajustarem a uma realidade que se mostraria melhor para o país.
Há possibilidade de o atual governo conseguir
implementar essas reformas?
Marcos Lisboa: Até agora, o governo não disse que reforma quer fazer.
Qual a reforma tributária que ele propõe? Tinha uma discussão sobre CPMF
ou imposto sobre pagamentos, que ia e voltava — e ainda bem que não foi posta à
mesa, porque seria um retrocesso. Tinha uma proposta na Câmara [que fundia PIS,
Cofins, IPI, ICMS e ISS] e o governo veio com outra bem mais modesta [que funde
PIS e Cofins].
Afinal de contas, qual a
agenda do governo? No comércio
exterior, tem uma pauta de abertura de economia posta há anos. O governo falou
várias vezes que ia tocar essa agenda. Dois anos depois, o que aconteceu? Nada.
A privatização, o que apareceu de concreto?
Uma das dificuldades que o
país vive é que o governo não consegue apresentar propostas concretas para
temas tão importantes para o país avançar em pontos que já estão postos desde o governo Temer. E acho que, pela
falta de liderança atual, o país vai continuar crescendo pouco.
Política industrial com incentivos é importante, mas exige contrapartidas
Bernardo Caram
Entrevista
especial com Nelson Marconi
Economista e Coordenador da Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas
Economista
afirma que benefícios fiscais devem ser combinados com medidas de melhoria da
economia como um todo
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NELSON MARCONI |
Em entrevista à Folha, ele afirma que o governo deveria ser mais rigoroso na cobrança de contrapartidas para que montadoras de automóveis façam jus aos descontos em tributos ao instalarem suas fábricas no Brasil.
O professor afirma que uma boa estratégia seria exigir dessas companhias uma meta de exportação. Para ele, ao se verem obrigadas a competir com produtores de outros países, as montadoras se esforçariam de fato para inovar e tornar os veículos produzidos aqui mais competitivos.
Eis a entrevista.
A política de incentivos ao setor automotivo
no Brasil é eficiente?
Nelson Marconi: Se você faz uma política de incentivos, mas a
economia continua muito desajustada, o programa de incentivos não vai
compensar. Se você faz uma política de incentivos em um quadro econômico
desequilibrado, o efeito dela será muito reduzido.
Quanto à composição dessas políticas, o problema é você desenhar uma estrutura de incentivos com pouca cobrança de resultado, sem condicionalidades.
Mas o programa “Rota 2030” exige
contrapartidas das montadoras. Elas não funcionam?
Nelson Marconi: No fundo, o que acontece é que boa parte dessas exigências que entram no papel acabam não funcionando no caso brasileiro. Há no papel coisas importantes, eles precisam investir em inovação e pesquisa, mas, se você coloca uma meta de exportação, por exemplo, ela vai precisar inovar e ser competitiva se quiser vender lá fora. É até mais simples para o governo. Além disso, os mecanismos de acompanhamento e cobrança do governo sempre foram muito fracos na política industrial.
Poderia ser pior se não houvesse incentivo?
Nelson Marconi: Possivelmente. Quando o governo criou o incentivo da desoneração em 2011, por exemplo, o nível de emprego na indústria automobilística não caiu. Ele acabou servindo realmente para manter o emprego. Mas, como a demanda pelos produtos não acompanhou, houve uma redução de margem de lucro das companhias para manterem os incentivos. O que faltou foi um programa de estímulo de crescimento econômico e de orientação para as exportações.
Pela sua avaliação, é importante uma política
industrial com incentivos para o setor, mas sua efetividade depende de outras
ações de governo e melhora do ambiente econômico?
Nelson Marconi: Exatamente, é isso.
O retorno dado ao país pelas montadoras
compensa o custo fiscal?
Nelson Marconi: A indústria tem um impacto grande na cadeia produtiva e não apenas gera emprego direto, mas tem um efeito multiplicador muito grande. O problema é que se você não cobra os resultados e o cenário econômico não ajuda, o incentivo passa a ser muito caro. Você tem que colocar benefícios temporários condicionados a determinadas metas.
Qual poderia ser o caminho para o setor?
Nelson Marconi: São necessários ajustes nas políticas setoriais porque você está vendo o mundo hoje caminhar no sentido dos carros elétricos, de desenvolver tecnologia verde. Nossa tecnologia é muito atrasada, com montadoras desenvolvendo aqui modelos mais defasados. É necessário redesenhar os programas. Se quiser ter algum tipo de incentivo, tem que caminhar nessa direção e buscar conquistar outros mercados.
As empresas do setor [automobilístico] estariam
funcionando no país sem incentivo fiscal?
Nelson Marconi:
Esse setor precisa de menos
incentivos hoje do que precisava no passado. Não é o carro-chefe da política
industrial, mas tem sua relevância. Se a gente deixar o país sem nenhuma
política industrial e o mundo inteiro está falando em fazer política industrial
de novo, o que vai acontecer é que vamos ter recursos drenados só para o
agronegócio, que é o setor mais lucrativo do país, ou para o setor financeiro.
A gente precisa ter política industrial, sim. Se esse setor merece ter tanto recurso, eu tenho dúvidas. Entendo que só deveria ter um volume razoável de recursos se caminhasse no sentido de se modernizar fortemente. Deveria ter verba para eles, mas dependendo muito do que vão entregar. Entregar o que entregam hoje, não vale a pena.
Fonte: Folha de S. Paulo – Mercado – Quarta-feira, 13 de janeiro de 2021 – Pág. A15 – Internet: clique aqui e aqui (acesso em: 13/01/2021).
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