Todos devem se unir

 Elites têm de ter coragem de romper com os populistas

 Paulo Beraldo

Jornal «O Estado de S. Paulo» 

Entrevista especial com Jan-Werner Müller

Historiador, filósofo e professor da Universidade de Princeton (Estados Unidos). Ele colabora com veículos de imprensa como The Guardian, The New York Times, The New York Review of Books, Le Monde e The London Review of Books. É cofundador da European College of Liberal Arts. 

Estudioso da democracia diz que: “É preciso entender que será cobrado um preço por concordar com um líder autoritário”

JAN-WERNER MÜLLER

A derrota eleitoral do presidente Donald Trump e sua saída do governo são um golpe para populistas que o tinham como referência, mas estes grupos só podem ser evitados com o fortalecimento de instituições e a oposição unida. 

A avaliação é do cientista político alemão Jan-Werner Müller, autor do livro O que é Populismo?, publicado em 2016, uma referência na discussão sobre o avanço desse movimento em diferentes países. 

Müller, professor da Universidade de Princeton, também defende que os líderes democráticos precisam oferecer soluções que respondam aos problemas reais das pessoas e não apenas fazer oposição a governos autoritários. 

DONALD TRUMP lança boné para apoiadores em Orlando, na Flórida. Foto: Saul Loeb/AFP

A ideia de “como as democracias morrem” tornou-se famosa depois do livro de Levitsky e Ziblatt, de 2018, e muito se fala sobre ela. Mas o que as democracias devem fazer para sobreviver?

Jan-Werner Müller: Três fatores importam:

1º) a ampla mobilização em favor de ideais democráticos básicos. Ao mesmo tempo, não é suficiente dizer “não somos Donald Trump ou algum outro autoritário”. É preciso oferecer uma visão positiva que responda aos problemas reais das pessoas. Nesse sentido, Joe Biden realmente não se saiu tão bem.

2º) As elites privadas precisam ter a coragem de romper com os populistas. Isso não é apenas uma questão de psicologia individual. É preciso entender que será cobrado um preço por concordar com um líder autoritário.

3º) A renovação do que chamo de infraestrutura crítica da democracia, principalmente dos partidos políticos e da mídia. Essa é uma questão para uma reforma estrutural de longo prazo. 

Donald Trump, Melania Trump, o presidente da Polônia Andrzej Duda e sua mulher, Agata Kornhauser-Duda. Foto: AFP Photo/Janek Skarzynski

O que pode ser feito pelos sistemas democráticos para conter e prevenir o populismo?

Müller: O populismo nunca pode ser completamente evitado. Além do ponto óbvio de que as preocupações dos cidadãos devem ser tratadas, ajuda ter um sistema partidário funcional e um ambiente midiático no qual a mídia não lucre com a polarização das sociedades. O que, segundo Alexis de Tocqueville [intelectual francês], poderíamos chamar de “poderes intermediários” – partidos e mídia – permanecem cruciais para o funcionamento da democracia representativa. 

O que a derrota de Donald Trump significa para o populismo e os populistas em todo o mundo?

Müller: É um golpe. Mas, assim como a vitória de Trump há quatro anos não significava que agora havia uma onda populista impossível de ser detida, sua derrota não significa que tudo vai para a direção contrária. Os contextos nacionais ainda são muito importantes. Se alguém opta por um partido de extrema direita no Leste Europeu, por exemplo, tem pouco a ver com o que acontece nos Estados Unidos. 

Como o sistema de freios e contrapesos da democracia americana facilita ou torna mais difícil o crescimento do populismo?

Müller: O presidencialismo pode realmente gerar populismo. Os freios e contrapesos dos Estados Unidos, sob Trump, revelaram-se mais frágeis do que muitos pensavam. Ainda assim, o Judiciário não foi capturado da maneira que outros populistas de extrema-direita fizeram. O federalismo dispersa o poder e coloca um freio real no trumpismo. 

Como poderíamos diferenciar o populismo americano do de outros países – se de fato, existe essa diferença?

Müller: Na minha avaliação, todos os populistas afirmam que apenas eles representam o que muitas vezes chamam de “pessoas reais” [o povo], com a consequência de que outros políticos têm sua legitimidade negada, mas também que os cidadãos que não se enquadram ou não concordam com o entendimento populista são excluídos. O que varia é a descrição de “pessoas reais”. 

O premiê da Hungria, Viktor Orbán, faz discurso em sessão do Parlamento, na capital Budapeste. Foto: Tamas Kovacs/EFE/EPA

E a que o sr. atribui a derrota de Trump?

Müller: Honestamente, é cedo para dizer. Não temos evidências empíricas suficientes sobre por que as pessoas votaram da maneira que votaram. Se alguém confiar nas pesquisas de opinião, uma coisa é surpreendente: os cidadãos continuaram confiando em Trump na economia, pensando que ele seria bom para liderar uma recuperação pós-pandemia. Os democratas, um pouco como em 2016, pareciam não ter uma mensagem ou símbolo convincente sobre as questões econômicas. 

Os democratas decidiram por um centrista como Biden e não por uma figura mais à esquerda como Bernie Sanders para disputar a eleição. Essa escolha serve de inspiração para outros movimentos de oposição?

Müller: A oposição ao populismo de extrema-direita precisa ser unida. Mas há outra variável: diante de uma catástrofe nacional como a covid-19, que expõe tantos problemas estruturais, uma estratégia mais ambiciosa também é bastante plausível. 

Como o sr. vê o futuro da democracia na União Europeia quando há dois países – Polônia e Hungria – liderados por populistas e onde alguns partidos de extrema-direita ganharam força nas últimas eleições?

Müller: Este não é um problema apenas dos Estados-membros em questão, ao contrário do que por vezes alegam políticos e comentaristas. Se a democracia e o Estado de Direito deixarem de funcionar num Estado, o funcionamento da União Europeia no seu todo – que depende do reconhecimento mútuo das decisões dos tribunais nacionais – fica em perigo. Além desse aspecto prático, a ascensão das autocracias enfraquece a capacidade da Europa de ser uma força para a democracia no mundo e trai as promessas feitas aos aspirantes a Estados-membros desde os anos 70, a de que ajudaria a transformá-los em democracias consolidadas. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional / Entrevista – Domingo, 17 de janeiro de 2021 – Pág. A9 – Internet: clique aqui (acesso em: 18/01/2021).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A necessidade de dessacerdotalizar a Igreja Católica

Dominação evangélica para o Brasil

Eleva-se uma voz profética