«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Seres humanos nivelados

 O jogo da imitação

 João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em Ciência Política pela Universidade Católica Portuguesa 

Vivemos uma falsa diversidade, assim, pensamos que somos nós mesmos, quando, na realidade, somos meros imitadores

JOÃO PEREIRA COUTINHO
Diversidade? A favor. Quando penso nos autores que me fizeram a cabeça, começo em Montaigne e acabo, sei lá, em William James ou Isaiah Berlin. O que os une? A rejeição de que existe uma única forma de vida válida para toda a gente, em todos os lugares e em todas as circunstâncias. 

Eis a razão por que sempre desprezei o pensamento utópico e qualquer forma de fanatismo ideológico: a imposição de um único modelo de sociedade a todos os indivíduos procede de uma alma tirânica, incapaz de aceitar a variedade da existência. 

Prefiro excêntricos, dândis*, decadentes — ou, em linguagem filosófica, prefiro os românticos aos “racionalistas”. 

Em teoria, vivo no melhor dos tempos: nunca como agora os seres humanos foram tão livres para escolher. Mas, na prática, será que a diversidade é real?

Ou tudo que temos é uma aparência de diversidade que, no fundo, apenas esconde uma crescente uniformidade?

Essa sensação foi amplificada na virada do ano: eu, fechado em casa, com a TV ligada. Por todo o mundo, o mesmo tipo de festejos —fogo de artifício iluminando os céus de várias capitais. As ruas estão desertas. Se não fosse esse pormenor, as imagens de 2021 seriam indistinguíveis de 2020, de 2019, de 2018... Cópias de cópias de cópias. 

Horas depois, a televisão permanece ligada. Várias reportagens sobre política internacional. O jornalista está em Madri, São Paulo, Pequim, Lisboa. 

Tudo igual. As pessoas vestem-se da mesma forma, compram nas mesmas lojas, até sorriem e gesticulam com arrepiante mimetismo. O mundo inteiro é uma única grande metrópole, onde a diversidade é cosmética, não substancial. Que se passa? 

O historiador Russell Jacoby, em ensaio luminoso (“On Diversity: The Eclipse of the Individual on a Global Era” = Sobre diversidade: a eclipse do indivíduo em uma era global), ou sobre a diversidade, o eclipse do indivíduo numa era global), ajuda no diagnóstico. Sim, a retórica do momento usa e abusa da palavra diversidade, sobretudo em matéria sexual ou racial. 

Mas a verdade é que estamos cada vez mais parecidos, apesar de passarmos grande parte do tempo a proclamar as nossas diferenças.

Aliás, é precisamente pelo fato de estarmos cada vez mais iguais que “fetichizamos” essas diferenças, como se elas nos salvassem da massa informe que engole o indivíduo.

Essa uniformização começa na infância, quando as crianças assistem aos mesmos vídeos, jogam os mesmos jogos e experimentam a mesma vida em clausura, sem espaço ou oportunidade para explorar e arriscar. Fabricamos robôs que depois seguem o mesmo tipo de ensino, para o mesmo tipo de carreira, onde se vestem da mesma forma e desejam as mesmas casas com os mesmos brinquedos tecnológicos. 

Isso é apenas válido para a turma branca, hétero, burguesa e ocidental? Russell Jacoby discorda: mesmo as minorias, na luta justíssima por maior representatividade, apenas aspiram ao mesmo modelo existencial da maioria. 

(Nem todas, é um fato: como lembra o autor, os amish ou os judeus hassídicos são exemplos de diversidade no sentido mais profundo do termo. Não aspiram a ser como todo mundo; desejam ser diferentes de todo mundo.) 

Nas artes, e sobretudo no cinema, vemos esse “desejo mimético”** (expressão de René Girard) com a apropriação de personagens tradicionalmente brancos ou masculinos por atores negros ou femininos. 

No próximo filme da saga “Thor”, o martelo do super-herói será usado por uma mulher. O novo 007 também será mulher (e negra). 

E na série “Bridgerton”, da Netflix, metade da aristocracia inglesa de inícios do século 19 é negra (e não falo da rainha Anne, que provavelmente até seria; uma longa discussão). 

O gesto, para além de anacrônico, ganha contornos bizarros: vemos atores negros no papel de presumíveis escravocratas ou protetores de escravocratas, como seria grande parte da nobreza britânica do período da Regência. Será uma vitória para a diversidade? 

Pelo contrário: vitória seria não precisar dessas apropriações; vitória seria contar histórias novas com vozes novas e genuinamente diversas. 

Um dos grandes filmes de 2020, que comentei nesta Folha, conseguiu essa proeza: falo de Radha Blank e do seu “The Forty-Year-Old Version” [= A versão de quarenta anos], uma comédia brilhante sobre uma mulher negra de meia idade que tudo faz para preservar a sua singularidade. 

Respeito isso —essa “superioridade aristocrática do espírito”, como lhe chamou Baudelaire ao descrever o dândi do seu tempo. No meio da falsa diversidade em que vivemos, precisamos de mais dândies e menos plagiários.​ 

Notas: 

* Costumava-se denominar DÂNDI, (em inglês, dandy) aquele homem de bom gosto e fantástico senso estético, mas que não necessariamente pertencia à nobreza. O dândi é o cavalheiro perfeito, um homem que escolhe viver a vida de maneira intensa. Como uma máscara, ou um símbolo, é uma subespécie de intelectual que dá um enorme valor e atenção ao esteticismo e à beleza dos pormenores. É um pensador, contudo diletante, ocupando o seu tempo com lazer, atividades lúdicas e ociosas. Tem uma obsessão pela classe e é um dissidente do vulgar (Fonte: Widipédia).

** “Desejo mimético” vem de “mimesis” que significa: imitação. A tese gira em torno de que alguns desejos não provêm da necessidade que temos de um objeto ou do objeto em si, mas vem da imitação que temos de um mediador. Trocando em miúdos: desejamos algo porque alguém deseja aquilo. Segundo o filósofo René Girard: “O desejo segundo o Outro é sempre o desejo de ser um Outro” (Fonte: clique aqui). 

Fonte: Folha de S. Paulo – Ilustrada / Colunas e Blogs – Terça-feira, 5 de janeiro de 2021 – Pág. A27 – Internet: clique aqui (acesso em: 06/01/2021).

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