«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

O que é ser totalitário?

 Bolsonaro, o totalitário

 Deborah Duprat

Subprocuradora-geral da República aposentada 

Como “detentor exclusivo do conhecimento”, sacrifica quem faz objeções

DEBORAH DUPRAT

Claude Lefort, em “A Invenção Democrática – os limites do totalitarismo”, defende que o totalitarismo surge da democracia e, portanto, ele apenas se esclarece se captada a relação que ambos mantêm. 

Segundo Lefort, a mutação essencial provocada pela “revolução democrática” é a desincorporação do poder, ou seja, não há poder ligado a um corpo, diferentemente do que se passava no Antigo Regime (anterior à Revolução Francesa). Neste, a sociedade representava para si sua unidade e identidade como a de um corpo, que encontrava a sua figuração no corpo do rei. É esse corpo duplo, a um só tempo individual e coletivo, que a revolução democrática vai destruir, mediante a desincorporação dos indivíduos. Cada um deles passa a ser unidades contábeis para um sufrágio universal que valem no lugar desse universal investido no corpo político. 

Mas, se de um lado há a desincorporação do indivíduo, também a sociedade civil se separa do Estado. A democracia inaugura uma sociedade indomesticável, em que o povo, apesar de soberano, não cessa de questionar sua identidade. Por isso, para o filósofo francês, líderes populistas são uma impossibilidade democrática, ou melhor, a sua contraface, são totalitários. É que, ao pretenderem se apropriar do poder sob a capa da identificação com o povo, tornam invisível a linha de clivagem Estado-sociedade. 

A quebra de distinção entre Estado e sociedade também implica a denegação do princípio da divisão interna da sociedade: a afirmação da totalidade é a negação da diferença, sendo impossível a formação de classes ou de quaisquer outros agrupamentos cujos interesses sejam antagônicos ao do Estado. É a noção mesma de uma heterogeneidade social que é recusada. 

Analisando a formação do Estado totalitário na antiga União Soviética, afirma que o sucesso do partido bolchevique foi a sua capacidade de se identificar como um poder de ruptura radical com o passado e de fundação de um novo mundo — e competente para realizar a transformação social reivindicada a partir de um saber absoluto sobre a sociedade. 

Daí por que o líder ou partido com vocações totalitárias tornam também invisíveis o que separa o poder político do poder administrativo. Todo o aparelho administrativo do Estado perde a sua independência e vai se desenvolver com a obstinação em destruir qualquer garantia de competência no espaço mesmo da burocracia. Afinal, apenas o líder detém o conhecimento de toda a história do povo e de sua vontade. 

Livro mencionado pela autora deste artigo: "A invenção democrática - Os limites da dominação totalitária" - 3ª edição revista e atualizada de 2011, publicada pela Ed. Autêntica (esgotada - possível de ser encontrada em sebos de livros)

Além de desmontar os espaços institucionais de conhecimento, o líder totalitário instala uma incerteza radical em cada servidor, que jamais está seguro sobre as decisões a tomar e sobre os limites da autoridade de que dispõe. 

A essa altura, é possível identificar os principais traços desse totalitarismo no governo Jair Bolsonaro:

a) ele pretende totalizar o povo, borrando a distinção constitutiva da democracia entre Estado e sociedade civil;

b) ele postula um povo indistinto, sem fissuras, e assim avança empírica e normativamente sobre a diversidade dos modos de vida existentes na sociedade nacional; e

c) desorganiza a administração pública e confunde o político com a gestão pública. 

São igualmente abundantes os episódios que demonstram ser Bolsonaro o detentor exclusivo de todo o conhecimento. Se alguma área técnica ousa fazer-lhe objeção, é sacrificada. No contexto da maior crise sanitária e econômica do país, é ele que prescreve medicamentos, decide sobre vacina e descumpre ostensivamente recomendações para conter a disseminação do vírus. Em meio à pandemia, foram-se dois ministros da Saúde, e o que permanece foi forçado a recuar quando decidiu pela aquisição de todas as vacinas cuja eficácia estivesse comprovada. 

Bolsonaro desmontou toda a capacidade de atuação da administração pública federal e a distorceu quanto ao seu principal propósito constitucional: a instituição de políticas públicas voltadas ao enfrentamento da desigualdade e da injustiça social.

Bolsonaro governa de forma totalitária e, portanto, antidemocrática e inconstitucional. 

Fonte: Folha de S. Paulo – Tendências/Debates – Quinta-feira, 7 de janeiro de 2021 – Pág. A3 – Internet: clique aqui (acesso em: 07/01/2021).

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