O que está acontecendo é crime!
Displicência mortal
Editorial
Jornal «O Estado de S. Paulo»
O
colapso de Manaus é o retrato cruel de como a negligência e o negacionismo do
poder público, aliados à irresponsabilidade de cidadãos, são mortais quando se
está diante de uma crise como a da covid-19
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Cenas dramáticas e pavorosas estão ocorrendo no interior de hospitais em Manaus (AM) |
Na quinta-feira passada, o País registrou recorde na média móvel de casos diários de covid-19. De acordo com a apuração do consórcio de veículos de imprensa, foram 56.453 casos em 24 horas. A Nação pranteou a morte de cerca de 1,2 mil brasileiros por dia. Alguns hospitais particulares da capital paulista já não têm vagas em UTI para atender pacientes acometidos pela covid-19. Na capital fluminense também não há mais leitos de terapia intensiva exclusivos para o tratamento da doença.
Em nenhum município, no entanto, a situação é tão dramática como em Manaus. Chegou-se ao ponto em que médicos e enfermeiros não têm outra coisa a fazer a não ser administrar morfina em pacientes graves que agonizam nos leitos pela falta de oxigênio. A sensação de impotência levou ao desespero muitos desses profissionais. Por meio das redes sociais, eles publicaram pungentes pedidos de ajuda enquanto viam seus pacientes, um após o outro, morrerem afogados no seco. Só ontem começaram a chegar cilindros de oxigênio a Manaus vindos do Rio e de São Paulo em aviões da FAB.
O colapso do sistema de saúde em Manaus é o retrato cruel de como a negligência e o negacionismo do poder público, aliados à irresponsabilidade dos cidadãos que fazem pouco-caso das medidas protetivas contra o vírus, são mortais quando se está diante de uma crise sanitária da magnitude da pandemia de covid-19. Não se chega a um estágio desses sem uma longa esteira de erros e omissões.
Fiel à sua índole, o presidente Jair Bolsonaro foi rápido ao fazer circular a informação de que o governo federal repassou R$ 8,91 bilhões ao Estado do Amazonas e R$ 2,36 bilhões à cidade de Manaus, sugerindo que nada tem a ver com o desastre havido na capital amazonense. “Fizemos a nossa parte”, disse o presidente ao grupo de apoiadores que batem ponto na entrada do Palácio da Alvorada.
Em primeiro lugar, repasses da União aos Estados e municípios
decorrem das leis e da Constituição, não da boa vontade do presidente da
República.
Bolsonaro não fez nada além de sua obrigação ao repassar os
recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de
Participação dos Municípios (FPM), além dos recursos extraordinários
aprovados pelo Congresso para dar conta do enfrentamento da pandemia.
Segundo, em nenhum momento desta emergência sanitária o
resultado trágico em Manaus ou em qualquer outro município decorreu da falta de
dinheiro.
Faltou ao governo federal compromisso com os FATOS, com a CIÊNCIA,
com a VIDA. Faltou a coordenação, no âmbito federal, dos esforços nacionais
para debelar a peste.
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Comerciantes e comerciários estimulados ou obrigados pelos seus patrões protestam contra medidas preventivas em Manaus (AM) - Dezembro / 2020 |
Sobre o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), também recai uma boa parcela da responsabilidade pelo colapso da saúde pública em Manaus por ter cedido à pressão de empresários e autorizado a flexibilização das atividades comerciais no Estado, contrariando as recomendações das autoridades sanitárias. “Eu preciso ouvir a voz das ruas”, justificou o governador. Por esta sua “insurgência” contra a “ditadura do lockdown”, Lima foi bastante festejado por apoiadores do presidente Bolsonaro.
Manaus foi uma das cidades que sucumbiram ao falso dilema entre a “liberdade” individual e o “arbítrio” das medidas de contenção ao novo coronavírus. Como a natureza é implacável, o resultado não haveria de ser outro: o aumento do número de mortes por um dos meios mais cruéis, a asfixia.
As três esferas de governo agora se mobilizam para socorrer os manauaras. Para muitos, entretanto, a ajuda chega tarde demais. Até onde irá o desgoverno?
Fonte: O Estado de S. Paulo – Notas & Informações – Sábado, 16 de janeiro de 2021 – Pág. A3 – Internet: clique aqui (acesso em: 16/01/2021).
Rastro de delinquência
Bruno Boghossian
Não
é difícil colher provas para responsabilizar protagonistas do morticínio
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WILSON LIMA (PSC) governador do Amazonas (à direita) ao lado de JAIR BOLSONARO |
A
tragédia nacional é fruto da incompetência extraordinária, da falta de senso de
emergência, do desprezo pela vida e da covardia de muitos governantes.
No fim de 2020, Lima viu hospitais cheios e determinou o fechamento do comércio para conter o alastramento do vírus. Acuado por protestos fomentados por políticos bolsonaristas, o governador desistiu e mandou reabrir as lojas.
Os dez meses de pandemia deixaram um rastro de vilania e delinquência. Não é difícil colher provas para responsabilizar os protagonistas do morticínio. Autoridades incapazes de providenciar itens essenciais e uma política eficiente para salvar vidas são partes de um capítulo importante desse processo.
Meses antes da falta de oxigênio em Manaus, Jair Bolsonaro dizia que seu governo havia repassado verba para os estados e que “ninguém faleceu” no país “por falta de UTI ou respirador”. Era 2 de junho de 2020, e os hospitais estavam lotados em muitas cidades. Naquele dia, foram registrados 1.262 óbitos.
Bolsonaro e coautores nada
fizeram para evitar essas mortes. Ao
contrário, empurraram os brasileiros para uma roleta-russa:
estimularam aglomerações, negaram ao país um plano célere de vacinação e ofereceram, no lugar de cuidados sérios, um coquetel de medicamentos ineficazes, sob o rótulo enganoso de “tratamento precoce”.
De passagem por Manaus nesta semana, o ministro da Saúde reforçou a oferta de cloroquina [pasmem!!!], reconheceu a falta de oxigênio na cidade e disse que a única solução era esperar um novo carregamento. Eduardo Pazuello deu de ombros (literalmente) e declarou: “Não tem o que fazer” [!!!].
Fonte: Folha de S. Paulo – Opinião – Sexta-feira, 15 de janeiro de 2021 – Pág. A2 – Internet: clique aqui (acesso em: 16/01/2021).
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