Haveria outra saída???
Autoritarismo necessário
Atila Iamarino
Doutor em Ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale (Estados Unidos). É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia
Ou
será preciso calar as vozes antivacina ou tornar a vacina compulsória
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ATILA IAMARINO |
No livro “The Misinformation Age” [= A Era da Desinformação, não há edição em português], os filósofos da ciência Cailin O’Connor e James Owen Weatherall detalham estudos sobre a dinâmica de informação falsa e demonstram como fake news e desinformação não vão embora sem a escolha consciente de barrar algumas ideias do debate público.
A cloroquina, por exemplo. Outros países começaram testes clínicos assim que resultados positivos do uso de cloroquina para tratar Covid foram sugeridos. Na Suécia, os testes foram abandonados pois avaliaram que o risco de problemas cardíacos não compensava possíveis benefícios. Em outros países, os testes demonstraram que cloroquina não funciona. Questão resolvida. Mas não aqui. No Brasil, investimos milhões que fazem muita falta em comprimidos de cloroquina que não tratam Covid. E a política de saúde nacional substituiu distanciamento e máscara para evitar o vírus, que ainda não são recomendados pelo Ministério da Saúde, por “se exponha e faça tratamento precoce”. Informação errada que mata.
Como o levantamento “Political (self) Isolation” mostrou, o Brasil é o último país onde notícias falsas sobre tratamento com cloroquina circulam, pois não é uma questão científica, é uma questão partidária cooptada como identidade de grupo. Se quem é de direita toma cloroquina, e quem não toma? Como os filósofos discutem, nessa situação a informação falsa não para. Mesmo se especialistas demonstrarem que ela não funciona, o que já fizeram, quem assimilou tratamento precoce como algo identitário deixa de acreditar em quem contesta isso antes de abrir mão da crença. Também não faltam “especialistas” que apoiam a causa para participar do grupo, e as redes sociais mantêm a chama dessa propaganda falsa acesa.
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Vacinas sendo fabricadas no Instituto Butantã em São Paulo - SP |
Agora que temos vacinas
contra a Covid, esse dilema continuará matando, já que dependemos da maioria da
população ser vacinada e o movimento negacionista antivacina é feito por quem
leva ignorância para muita gente.
Temos muitas discussões importantes, como sobre vacinar crianças, já que não
participaram dos testes. Agora, se alguém terá seu DNA alterado ou ganhará um
chip 5G depois de ser vacinado, não é uma pergunta válida. Mas cientistas,
profissionais de saúde e divulgadores científicos podem fazer o estardalhaço
que for que não corrigirão isso.
Se a informação falsa sobre vacinas não for barrada na imprensa e em redes sociais, só uma vacinação compulsória [obrigatória] chegaria em proporções suficientes. Um apelo autoritário, de uma forma ou de outra.
Chegamos no mesmo impasse dos
Estados Unidos, onde tiveram que calar o presidente em redes sociais. Sem isso,
um grupo inteiro da sociedade continua acreditando em um mito. Não devemos
abrir mão do poder de escolha e da liberdade de expressão. Mas como outro
filósofo, Jason Stanley, lembra em sua obra “Como
Funciona o Fascismo” [Editora L&PM, 1ª edição em 17 dezembro 2018], para
que escolhas sejam realmente livres, quem escolhe precisa ser bem informado.
Quem
é enganado é privado de escolhas.
E quem escolhe não se vacinar porque não quer virar jacaré e prefere pegar Covid porque é só uma gripezinha está muito enganado e condena muitos a pagar pelo erro.
Fonte: Folha de S. Paulo – Saúde / Colunas e Blogs – Quarta-feira, 13 de janeiro de 2021 – Pág. B3 – Internet: clique aqui (acesso em: 13/01/2021).
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