Deus está vendo

 O festival da hipocrisia religiosa

 Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV 

André Mendonça, advogado geral da União, fez do Supremo Tribunal Federal (STF) um altar religioso e de sacrifício da Constituição

ANDRÉ MENDONÇA - Advogado Geral da União, o "terrivelmente evangélico", segundo Bolsonaro, misturando Estado Laico com cristandade moderna

Não basta ser terrivelmente evangélico. O chefe da Advocacia-Geral da União, André Mendonça, quis provar a Jair Bolsonaro que tem uma procuração de Deus ao dizer que «os cristãos estão dispostos a morrer por sua fé». Na sessão do STF que julga a liberação de igrejas e cultos em meio à pandemia, transformou a Corte num altar religioso e de sacrifício da Constituição. 

Quem não achou tudo isso uma barbaridade não enxerga o buraco obscurantista em que o Brasil se meteu. Candidatíssimo a uma vaga no Supremo, Mendonça vem atuando como advogado particular do bolsonarismo desde que era titular no Ministério da Justiça e capanga da honra do presidente. Desta vez, deixou claro que estado laico uma pinoia, só faltou jurar sobre a Bíblia. 

Imagine um sujeito desse no STF, responsável pelo destino de pautas de interesse coletivo e não apenas daqueles que rezam sob sua cartilha. O teatro de Mendonça em defesa da liberdade religiosa não disfarça que religião para ele e para os interesses para os quais advoga é a cristã. «Mistura do mal com atraso» é uma boa descrição. 

Uma tarde inteira perdida com uma discussão nonsense [= sem sentido], que teve a participação de outros defensores dessa aberração, com citação ao diabo e mentiras sobre a eficácia das medidas de isolamento.

Aglomerar pessoas em espaços fechados é zombar da morte no momento em que os hospitais estão lotados, não temos vacina e que já enterramos mais de 340 mil brasileiros. 

Se pastores e agentes públicos que manipulam a fé alheia com interesses políticos e econômicos fossem de fato tementes, deveriam imaginar que Deus está vendo tudo isso.

Charge de Montanaro em alusão à decisão de Kassio Marques Nunes sobre liberação de cultos presenciais - João Montanaro/Folhapress

Mas a desfaçatez com que mandam seus fiéis para o corredor da morte é prova de que nem eles acreditam no que pregam. Nem no próprio Deus. 

Enquanto perde-se tempo com cortina de fumaça, nem reza braba para que a CPI da Pandemia saia do papel. Bolsonaro agradece. [Felizmente, o STF obrigou o presidente do Senado a instalar a CPI da Pandemia, uma vez que há assinaturas suficientes de senadores que a solicitam.] 

Fonte: Folha de S. Paulo – Espaço aberto – Quinta-feira, 8 de abril de 2021 – 22h57 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui (acesso em: 09/04/2021).

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