Os militarem atuam na política
“Forças Armadas são politizadas e cooptaram o candidato Bolsonaro”, diz historiadora
Paloma Varon
Entrevista com Maud
Chirio
Historiadora e brasilianista francesa, professora de História Contemporânea na Universidade de Paris-Est Marne-la-Vallée, autora do livro “A Política nos Quartéis: revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar brasileira”
Brasilianista
Maud Chirio, que pesquisa temas do Brasil, afirma que militares promovem “divórcio
estratégico”
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MAUD CHIRIO - historiadora e brasilianista francesa |
Segundo a historiadora, as Forças Armadas têm uma grande capacidade de construir um discurso e uma memória institucional muito coerentes: “Todo mundo fala a mesma coisa, eles têm uma estratégia de comunicação muito firme, e isso permite muitas vezes que a mídia reproduza este discurso. Eu acho que é o momento de construir uma leitura crítica deste discurso, porque os militares estão no poder no Brasil, e, quando existem cisões internas, elas têm de ser vistas como cisões dentro de um projeto de poder”. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Na sua opinião, existe risco de ruptura da
democracia com as recentes demissões nas Forças Armadas brasileiras?
Maud Chirio: Existe uma tentativa de radicalização do regime pelo Palácio do Planalto. Não foi definido se isso é Estado de sítio, Estado de Defesa ou uso do artigo 142 da Constituição, mas tudo indica que a situação de um governo acuado, com a popularidade em queda, com uma crise social e sanitária extremamente grave, incita uma radicalização política. É difícil saber se existirão condições objetivas para uma ruptura democrática, mas existe a tentação de intensificar o caos por um agravamento da deterioração da democracia brasileira.
Predominou a versão de que o ministro da
Defesa se recusou a politizar as Forças Armadas, mas diversos militares
participam do governo Bolsonaro. Por que isso causa problema agora?
Maud Chirio: Obviamente, as Forças
Armadas são extremamente politizadas no Brasil.
A alta oficialidade participou diretamente do crescimento da figura
política de Bolsonaro, o cooptou como candidato.
A troca dos generais não significa que o governo atual não continue extremamente militarizado.
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Livro publicado no Brasil pela Zahar Editora, em março de 2012 |
Na sua opinião, por que houve esta ruptura
parcial dos militares com Bolsonaro?
Maud Chirio: A primeira hipótese é
que parte do generalato achou que o projeto de poder deles não tem em
Bolsonaro o seu melhor defensor agora. Pensam que é melhor começar a se
afastar dele para não afundar com o barco. Eles acham que a sobrevivência
política deles passa por um divórcio, que não é ideológico, mas é estratégico.
A segunda hipótese envolve fatores humanos. Não são hipóteses
contraditórias, mas é muito provável que haja uma reação ao comportamento do
Bolsonaro, que sempre irritou parte dos generais, que contraria a
hierarquia militar, que está tentando impor um estilo de poder que não combina
com o estilo mais comum dentro do alto oficialato. A maneira como Azevedo foi
demitido, a maneira como os comandantes das três Forças foram levados a sair
dos comandos, isso criou um profundo mal-estar e acabou afastando ainda mais
certos oficiais do governo. Ou seja, tem um fator que eu acho bastante
estrutural, que é que parte das Forças Armadas têm há bastante tempo um
projeto de poder.
Escolheram o Bolsonaro para encarnar este projeto, e agora ele não
encarna mais o suficiente para manter uma lealdade tão franca, tão aberta, tão
completa quanto existia até agora.
E existe também este pano de fundo de um funcionamento pessoal em relação à liderança, que é profundamente diferente entre a maioria dos generais e o Bolsonaro, e que parte dos generais acabou não aceitando mais se submeter a esse estilo de poder, que é uma política do caos. Bolsonaro governa pelo caos e isso é provavelmente um fator para que alguns queiram sair.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Política – Domingo, 4 de abril de 2021 – Pág. A6 – Internet: clique aqui (acesso em: 04/04/2021).
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