«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 20 de abril de 2021

Não é hora de brincadeira

 Democracia civil no fio da navalha

 Maud Chirio

Historiadora francesa, é professora na Universidade Gustave Eiffel e especialista em história das Forças Armadas e da ditadura militar brasileiras; autora, entre outros, de “A Política nos quartéis: revoltas e mobilizações de oficiais na ditadura brasileira” (Zahar Editora) 

Degradado, sistema está prisioneiro de suas Forças Armadas

MAUD CHIRIO

O espanto com que o mundo observa o Brasil nestes últimos meses não se deve somente ao abismo sanitário no qual o presidente Jair Bolsonaro mergulhou o país. 

O atordoamento é também estarrecedor posto que a maneira pela qual se via o Brasil, desde o início do século 21, foi estilhaçada. À época, o país remetia ao mundo a imagem de ser uma democracia consolidada, produto de uma transição irreversível. A Europa, subitamente consciente de sua condição de velho continente, viu no Brasil a tradução bem-sucedida do “fim da história”: o advento definitivo de uma democracia civil sólida, capaz de encarar séculos de desigualdades e de discriminações, além de uma posição subalterna no cenário internacional. 

Tal leitura teve pesadas consequências, tanto aí quanto aqui, sobre a capacidade de compreender o país. Ela levou a ignorar sinais de uma degradação da Nova República:

* Os protestos de oficiais frente à Comissão da Verdade [que investigava crimes cometidos durante a ditadura militar no Brasil],

* o crescimento do número de candidatos militares às eleições e

* as intervenções de generais no cenário público foram consideradas anacrônicas e não como indícios de um projeto de poder no seio da instituição militar.

* O mesmo se aplica para a explosão de discursos anticomunistas, impregnados de um clima de guerra cultural.

Por sua vez, a crise política pós-2014 foi lida como a manifestação de um aperfeiçoamento da democracia, não obstante o descaso flagrante tanto com a Constituição quanto com o devido processo legal. 

Foi ainda mais difícil conservar esse discurso sereno após a eleição de um candidato neofascista e saudosista dos tempos da ditadura militar.

Porém, muitos, tanto aí quanto aqui, quiseram continuar a acreditar em um mero monstro político acidental que não abalaria uma democracia assim tão resiliente.

As altas instâncias legislativas e judiciárias, que já não eram conhecidas por seu rigor na garantia de um Estado de Direito, foram tidas como sua salvaguarda. A presença de generais no coração do governo assegurou: a “ala militar” irá moderar a “ala ideológica”.

Jair Bolsonaro é fruto, entre outros fatores, de um projeto de poder dos militares, os quais estão mais envolvidos do que nunca com o poder

No lugar de ver aí sinais de uma democracia já fragilizada, produzimos um mecanismo autossugestivo, repetindo:A Constituição está sendo respeitada”. “As instituições funcionam.” “As Forças Armadas estão distantes da política.”

Hoje, o discurso de uma democracia inabalável nos impede de perceber claramente os perigos que a ameaçam.

As pretensões autoritárias de Bolsonaro não foram levadas a sério por muito tempo. O ex-capitão foi tido por Pai Ubu, um rei burlesco, absurdo e ridículo da peça de Alfred Jarry, personagem quase que fictício no centro daquilo que permanecia enquanto a única realidade: a normalidade democrática. 

No meio da tragédia sanitária organizada por ele próprio, todos nós percebemos que Bolsonaro parece agora disposto a implementar seu projeto de embrutecimento da sociedade brasileira, no qual mobiliza as suas milícias e tenta moldar “o seu Exército”.

Para enfrentá-lo, o Brasil não dispõe mais de uma democracia intocada, mas, sim, de um sistema degradado e prisioneiro de suas Forças Armadas.

Quanto mais o Planalto se empenha em uma corrida desenfreada autoritária e mortífera, mais o Exército se posiciona em garantia à ordem e às instituições. 

Os futuros possíveis do país —destituição, eleições livres, respeito ao resultado das urnas— estão por ora suspensos sob o parecer de generais engajados, há décadas, em um projeto de conquista do Estado. 

Millôr dizia: “O mal do mundo é que Deus e o Diabo envelheceram, mas o Diabo fez plástica”. No Brasil, a democracia civil está enrugada ou, até mesmo, desvirtuada —e foi o militarismo quem fez a cirurgia plástica. Contudo, o caminho já é sabido: leva ao autoritarismo, à violência do Estado e ao desterro das nações. 

O Brasil possui, porém, os meios para reconstruir uma democracia plural e pacificada, cujas pedras angulares devem ser:

* a desmilitarização do poder e

* as eleições livres.

O mundo precisa de modelos brasileiros. Da superação da personagem Jéssica no filme “Que Horas Ela Volta?”. Da coragem e da resistência de Marielle Franco. Da prova de que, após o abismo bolsonarista, um futuro de progresso é possível. 

Fonte: Folha de S. Paulo – TENDÊNCIAS / DEBATES – Domingo, 18 de abril de 2021 – Pág. A3 – Internet: clique aqui (acesso em: 19/04/2021).

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