Livros só para ricos?
É isso que o governo quer!
Editorial
«O Estado de S. Paulo»
A
concentração do consumo de livros é uma injustiça; não cabe ao governo
utilizá-la para justificar uma política tributária que intensificará o problema
Em apoio ao projeto de lei para criar a CBS, a Receita
Federal lançou recentemente um documento com perguntas e respostas sobre a
fusão do PIS e Cofins – e o que lá está assusta.
O documento da Receita Federal revela não apenas uma estreita
mentalidade arrecadatória, mas uma impiedosa institucionalização das
desigualdades sociais, a demonstrar desconhecimento da função social dos
tributos.
Segundo a Receita Federal, não haveria problema em extinguir a atual isenção de PIS e Cofins para livros e papéis para impressão já que o consumo de livros está concentrado na faixa mais rica da população.
O documento menciona a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo a qual famílias com renda de até dois salários mínimos não consomem livros não didáticos e que a maior parte desses livros é consumida por famílias com renda superior a 10 salários mínimos. “Neste sentido, dada a escassez dos recursos públicos, a tributação dos livros permitirá que o dinheiro arrecadado possa ser objetivo de políticas focalizadas, assim como é o caso dos medicamentos, da saúde e da educação no âmbito da CBS”, diz a Receita Federal.
A argumentação é de uma brutalidade desconcertante:
... pobres não consomem livros, então não há problema em aumentar a
tributação...
... e ainda vem revestida de uma pretensa finalidade social: o dinheiro arrecadado poderá ser usado em “políticas focalizadas”.
De forma explícita, o governo federal ignora que esta realidade
– a concentração do consumo de livros não didáticos nas maiores faixas de renda
– é uma tremenda injustiça, que causa sérios e graves danos ao País.
Não cabe dar um ar de normalidade a essa desigualdade, tampouco utilizá-la para justificar uma política tributária que intensificará o problema.
Não há possibilidade de desenvolvimento social e econômico de um país com um governo que não apenas acha que livros não didáticos podem ser restritos a quem ganha mais de 10 salários mínimos, como utiliza esse dado para justificar uma política que reforçará ainda mais essa desigualdade.
O argumento é simplesmente nefasto. O
documento da Receita Federal dá a impressão de que o governo encontrou uma
incrível oportunidade de arrecadação, ao descobrir que livros não didáticos são
consumidos primordialmente pelas faixas de maior renda.
É como se os livros pertencessem ao gênero “produtos de luxo”,
como caviar, joias e charutos importados, cujo aumento de tributação não
teria maiores efeitos sobre a população carente.
Infelizmente, essa nova tributação teria muitos efeitos sobre as faixas mais pobres da população. Com a proposta do governo federal, o acesso aos livros não didáticos ficaria ainda mais restrito, ainda mais elitista. Seria a institucionalização da leitura e do conhecimento exclusivamente para os mais ricos.
Diante de tamanho disparate, é preciso voltar à Constituição, que
prevê, entre os objetivos fundamentais da República, “construir uma
sociedade livre, justa e solidária” e “erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Entre
outras medidas para atingir esses objetivos, proíbe “à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre livros,
jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”.
A lógica constitucional é bem diferente da lógica do governo
federal.
O País precisa de uma profunda reforma tributária, mas seus objetivos devem ser a redução das desigualdades e o desenvolvimento social e econômico. Não é transformar a pobreza e a miséria em política pública.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Notas & Informações – Sexta-feira, 9 de abril de 2021 – Pág. A3 – Internet: clique aqui (acesso em: 10/04/2021).
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