«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 10 de março de 2011

COMO SAIR DA CRISE QUE MUDOU O MUNDO


Se tivesse que escolher o "romance da crise" destes anos de turbocapitalismo global e letal, votaria em Sunset Park. As primeiras páginas do livro de Paul Auster – em que o jovem Miles Heller relata o seu trabalho de "mosqueteiro da desgraça", encarregado de inspecionar por conta dos bancos as casas abandonadas pelos inquilinos morosos e de fotografar as inumeráveis "coisas abandonadas" para sempre pelas famílias expropriadas – são o afresco literário de uma época.

A análise é de Massimo Giannini (foto acima), publicada no jornal La Repubblica (Roma - Itália), 08-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A Spoon River de "um mundo que tomba, de ruína econômica e de dificuldades constantes e crescentes" para milhões de pessoas submersas pela "tempestade perfeita" inciada há mais três anos. Mas agora é publicado também o "ensaio da crise". Não que nestes meses os títulos sobre esse tema tenham sido poucos. Mas o livro que sugiro agora é talvez o mais completo e o mais científico de todos aqueles que li. Estou falando de Finanzcapitalismo, que Luciano Gallino recém entregou à impressão (editora Einaudi).

A viagem de Gallino ocorre por dentro dos delírios cínicos e às vezes até clínicos do mercadismo. Uma viagem que parte de um triunfo hegemônico: um sistema econômico baseado no risco moral ('moral hazard) e na irresponsabilidade do capital, na dívida que gera dívida e no dinheiro que produz dinheiro. E que nos conduz a um ponto final dramático: a completa desvalorização do trabalho, a devastação dos recursos industriais e naturais, a desolação de uma massa de mulheres e de homens que já não são mais "classe média", mas sim "classe pobre".

O que aconteceu desde aquele final dramático de 2007 o sabemos. O que ainda faltava é uma análise histórica e sociológica, além de econômica, do processo que mudou as conotações do sistema. Gallino reconstrói isso a partir do conceito, teorizado por Lewis Mumford, das "megamáquinas sociais": aquelas grandes organizações hierárquicas que usam massas de seres humanos como "componentes ou servo-unidades". Combinação de poder político, econômico e cultural que geraram "monstros" no arco de milênios: das pirâmides egípcias construídas com o sangue dos escravos ao Império Romano, da fábrica de extermínio do Terceiro Reich nazista ao universo concentracionário do comunismo soviético. Agora, estamos na fase mais "evoluída": o "finanzcapitalismo", "megamáquina" desenvolvida com o objetivo de maximizar e acumular, sob forma de capital e poder, "o valor extraível tanto do maior número possível de seres humanos, quanto dos ecossistemas".

E essa "extração de valor" tornou-se o mecanismo totalizante e totalitário que já envolve "cada momento e cada aspecto da existência". Do nascimento à morte: como o velho Welfare, enferrujado e imprestável segundo a vulgata ocidental dominante, que abraçava tempos atrás o indivíduo "do berço ao caixão". O salto de qualidade está na passagem crucial da "produção" à "extração" do valor.

"Produz-se" valor quando se constrói uma casa ou uma escola. "Extrai-se" valor quando se impõe um aumento dos preços das casas, manipulando as taxas de juros. "Produz-se" valor quando se cria um posto de trabalho estável e bem remunerado. "Extrai-se" valor quando são contratados trabalhadores temporários mal pagos ou aumentam-se os ritmos de trabalho com o mesmo salário.

Se a "megamáquina" do velho capitalismo industrial fordista tinha como motor a indústria manufatureira, a "megamáquina" do "finanzcapitalismo" tem como motor a indústria financeira. A primeira "girava" graças ao trabalho, que gerava renda, direitos, cidadania. A segunda "gira" graças ao dinheiro, que gera mais dinheiro, e depois ainda mais dinheiro, e sempre e apenas dinheiro. "Finanças criativas", aprendemos a chamá-la nesse inebriante período de culto pagão ao deus mercado. Não nos damos conta de que, enquanto isso, elas se tornaram "finanças destrutivas".

Para nos darmos conta disso, basta examinar, com o sociólogo turinense, o inventário de tudo o que foi destruído nestes últimos anos. Na gigantesca fogueira da Grande Crise, foram queimados os "ativos" do mundo, isto é, a riqueza constituída por ações, obrigações, derivados, casas, edifícios comerciais, plantas industriais, capitais e fundos. Um auto-de-fé estimado entre um mínimo de 25 a 30 trilhões de dólares (a metade do PIB do planeta) e um máximo de 100 trilhões (1,8 vezes o PIB mundial). Mas, no fogo, com a riqueza, foram "queimadas" pessoas de carne e osso: segundo a OIT, temos hoje 50 milhões de desempregados a mais e 200 milhões de trabalhadores que caíram na área da pobreza extrema.

Além das culpas, sobre as quais Gallino não afunda tanto a faca, há uma imensa obra de reconversão que deveria ser tentada aqui e agora. Para as classes dirigentes, trata-se de sair do pensamento único neoliberal, que teorizou as virtudes do "finanzcapitalismo" e prosperou sobre as suas loucuras. E de reformular a arquitetura financeira: com os instrumentos do narrow banking (a redução drástica das dimensões da atividades de crédito), a revisão, dos critérios de balanço, a poda do mercado dos derivados, a proibição das cartolarizações.

Mas, enquanto enumera os remédios possíveis e indica as tentativas até agora fracassadas principalmente na Europa (mais interessantes são as norte-americanas ligadas ao Dodd-Frank Act), Gallino parece sugerir também a irrealizável inutilidade das "autorreformas". E aqui está, talvez, a fraqueza e a força do livro. A fraqueza, parece-me, está em ver só o dark side das finanças-sombras e em não conceder outras chances ao capitalismo: quase que na sua última reencarnação financeira deve-se considerar exaurido o seu ciclo vital. Sabemos, ao contrário, que, schumpeterianamente, o capitalismo é talvez o único sistema que demonstrou poder morrer e renascer infinitas vezes.

A força, por razões iguais e contrárias, está em apelar à consciência dos seres humanos. Visto que Karl Marx fracassou ao imaginar o nascimento de uma "classe antagonista" capaz de impor um modelo de economia e de sociedade humana e socialmente sustentável, só resta voltar a Karl Polanyi, que invoca "uma reação social e cultura, variada e difusa, ao liberalismo econômico e ao mercado desregulado". Ele falava dos séculos XIX e XX. Mas, para Gallino, a ideia polanyiana dos "contramovimentos" voltaria a ser útil também hoje. Os seres humanos, quase transformados em robôs ou em excesso, deveriam se rebelar. Se o fizessem, privariam a "megamáquina" do "finanzcapitalismo" dos "servo-mecanismos" que a fazem funcionar. Da dimensão individual à coletiva: a missão seria a de derrotar o "demônio" das finanças com o exorcismo da razão. A mais fascinante, mas, infelizmente, a mais difícil das "revoluções".

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - On-Line - 10/03/2011 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=41242

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.